Acórdão nº 1553/16.7T9BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução21 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: Na sequência do arquivamento do inquérito por parte do Ministério Público, o assistente H. C.

requereu a abertura de instrução, imputando à arguida M. A.

a prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, alíneas d) e e) do C. Penal, no termo da qual foi proferido despacho de não pronúncia.

Inconformado com a referida decisão, o assistente interpôs recurso, sustentando que deve ser proferido despacho de pronúncia, mediante a formulação das seguintes conclusões (sic): «(…) 2. O Tribunal a quo, embora tenha considerado que no caso em questão objectivamente a Arguida elaborou documentos falsos, nomeadamente, as autenticações de duas procurações supostamente transmitidas pelo Recorrente.

  1. O Tribunal a quo considerou que o elemento subjectivo específico do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, al. d) e e) do Código Penal praticado pela Arguida, não se encontrava descrito no requerimento de abertura de instrução do Recorrente.

  2. Concluindo, que o Recorrente no que concerne à Arguida M. A. nada diz quanto ao dolo específico, limitando-se à afirmação do dolo genérico.

  3. Ora, com todo o devido respeito, o Recorrente não concorda de todo com o sentido de tal decisão.

  4. Acontece que, o referido dolo específico encontra-se devidamente concretizado nos artigos 52, 53 e 54 do requerimento de abertura de instrução.

  5. Ora, da leitura conjunta dos referidos artigos resulta que a Arguida, em conjunto com outras duas pessoas, autenticou, conferindo fé pública, duas procurações que bem sabia serem falsas.

  6. De forma a atribuir um benefício ilegítimo a uma outra pessoa, nomeadamente, a E. T..

  7. Sendo que tal benefício ilegítimo consistiu na atribuição de veracidade e fé pública às referidas procurações das quais E. T. era beneficiária e por intermédio das mesmas adquiriu poderes para ilicitamente representar o Recorrente.

  8. Para além disto, o artigo 22 do requerimento de abertura de instrução o Recorrente refere que a Arguida actuou de forma livre, voluntária, e consciente, tendo querido emitir declaração que bem sabia ser falsa, bem sabendo que tal não lhe era permitido por lei.

  9. Daqui decorre que a Arguida tinha conhecimento do carácter ilícito da sua acto, actuou com vontade própria e teve intenção de emitir uma declaração que sabia falsa.

  10. Assim, os factos que constituem o elemento subjectivo do tipo estão devidamente circunstanciados no RAI.

  11. Sendo certo que a Autora sabia forçosamente, que ao actuar do modo descrito estava a prejudicar o Recorrente e consequentemente, a proporcionar um benefício ilegítimo a E. T., ou que pelo menos previu tais possibilidades.

  12. Para além disto, decorre implicitamente do RAI que a Arguida actuou com intenção de prejudicar o Recorrente e, consequentemente a proporcionar um benefício ilegítimo a E. T..

  13. Tal facto decorre, em última hipótese, das regras de experiência comum, racionalidade e lógica.

  14. Pelo exposto, considera-se que o requerimento de abertura de instrução do Recorrente cumpriu os requisitos constantes do artigo 287.º n.º 2 e 283.º n.º 3 al. b) do CPP.

  15. Desta forma o Tribunal a quo ao proferir despacho de não pronúncia, considerando que o elemento subjectivo específico do crime de falsificação de documentos imputado à Arguida não se encontrava descrito no requerimento de abertura de instrução do Recorrente, violou e não interpretou correctamente os artigos 283.º n.º 3 al. b), 287.º n.º 2 e 308.º do CPP, o artigo 256.º n.º 1 al. d) e e) do Código Penal e o artigo 20.º da CRP.

  16. Sendo que o Tribunal a quo devia ter aplicado e interpretado tais artigos no sentido da pronúncia da Arguida, dando por verificado a existência do elemento subjectivo do crime de falsificação de documentos imputado à Arguida.

  17. Pelo exposto o RAI apresentado pelo Recorrente contém todos os requisitos formais e materiais para constituir uma acusação alternativa.

  18. Sem prescindir, caso se perfilhe o entendimento de que o RAI é omisso relativamente ao elemento subjectivo específico do crime em questão, o que não se concebe, nem concede, mas por mera hipótese de defesa se considera; 21. O Tribunal a quo deveria ter dado aplicação ao disposto no artigo 303.º n.º 1 do CPP, designadamente, integrando oficiosamente os factos integradores do elemento subjectivo específico do tipo; 22. Ou, convidado o Assistente, aqui Recorrente, a proceder à reparação do referido vício.

  19. Ao contrário do que é defendido pelo Tribunal a quo, entende-se que o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2005 do STJ, referido no texto da decisão recorrida, não se aplica ao presente caso.

  20. Em primeiro lugar, o referido acórdão aplica-se a uma acusação que se encontre em fase de julgamento, e não ao requerimento de abertura de instrução apresentado pelo Assistente.

  21. Em segundo lugar, entendendo-se que o referido acórdão tem aplicação ao presente caso, o mesmo impede unicamente a integração dos factos relacionados com o elemento cognitivo e volitivo do tipo em questão.

  22. Os quais se encontram devidamente descritos no RAI.

  23. Em terceiro lugar, o referido acórdão apenas se aplica aos casos em que os elementos subjectivos do tipo encontram-se totalmente omissos, e não aos casos em que, conforme resulta da decisão recorrida, apenas houve uma incompleta descrição dos elementos subjectivos do tipo, designadamente, pela falta de referência ao elemento subjectivo específico do crime de falsificação de documentos.

  24. Deste modo, o Tribunal a quo violou e não fez uma interpretação correcta do disposto no art. 303.º n.º 1 do CPP.

  25. O qual devia ter sido interpretado e aplicado no sentido da integração oficiosa do elemento subjectivo específico do crime em questão, 30. Esta é a posição que mais se coaduna com o princípio da justiça, da investigação e com a descoberta da verdade e boa decisão da causa.

  26. O RAI após ter sido admitido pelo Tribunal a quo não podia ser julgado improcedente por omissão dos elementos subjectivos do tipo.

  27. Uma vez que considerando-se que a omissão de tais factos subjectivos constitui uma nulidade sanável (art. 283.º n.º 3 al. b) e 120.º n.º 1 do CPP).

  28. A mesma já se encontrava sanada no momento em que foi proferido despacho de não pronúncia.

  29. Por conseguinte, o Tribunal a quo violou e não interpretou correctamente o disposto nos artigos 283 n.º 3 al. b), 287.º n.º 2, 120.º n.º 1 e 308.º n.º 1 todos do CPP.

  30. Os quais deviam ter sido aplicados no sentido da nulidade por omissão dos factos caracterizadores dos elementos subjectivos do tipo, se encontrar sanada no momento da prolação de despacho de não pronúncia.

  31. A decisão recorrida privilegia a adopção de uma justiça formal, em vez da prossecução de uma justiça material, como seria devido.».

    Foi admitido o recurso, a que o Ministério Público, junto da 1ª Instância, respondeu, aduzindo em síntese, que o RAI é parco quanto à imputação de factos concretos que permitam o preenchimento do elemento subjectivo do tipo legal do crime de falsificação de documento.

    A arguida não respondeu.

    Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado parecer, sustentando que é insuprível o eventual não acatamento das exigências de rigor a que deve obedecer o RAI, à semelhança do que sucede com a acusação. No entanto, concluiu pela verificação dos elementos essenciais atinentes ao elemento subjectivo da infracção, por entender que do teor dos itens 22, 52 e 54 do requerimento instrutório, aliado à narração dos factos, decorre implicitamente que a arguida actuou com a intenção de prejudicar o assistente, como se extrai das regras da experiência comum.

    Cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP, a arguida pretendeu apresentar resposta ao parecer no 2º dia útil posterior ao termo do prazo de que dispunha, sem proceder ao pagamento da multa respectiva, apesar de notificada para tal. Por assim ser, não será considerado tal acto processual.

    Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.

    *Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, nº 1, do CPP), suscita-se neste recurso as questões de saber se: 1º- o RAI concretiza o dolo específico do crime de falsificação de documento; 2º- a reconhecer-se a omissão desse elemento, incumbia ao JIC incluir oficiosamente os factos integradores do mesmo ou convidar o assistente a proceder à reparação de tal vício; 3º- tendo sido liminarmente admitido, o RAI não poderia ter sido julgado improcedente, uma vez que já se encontrava sanada a nulidade decorrente daquela omissão.

    Cumpre apreciar e decidir tais questões. Para tanto, devem considerar-se os segmentos do requerimento de abertura da instrução invocados no recurso e os extractos da decisão instrutória que a seguir se enunciam: Requerimento de abertura da instrução: «22. A atuação da Arguida, que foi livre, consciente e voluntária, tendo querido emitir declaração que bem sabia ser falsa, bem sabendo que tal não lhe era permitido por lei.

  32. Nos presentes autos, está em causa a atividade de duas pessoas que, em comunhão de esforços, e com o propósito de representar e prejudicar o Assistente, desenvolveram ao arrepio da lei, com espírito de absoluta impunidade e entrando, bastas vezes, pelo caminho da prática criminosa tout court.

  33. Para tal efeito, falsificaram a assinatura do Assistente em várias procurações.

  34. A aqui Arguida, em conjunto com aqueles sujeitos, enquanto advogada, autenticou aqueles documentos falsificados, conferindo fé pública a um facto que era manifestamente falso.» Decisão instrutória: «(…) Os factos suficientemente indiciados: 1. No dia 23/04/2013 a arguida elaborou o termo de autenticação que se encontra a fls. 9 e 82, relativamente às procurações datadas de 22/04/2013 que se encontram a fls. 79 e 80.

  35. No dia 21/12/2013 a arguida elaborou termo de autenticação que se encontra a fls. 12, relativamente à procuração datada de 21/12/2013 que se encontra a fls. 81.

  36. Nos...

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