Acórdão nº 1254/16.6JAPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelPEDRO CUNHA LOPES
Data da Resolução21 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Por Acórdão de 7 de Dezembro de 2 016, depositado em 9 de Dezembro, foi o arguido José: - absolvido da prática de 5 (cinco) crimes de abuso sexual de crianças, p(s). e p(s). pelos arts.º 171º/1 e 177º/1, b), C.P.

; - condenado pela prática de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos arts.º 171º/1 e 177º/1, b), C.P.

, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão com a execução suspensa por igual período, com regime de prova, que integre avaliação e eventual seguimento em consulta de Sexologia.

Inconformado com esta decisão, contra a mesma interpôs recurso o arguido, peça processual que termina com as seguintes conclusões: “A. O objecto do presente recurso circunscrever-se-á, à temática da nulidade do meio de prova (declarações para memória futura).

  1. A motivação que infra aduziremos, cingir-se-á à impugnação das primeiras cinco páginas do acórdão que decidiu — em sede de questão prévia — pela improcedência das “invocadas nulidades, as alegadas incompetências do Tribunal, a violação do princípio do Juiz Natural e as inconstitucionalidades arguidas pelo arguido” (cfr. pág. 5 do acórdão).

  2. Classicamente, o princípio do Juiz Natural começou por ser um princípio emanado do princípio da legalidade e visava assegurar a independência dos Tribunais perante o poder político, na medida em que “proíbe a criação de uma competência “ad hoc” (de excepção) de um certo Tribunal para uma causa”. (cfr. AC. Tribunal da Relação de Guimarães proferido nestes autos a propósito de uma outra questão suscitada e citado no acórdão recorrido a pág. 4).

  3. Hodiernamente, o princípio do Juiz Natural é entendido pela doutrina com maior abrangência tem uma dimensão mais lata, na medida em que, assegura a independência do Tribunal, mesmo em relação ao poder judicial.

  4. A anotação ao art. 32° no 9 da C.R.P. de Almeida Lopes, 6 revisão, de 2005, págs. 208-209 está completamente ultrapassada.

  5. Impõe-se, neste momento, que revisitemos o princípio do Juiz Natural, na perspectiva hodierna; quer na doutrina; quer na jurisprudência do Tribunal Constitucional.

  6. Para não alongarmos, em demasia, estas alegações, sustentaremos a nossa perspectiva, essencialmente nos ensinamentos, no plano doutrinário, de Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Anotada e Miguel Nogueira de Brito - O princípio do Juiz Natural e a Nova Organização Judiciária”, Revista Julgar, n° 20 (2013), pág. 19 a 37; e, na perspectiva Jurisprudencial, estribamo- nos no ac. do T.C. n° 614/03.

  7. Gomes Canotilho/ Vital Moreira na anotação X ao art. 32° do C.R.P., ensinam que “o princípio do Juiz Legal afirma-se principalmente perante o Governo e as administrações públicas, mas devem considerar-se destinatários desse principio também os órgãos legiferantes e os Tribunais. Juiz Legal é, não apenas o Juiz de Sentença em primeira instância, mas todos os juízes chamados a participar numa decisão. A exigência constitucional vale claramente para os juízes de instrução e para os Tribunais colectivos.” I. Ibidem: “A doutrina costuma salientar que o princípio do Juiz Legal comporta várias dimensões fundamentais: a) a exigência de determinabilidade...

    1. garantia de uma justiça material assegurada pela mentalidade e independência...

    2. princípio da fixação de competência...

    3. observância das determinações de procedimento referentes à divisão funcional interna (distribuição de processos), o que aponta para a fixação de um plano de distribuição de processos (embora esta distribuição seja uma actividade materialmente administrativa, ela conexiona-se com o principio da administração judicial).” J. No plano doutrinal, o estudo mais completo e consentâneo com a realidade actual, face ao novo paradigma da Organização Judiciária em vigôr, é o texto já citado supra de Miguel Nogueira de Bríto.

  8. No item 27 a 49 da motivação acham-se em evidência os excertos do estudo de Miguel Nogueira de Brito, com os quais o recorrente pretende fundamentar como deve ser entendido, actualmente, o principio do Juíz natural e que constitui parte integrante desta motivação.

  9. No item 50, o recorrente transcreve parte do A.C. do T.C. no 614/03 que constituir marco orientador da interpretação actualista do referido principio do juiz natural. Para aí remeter também a nossa motivação.

  10. A exposição do caso concreto encontra-se narrada no requerimento no item 54, e que constitui parte integrante das presentes alegações.

  11. A competência para ouvir as declarações para memória futura do menor, caberia ao Juiz de Instrução, a exercer funções na Instância Central, da 2a Secção de Instrução Criminal, com sede em Guimarães.

  12. O Tribunal “a quo” assim não entendeu. Na circunstância, estribou a sua decisão no art.º 130º, n.º 1), al. c), da Lei n° 62/2013, de 26/08, a qual prescreve que “compete às secções de competência genérica: c) Fora dos municípios onde estejam instaladas secções de instrução criminal, exercer as funções jurisdicionais relativas aos inquéritos penais, ainda que a respectiva área territorial se mostre abrangida por uma secção especializada..

  13. Interpretar a Lei implica mais do que a simples leitura do enunciado linguístico.

  14. Interpretar a Lei, nos termos do art. 9° do C.C., implica a busca da teleologia da norma, através da “ratio legis”..

  15. A Nova Lei Orgânica dos Tribunais visou a especialização dos Juízes e Tribunais.

  16. Nas comarcas onde existem Tribunais especializados, cuja jurisdição abrange a circunscrição comarcal em questão, deverão ser esses Tribunais a exercerem as competências que lhes estão atríbuídas.

  17. O referido art.º130º, n.º 1) al. c) da L.O.S.J. não pode ser interpretado (somente lido) fora do espírito do sistema. A interpretação jurídica para ser completa, também tem de atender ao elemento sistemático.

  18. O referido art. 130° terá de ser compaginado com o estatuído no art.º 119°, n.º 1), da L.O.S.J.

    V. Dispõe o art. 119°, n.º 1 da L.O.S.J. que “compete às secções de instrução criminal, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito, salvo nas situações previstas na Lei, em que as funções jurisdicionais relativas ao inquérito podem ser exercidas pelas secções de competência genérica da instância local (o caso do art. 130° n°1 al. c) da L. O.SJ.)”.

  19. Estamos perante uma situação de “competência concorrente”, segundo a qual tanto pode ser o Juiz de Instrução da Secção Central a praticar o acto jurisdicional na fase do inquérito ou o Juiz da Instância Local de competência genérica.

    X. Nestas situações impõe-se no Juiz Presidente da Comarca a criação de um regulamento com características gerais e abstractas, de modo a que o cidadão saiba de antemão em que circunstâncias os actos jurisdicionais praticados durante o inquérito são da competência do Juiz da Instância Central e quais os que são cometidos ao Juiz da Instância Local.

  20. Acresce que, muito embora na primeira instância todos os juízes estão ao mesmo nível -são todos os Juízes de direito —; o certo é que, um Juiz da Instância Central, tem de ter, pelo menos, 10 anos de carreira e classificação superior a Bom com distinção; ao passo que um juiz de competência genérica tem menor vocação para decidir as questões relativas a...

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