Acórdão nº 1298/15.5T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelEDUARDO AZEVEDO
Data da Resolução30 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães Neste processo especial emergente de acidente de trabalho é sinistrado Manuel e seguradora “X – Companhia de Seguros, Sa.

Foi realizado exame médico e realizada tentativa de conciliação que se frustrou.

O sinistrado requereu a abertura da fase contenciosa do processo, pretenendo: “a Ré ser condenada, a reconhecer o sinistro relatado nos autos como um acidente de trabalho, bem como a incapacidade parcial e permanente para a actividade profissional habitual resultante do citado sinistro de 12,6000% e, em consequência, ser condenada no pagamento ao Autor das seguintes prestações e obrigações:

  1. Pensão anual e vitalícia de €12.750,97 (doze mil setecentos e cinquenta euros e noventa e sete cêntimos), com início em 06/01/2016, calculada com base na retribuição mensal de €545,00 e na IPP atribuída; b) Indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, no montante de €7.977,69 (sete mil novecentos e setenta e sete euros e sessenta e nove cêntimos); c) A quantia de €15,00 a título de transportes e deslocações obrigatórias; d) Juros de mora à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos sobre as quantias reclamadas, nos termos do disposto no artigo 135.º do CPT e Portaria n.º 391/03 de 08 de Março, até ao efectivo e integral pagamento;”.

    Para tanto alegou, em suma: trabalhava por conta doutrem, como serralheiro civil de 1ª, auferindo a retribuição mensal de 545,00€ x 14 meses/ano acrescida de 5,13€ x 22 x 11 meses/ano de subsídio de alimentação; no dia 23.09.2014, pelas 12,10 horas, quando se deslocava do seu local de trabalho para a sua residência a fim de almoçar, foi vítima de um acidente de viação, do qual resultaram diversas lesões, nomeadamente, fractura exposta do colo do fémur direito (fractura basicervical) e fractura exposta da rótula direita; deste acidente resultaram ainda sequelas que acarretam incapacidades para o trabalho; e, tinha sido transferida a responsabilidade indemnizatória para seguradora.

    A seguradora contestou alegando, em síntese: as lesões sofridas ocorreram por força da conduta temerária e negligente, por se conduzir em excesso de velocidade, calcando ainda a linha longitudinal contínua e em violação da proibição de ultrapassagem; e o acidente encontra-se descaracterizado.

    Elaborou-se despacho saneador, altura em que se fixaram os factos assentes e a base instrutória bem como se determinou que em apenso se fixasse a incapacidade.

    Neste, realizado exame por junta médica, foi proferido despacho a julgar definitivamente assente que o sinistrado apresenta sequelas, resultantes de fractura do fémur e rótula à direita, e que por isso, ficou afectado de uma IPP de 11,68%.

    Por apenso, o “Hospital – Escala Braga – Sociedade Gestora do Estabelecimento, Sa, intentou contra a seguradora acção nos termos do artº 154º do CPT, na qual, relativamente a assistência médico-hospitalar, pede a condenação no pagamento da quantia de 4.540,91€ e juros de mora a partir da citação.

    A seguradora contestou nos mesmos moldes e no mesmo elaborou-se saneador sem identificação do objecto da acção e dos temas de prova.

    Realizou-se audiência de julgamento.

    Proferiu-se sentença decidindo-se: “Assim, e face a tudo o exposto, decide-se pela procedência do pedido formulado nos autos e na acção com processo comum apensa, e, consequentemente: a) condenar a Ré a pagar ao Autor: a. o capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de 725,33 €, com início em 06/01/2016; b. o montante global de 8.197,21 € de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária; c. 15,00 € de despesas de transporte em deslocações obrigatórias para exames médicos e a tribunal; e d. juros de mora à taxa legal de 4% desde 06/01/2016 até integral pagamento, nos termos do art. 135º do Código do Processo do Trabalho.

  2. absolvê-la do restante peticionado pelo Autor; c) condená-la ainda a pagar ao HOSPITAL – ESCALA BRAGA – SOCIEDADE GESTORA DO ESTABELECIMENTO, S.A., a quantia de 4.333,97 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até integral pagamento.”.

    A seguradora recorreu.

    Conclusões: “1 - Em face da factualidade dada como provada nas alíneas D) a J), e que a demandada desde já expressamente aceita, terá, forçosamente, que se concluir que o acidente dos autos ocorreu, primeiro, UNICAMENTE por negligência grosseira do próprio demandante; segundo, que, no fundo, é consequência do primeiro, que o acidente dos autos ocorreu por violação grosseira das normas ou regras estradais (violação do Código da Estrada).

    2 - O acidente descrito na factualidade dada como assente é, pois, de imputar, a título de culpa exclusiva, bem como por negligência grosseira, a raiar o dolo eventual, ao demandante.

    3 - Resulta desde logo evidente que o comportamento TEMERÁRIO do demandante só pode ser classificado como grosseiramente negligente; senão vejamos: Circulava a mais de 70 Km/h.

    Efectuou uma manobra de ultrapassagem num entroncamento. Para efectuar a manobra de ultrapassagem, pisou uma linha contínua que tinha como objectivo impedir essa mesma manobra.

    Ignorou, por completo, a sinalizada manobra de mudança de direcção à esquerda, através do encostar ao eixo da via e de accionar o pisca esquerdo, do veículo VE.

    4 - O demandante violou as seguintes normas estradais: - Artº 24º, artº 25º e artº 27º, todos do Código da Estrada (quanto ao limite de velocidade); - Artº 35º, artº 38º e artº 41º, todos do Código da Estrada (quanto à proibição da manobra de ultrapassagem); - Artº 11º nº 2 do Código da Estrada (quanto à total falta de atenção do demandante no exercício da condução); Artº 60º do Regulamento de Sinalização e Trânsito - Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 01/10 (quanto à proibição de pisar a linha contínua).

    5 - Este comportamento do demandante, que não poderia ser mais temerário, encaixa na perfeição nas alíneas a) e b) do nº 1 do artº 14º da Lei 98/2009, de 04/09.

    6 - Se o comportamento estradal do demandante não for considerado grosseiramente negligente, então a demandada X não sabe o que poderá ser considerado grosseiramente negligente ...

    7 - Repare-se que o demandante conduz um motociclo a mais de 70 Km/h, dentro de uma localidade (freguesia de Pico de Regalados), e a aproximar-se de um cruzamento; efectua uma manobra de ultrapassagem num cruzamento; para efectuar essa manobra de ultrapassagem, pisa uma linha longitudinal contínua, que o impedia de passar a circular pela metade esquerda da Estrada Nacional 101; efectua a manobra de ultrapassagem sem atender à sinalização do veículo que o precedia, que, além de accionar o pisca de mudança de direcção à esquerda, encostou-se ao eixo da via.

    8 - O demandante praticou, de uma assentada, pelo menos, uma contra-ordenação grave, consubstanciada em circular a mais de 70 Km/h dentro de uma localidade, nos termos e para os efeitos da alínea c) do nº 1 do artº 145º do Código da Estrada.

    9 - Assim como praticou uma contra-ordenação muito grave, decorrente de ter transposto uma linha longitudinal contínua, nos termos e para os efeitos da alínea o) do artº 146º do Código da Estrada.

    10 - É entendimento da demandada, de há muito, que deveria ser entendido que, quando, no exercício da condução, o sinistrado pratica contra-ordenações graves e muito graves, e quando é esse mesmo comportamento a dar causa única ao acidente, então deveria, de forma automática, ser considerado preenchido o requisito da negligência grosseira ou comportamento temerário.

    11 - Isto é, é a contra-ordenação grave ou muito grave a dar origem única ao acidente, deveria estabelecer-se uma presunção da existência de negligência grosseira ou comportamento temerário.

    12 - Desde logo porque a graduação das contra-ordenações não é arbitrária; antes obedece a critérios objectivos, em função da gravidade dos respectivos comportamentos.

    13 - Por outro lado, existe a vertente preventiva e dissuasora que tal entendimento encerra; na realidade, hoje em dia, existe a convicção, diga-se, profundamente enraizada, de que, nos acidentes de viação, é muito difícil fazer vingar a descaracterização desse acidente como de trabalho, precisamente pelas razões vertidas na Douta Sentença aqui em recurso.

    14 - Se houvesse a coragem de integrar o conceito de negligência grosseira e comportamento temerário na violação objectiva das regras de trânsito que consubstancia contra-ordenações graves e muito graves, haveria certamente da parte do condutor um outro cuidado e uma outra atenção, que, hoje, manifestamente, não tem.

    15 - Excelentíssimos Senhores Doutores Desembargadores, no fundo, o que a demandada pede é que haja, da parte de V. Exas, essa coragem de sancionar um...

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