Acórdão nº 235/14.9T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Janeiro de 2018
Magistrado Responsável | VERA SOTTOMAYOR |
Data da Resolução | 18 de Janeiro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO JR, residente na Rua …, Ponte de Lima, com o patrocínio do Ministério Público, intentou ação especial emergente de acidente de trabalho contra CL e mulher PL, residentes no Lugar …, Ponte de Lima, pedindo a condenação dos Réus no pagamento: - do capital de remição correspondente à pensão resultante da IPP que vier a ser fixada; - da quantia de €1.264,28 de indemnização pelos 89 dias de ITA; - da quantia de €36,00 de despesas de transporte; - juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%.
Os Réus contestaram a acção.
Foi proferido despacho saneador, fixados os factos assentes e organizada a base instrutória.
Foi ainda ordenado o desdobramento dos autos, para fixação da incapacidade para o trabalho e nesse apenso, o A. foi considerado clinicamente curado, sem qualquer desvalorização.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferido despacho de decisão da matéria de facto, o qual não sofreu reclamação.
Por fim, foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo: “Assim, e face a tudo o exposto, decide-se: Condenar os RR. a pagar à A. a quantia de €1.264,28 de indemnização pelas incapacidades temporárias e €30,00 despesas de transportes, acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% e até integral pagamento.
Custas pelos RR., fixando-se à causa o valor de €1.294,28.
Registe e notifique.”*Inconformados com esta decisão apelaram para este Tribunal da Relação de Guimarães, os Réus que apresentaram as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões: “1.º Por sentença proferida pelo Tribunal recorrido, foi decidido o seguinte: “Assim, e face a tudo o exposto, decide-se: Condenar os RR. A pagar à A. A quantia de €1.264,28 de indemnização pelas incapacidades temporárias e €30,00 despesas de transportes, acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% e até integral pagamento.” 2.º Com o devido respeito, os Recorrentes não se conformam com a mencionada sentença proferida, em virtude da prova documental junta aos autos conjuntamente com aquela que foi produzida em sede de audiência e discussão de julgamento, se a mesma tivesse sido devidamente valorada, interpretada e apreciada criticamente teria necessariamente de levar a uma decisão total diversa daquela que foi proferida.
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Entendem ainda os Recorrentes que a sentença padece de nulidade, a qual desde já se argui, por não justificar a matéria de facto e de direito que justificam a decisão e por falta de pronúncia sobre as questões suscitadas através da contestação e que foram debatidas em sede de audiência de discussão e julgamento.
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O Autor sustenta a sua pretensão no acidente de trabalho ocorrido em 24 de fevereiro de 2014, pelas 15:30 horas, quando se encontrava ao serviço do Réu marido e no local de trabalho por ele determinado, onde foi atingido por um ramo da árvore que estava a cortar na perna esquerda, tendo sofrido hematoma na coxa esquerda.
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Como consequência dessas lesões corporais, o Autor esteve com ITA desde 25/02/2014 a 24/05/2014, sendo que após a alta retomou o trabalho normalmente.
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Veio o Autor no dia 13 de Agosto de 2014 participar o respetivo acidente ao Ministério Público, cfr. fls., alegando que nada recebeu a título de indemnização pelos danos sofridos com o acidente, o que não é verdade.
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Pelo que os Réus apresentaram a sua contestação alegando que o pagamento das retribuições decorreu normalmente sendo que, a título de compensação, pagaram ainda ao Autor a quantia de €500,00 por cada mês que estivesse incapacitado para o trabalho.
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O Autor alega ainda que os lucros provenientes da atividade do Réu marido revertiam também a favor da Ré, o que foi devidamente impugnado pela mesma.
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Contudo, veio o Tribunal a quo considerar como factos provados os factos assentes no despacho saneador, acrescido do ponto 8 relativo ao artigo 2º da base instrutória, sendo que relativamente ao artigo 1º, 3º e 4º da base instrutória o Tribunal recorrido nada diz.
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O Tribunal a quo não se pronuncia sobre o facto de os proventos da atividade do Réu terem ou não revertido a favor da Ré mulher, de o réu marido ter ou não pago a retribuição durante o período da ITA ou se o Réu marido entregou ou não a quantia de total de €2000,00 a título de compensação ao Autor.
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A sentença recorrida limita-se a transcrever o que vem disposto na legislação portuguesa, sendo que sobre a matéria de facto controvertida a julgador nada diz ou justifica.
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Lê-se ainda na sentença recorrida que foi proferido o despacho de decisão da matéria de facto contudo tal não é verdade.
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O despacho de decisão da matéria de facto não foi proferido no fim da audiência de discussão e julgamento, os Réus não foram convocados para qualquer leitura do despacho e muito menos notificados dessa decisão, como se pode aferir no respetivo processo, pelo que naturalmente não poderia sofrer quaisquer reclamações.
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A sentença é nula por violar gravemente o dever de fundamentação e o dever de se pronunciar sobre as questões suscitadas por ambas as partes.
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A sentença recorrida viola gravemente o direito dos Réus ao acesso ao direito e o direito à obtenção de uma decisão inteligível e coerente, consagrado na Constituição da República Portuguesa no seu artigo 20.º.
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No presente caso, os Recorrentes não tem forma de entender quais foram os motivos que levaram ao Tribunal a quo a concluir sobre a condenação da Ré mulher, sobre o não pagamento das retribuições e/ou indemnização pelas incapacidades temporárias do Autor.
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Os Recorrentes nem sabem, nem têm como saber, se a prova alegada e produzida por eles foi ou não criticamente analisada e considerada na decisão do Tribunal a quo.
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O dever de fundamentação exige que da decisão se retire a razão que levou o julgador a concluir pela ocorrência ou não de cada um dos factos – neste sentido, Ac. STJ de 20-03-2014, proc. n.º1052/08. dgsi.net.
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E ainda como diz o Professor Dr. A. REIS, no CPC Anotado, vol. V, pág. 139: “Uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base… As partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão.
Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber por que razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber, quando a sentença admita recurso, para poder impugnar fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior. Este carece também de conhecer as razões determinantes da decisão, para as poder apreciar no julgamento do recurso”.
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Para além de violar o direito a uma decisão fundamentada, o Tribunal a quo viola ainda o direito ao acesso ao direito e aos tribunais, o direito de recorrer da decisão impugnando e discutindo a decisão proferida pelo julgador de primeira instância.
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Neste sentido, deve a presente decisão ser julgada nula ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPC, ex vi artigo 1º do CPT.
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Os Recorrentes não se conformam ainda com a decisão do Tribunal recorrido sobre matéria de facto dada como provada (entenda-se o ponto n.º 8) e os factos que foram discutidos e foram considerados não provados.
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O Autor alegou ter tido despesas de transporte para o Gabinete Médico-Legal e ao tribunal no valor de €36,00, contudo não logrou provar nem provou este dano patrimonial.
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O Autor não alegou nem provou quantas vezes se deslocou a estas instituições, não concretizou o valor destes danos patrimoniais, não apresentou recibos de pagamento, não apresentou nenhum dado ou elemento que permitisse aferir o valor gasto por causa das suas deslocações ao tribunal e ao GML, pelo que não pode tal facto ser dado como provado.
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Também não se entende nem se aceita que seja feita a aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil.
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Dispõe o presente artigo o seguinte: “Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (sublinhado nosso).
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No caso concreto, este dano patrimonial facilmente seria averiguado e não existem nos presentes autos elementos que o tribunal pudesse recorrer para julgar equitativamente ao abrigo da lei.
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Não se provou o valor exato do dano, também não foi alegado ou provado quantas deslocações existiram nem qual o valor médio ou real do bilhete de transporte público direção Ponte de Lima – Viana do Castelo, não há quaisquer elementos que permitam o recurso à equidade para a fixação dos danos patrimoniais.
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Não foi intenção do legislador fixar uma norma que permitisse compensar o lesado pela falta de alegação ou prova de determinado facto ou dano.
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O recurso à equidade tem ínsita a impossibilidade de apuramento do exato valor do dano e é inaplicável quando o dano não foi alegado nem provado – neste sentido, vide Ac. Do STJ de 08-06-2006 e de 27-04-2017.
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Assim, não pode o tribunal recorrer a um juízo equitativo fora dos casos previstos na lei, pelo que deve o presente ponto 8 ser dado como não provado.
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Os Recorrentes não se conformam com a condenação da Ré mulher ao pagamento ao Autor da quantia peticionada.
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Isto porque, salvo melhor...
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