Acórdão nº 218/17.7T9LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelALICE SANTOS
Data da Resolução28 de Novembro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Criminal da Relação de Coimbra Na sequência do inquérito que correu termos nos serviços do Ministério Público do DIAP de LEIRIA (2ª secção), o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido, X, imputando-lhe a prática, de um crime de descaminho de objectos colocados sob o poder público, previsto e punível pelos artigos 355º, e 14º todos do Código Penal.

Distribuídos os autos no Juízo Local Criminal de Leiria- Juiz 3, a Sra. Juiz proferiu despacho, rejeitando a acusação, por considerar que os factos imputados não constituem crime nos termos do artº 311º, nº 2, al a) e nº 3, al d) do CPP e porque manifestamente infundada.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, pretendendo a sua substituição por outra que “ordene o recebimento da acusação e designe dia e hora para realização da audiência de julgamento” .

Formulou as seguintes conclusões: 1 - O arguido informou os autos que o serni-reboque desapareceu. com o intuito de convencer a autoridade judiciária que não tinha qualquer responsabilidade em tal desaparecimento.

2 - Para o preenchimento do tipo de legal supra citado que imputamos ao arguido não é indispensável o conhecimento do destino final que o arguido deu ao bem apreendido.

3 - Não é manifesto que os factos descritos na acusação não integrem o crime de descaminho imputado a arguido.

4 - Os factos descritos na acusação suscitam questões que exigem ampla discussão, não sendo a fase do saneamento do processo o momento processualmente adequado para tal efeito.

mas sim a fase de julgamento.

S - Uma decisão como a dos autos. permite que o fiel depositário do bem logre atingir o objectivo de desapossar o Estado do seu poder sobre o mesmo. pois o arguido apenas informa os autos do "desaparecimento" do bem, sem dar quaisquer explicações, nem indicar prova que o esclareça.

Requer-se a Vs.

Exas. seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho objecto de recurso e substituindo-o por outro que ordene o recebimento da acusação e designe dia e hora para realização da audiência de julgamento.

Mas, Vossas Excelências, como é apanágio, farão a acostumada Justiça!*Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da procedência do recurso.

Respondeu o arguido, X, pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

É este o despacho recorrido: o Ministério Público acusa o arguido X, pelos factos constantes da acusação de fls.

324 a 326, da prática de um crime de descaminho de objectos colocados sob o poder público, p.

e p. pelo artigo 355Q do Código Penal.

* Nos termos do referido preceito: Quem destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente, ou, por qualquer forma, subtrair ao poder público a que está sujeito, documento ou outro objecto móvel, bem como coisa ou animal que tiverem sido arrestado, apreendidos ou objecto de providência cautelar, é punido com pena de prisão até 5 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

* Só pode ser condenado pela prática de um ilícito o agente que preencha os seus elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime.

I.

* Da acusação deduzida, no que a tal ilícito respeita, resultam, no essencial, os seguintes factos: · No âmbito de inquérito, a 24 de Março de 2013, a PSP apreendeu um semí- reboque, que havia sido furtado; · O arguido foi nomeado fiel depositário do referido veículo e advertido de que não o podia utilizar nem alienar, e que tinha de o entregar quando tal lhe fosse solicitado, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal; · No dia 6 de Dezembro de 2016, foi solicitado ao arguido que procedesse à entrega do referido veículo à sua proprietária, não o tendo o arguido feito e tendo informado os autos que o mesmo desapareceu; • O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabedor de que deveria entregar o veículo quando solicitado, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal, o que não o inibiu de não entregar o veículo, o que quis e concretizou; • Sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.

* O delito em apreço "configura um crime de lesão do bem jurídico ( ..

.

), consumando-se tão-só quando o agente frustra - total ou parcialmente - a finalidade da custódia, através de uma acção directa sobre a coisa: inutilizando-a ou descaminhando-a. Neste caso, o "dano" coincide com o resultado material previsto no tipo: a "modificação" ou a deslocação definitiva da coisa para fora da custódia. Afinal, o tornar a coisa imprestável para o fim em causa; desviá-Ia do destino que lhe fora oficialmente traçado ( ... )" (Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo 111, p. 419).

Por isso, o crime pode ser cometido por quem não seja depositário dos bens, consumando-se quando o agente, exercendo acção directa sobre a coisa, inutilizando-a ou desencaminhando-a, obtém, movido por qualquer modalidade de dolo, a frustração definitiva da custódia da coisa.

* A acção típica consiste em destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente, ou por qualquer forma, subtrair.

II.

III.

As três primeiras modalidades de acção configuram-se em termos semelhantes à descrição típica do crime de dano, A destruição determina a perda total da utilidade da coisa e implica, normalmente, o sacrifício da sua substância.

Neste sentido "destruir" consiste em deitar abaixo, demolir, devastar, derrubar, arrasar, fazer desaparecer, arruinar, ou seja, traduz o ato que acarreta a completa imprestabilidade da coisa, Quanto à danificação, abrange os atentados à substância ou à integridade física da coisa que não atinjam o limiar da destruição, podendo concretizar-se pela produção de uma lesão nova ou pelo agravamento de...

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