Acórdão nº 26/16.2T9MDL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução19 de Março de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo comum, com intervenção de juiz singular, com o NUIPC 26/16.2T9MDL, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, no Juízo de Competência Genérica de Mirandela - J1, foi proferida sentença, lida e depositada a 12-06-2017, a condenar a arguida, L. A., pela prática, como autora material e na forma consumada, de um crime de descaminho de objeto colocado sob o poder público, previsto e punido pelo art. 355º do Código Penal, na pena de três meses de prisão, substituída pela pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros).

  1. Inconformada, a arguida interpôs recurso da sentença, extraindo da respetiva motivação as conclusões que a seguir se transcrevem [1]: «CONCLUSÕES I. A recorrente, foi condenada pela prática em autoria material, e na forma consumada de um crime de descaminho de objeto colocado sob o poder público, previsto e punido pelo artigo 355.º do Código Penal, na pena de três meses de prisão.

    1. O Tribunal “a quo”, considerou provada em relação ao aqui Recorrente, a seguinte matéria de facto: pontos 3.º a 6.º constantes da fundamentação de Facto da Douta Sentença.

      “3.º- Notificada para apresentar o referido bem – cfr. fls. 32 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a arguida não o apresentou durante o período que lhe foi concedido nem até à presente data, impedindo o prosseguimento daqueles autos de execução.

      1. - Sabia a Arguida que tal bem se encontrava penhorado à ordem daquela execução e que não podia subtrair ao poder público a que estava sujeito, devendo entregá-lo quando tal lhe fosse exigido.

      2. - Não obstante, como quis, ora extraviou-o, ora ocultou-o, frustrando assim o prosseguimento da execução e o objetivo da penhora.

      3. - A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária, e consciente, bem sabendo que a sua conduta era vedada por lei e que incorria em responsabilidade criminal.” III. Esta decisão, partiu da convicção do Tribunal alicerçada nos seguintes meios de prova: 1. Declarações da Testemunha em sede de audiência de Julgamento; 2. Prova documental junto aos autos por este.

    2. Salvo melhor opinião, o Tribunal “a quo”, na decisão que proferiu, e no seu direito de livre apreciação, formou a sua convicção erradamente, julgando incorretamente factos, porquanto a prova produzida não foi clara e objetiva, de modo a que tais factos poderem a vir a ser dados como provados, pois que a única prova produzida em sede de audiência de julgamento foi a da Testemunha e o seu documento junto aos autos, não valorando outros factos.

    3. Sentindo-se lesada e defraudada, a aqui recorrente, por livre e espontânea vontade, aquando do conhecimento de que o proprietário do local onde estavam depositadas/aparcadas várias viaturas das quais a empresa da qual é gerente seria fiel depositaria (por falta de espaço próprio suficiente), incluindo a viatura em discussão nos presentes Autos teriam sido eventualmente alienadas a terceiro para realização de capital, apresentou queixa junto do Órgão de Polícia Criminal – conforme participação junta aos Autos.

    4. Fazendo-o com a profunda convicção de que com tal comportamento cumpria o seu dever como fiel depositária.

    5. E não obstante, como consta dos Autos o fiel depositário que de facto assumiu essas funções foi B. S. e não a arguida/recorrente.

    6. Mas mesmo assim a arguida /recorrente tudo fez para cumprimento das suas obrigações dentro dos critérios do bom pai de família.

    7. Por outro lado, a fls. … veio A. V., apresentar um Requerimento ao Serviço de Finanças de M. (Livro de Reclamações) onde vem alegar que teria adquirido em Setembro 2016 a viatura em causa nos presentes Autos e que a mesma apresentava vários problemas incluindo falta de várias peças e a chave da ignição e a quem se deveria dirigir para ser ressarcido dessas anomalias.

    8. Sendo por isso de concluir que a viatura não se encontra por isso em parte incerta mas na posse do referido A. V..

    9. Não se compreende então porque é que com tão relevante meio de prova testemunhal e documental, só foi arrolada e inquirida como testemunha, o chefe do Serviço de Finanças de M., e não o também o alegado possuidor.

    10. Não pode por isso a arguida ser de forma alguma condenada pelo crime de que vem acusada uma vez que a viatura dos autos, terá sido vendida (cumprindo-se assim o objetivo da venda e nomeação como fiel depositário) e esta estará alegadamente na posse do Sr. A. V..

    11. Motivo pelo qual a arguida, sentindo-se enganada e defraudada, não concordou sequer com a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, pelo período de 5 meses mediante a injunção de pagamento da quantia de €1.000,00 a favor do Estado e julgamento em processo sumaríssimo.

    12. Por outro lado, a materialidade fáctica apurada e em cima descrita e dada como provada pelo tribunal “a quo”, não integra os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de descaminho previsto e punido pelo artigo 355.º do Código Penal.

    13. Em primeiro lugar, e salvo melhor opinião, entendemos que a matéria constante nos pontos 4, 5 e 6 da fundamentação de facto da douta sentença condenatória, - “sabia a Arguida que tal bem se encontrava penhorado à ordem daquela execução e que não podia subtrair ao poder público a que estava sujeito, devendo entregá-lo quando tal lhe fosse exigido”, não configura um facto material e concreto, mas parece consubstanciar um conceito estritamente jurídico.

    14. O crime de descaminho previsto e punido pelo art.º 355º, do Código Penal é cometido por quem “destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente, ou por qualquer outra forma, subtrair ao poder público a que está sujeito, documento ou outro objeto móvel, bem como coisa tiver sido arrestada apreendida ou objeto de providência cautelar”.

    15. Ademais, não ficou demonstrado nos autos, que a aqui recorrente tenha destruído, danificado ou inutilizado total ou parcialmente, extraviando, ou mesmo ocultando, os objetos que lhe foram confiados, com o objetivo de frustrar o prosseguimento da execução e mesmo o objetivo da penhora.

    16. Integrando na matéria dos pontos 4, 5 e 6 da matéria de facto, no artigo 355º, conclui-se que a expressão “…sabia que não podia subtrair ao poder público a que estava sujeito…; …como quis, ora extraviou-o, ora ocultou-o…; …agiu sempre de forma livre, voluntária, e consciente bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e que incorria em responsabilidade criminal”.

    17. Parece assim, e salvo melhor opinião que a aqui recorrente ora arguida, que tal expressão, corresponde ipsis verbis àquela expressão normativa, ao que, de forma alguma poderá subsumir-se naquela previsão.

    18. Tanto mais que, em nenhum dos outros pontos constantes da fundamentação de facto, é feita qualquer referência concreta, ao ato material que possa ter a recorrente ora arguida ter praticado e que seja suscetível de integrar o crime de subtração, extravio, ou mesmo ocultação, não existe por isso factos que permitam subsumir que, a recorrente praticou tais crimes e que possam subsumir no tipo legal de que é acusada.

    19. Objetivamente, os autos não demonstram tal ilação constante na segunda parte do ponto 4 da fundamentação de facto, não se conhecendo por isso em que consistiu o ato de subtração praticado pela ora arguida, não se podendo por isso concluir que a aqui recorrente e ora arguida sabia que o praticou tal conduta ou que quis esse resultado.

    20. A relevância jurídica penal da expressão “subtração dos objetos ao poder público”, só representa relevância, num dos elementos subjetivos do tipo, ao que deve de ser considerada como não escrita.

    21. Neste sentido a “não entrega dos bens”, por parte da fiel depositária, por facto não imputável ao Arguido, não constitui em si uma conduta objetiva do crime de subtração.

    22. O “saber que subtraía”, o “saber que sonegava-os”; a “saber que ocultava-os”, o “saber que não entregando os bens”, de alguma maneira estaria a sonegá-los ou mesmo a ocultá-los ao poder público, corresponde sim ao tipo subjetivo, não podendo a conduta da aqui recorrente integrar deste modo, o tipo de ilícito a que foi acusada e condenada pelo tribunal “a quo”.

    23. Toda decisão de facto, deve de conter enumeração exaustiva dos factos materiais e concretos, e não conceitos de direito, conclusões, conclusões ou generalidades suscetíveis de várias interpretações.

    24. A ser provado o facto da “não entrega dos bens”, não significa necessariamente que existiu “subtração ao poder público”, podendo ambos os conceitos terem conteúdos diferentes, sendo por isso fundamental e em bom rigor descrever em concreto o facto de uma das modalidades de subtração dos bens ao poder público.

    25. O conceito de subtração, como o de destruição, inutilização, ocultação, extravio, todos incluídos no tipo legal do crime em análise, são todos consubstanciadores de matéria de direito, porque estamos perante conclusões jurídicas, nesse sentido devem ser considerados também como não escritas pelo tribunal “ad quem”.

    26. A simples não entrega dos bens por parte do fiel depositário, não pode integrar, salvo melhor opinião, a Ação típica de subtração dos bens ao poder público no artigo 355.º do Código Penal, mais que, a viatura já foi entregue.

    27. Entende a aqui recorrente, ora arguida, que da materialidade objetiva exarada na sentença, bem com da acusação, não constam factos, suscetíveis de preencher o conceito de “subtração ao poder público”, ou seja, dos factos dados como provados pelo tribunal “a quo”, não constam quaisquer condutas integradores do tipo legal referente ao crime de descaminho previsto e punido pelo artigo 355.º do Código Penal, pelo qual o recorrente tinha sido acusado.

    28. Neste sentido, face à ausência de materialidade objetiva indispensável ao preenchimento do crime de descaminho, torna-se evidente que na caracterização do tipo subjetivo do ilícito tenha sido...

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