Acórdão nº 1239/10.6PBCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução07 de Novembro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Seção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo comum (coletivo) n.º 1239/10.6PBCBR do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Coimbra – JC Criminal – Juiz 2, mediante acusação pública, foi o arguido A.

, melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe então imputada a prática de nove crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alíneas b) e c), ambos do Código Penal.

  1. Realizada a audiência de discussão e julgamento por acórdão de 30.01.2018 o tribunal Coletivo deliberou: 1. Condenar o arguido A.

    pela prática de 6 (seis) crimes de burla qualificada p. e p. pelos artºs 217º e 218º nº 1 e 2 alíneas b) e c) do Código Penal, na pena de 2 (dois) e 4 (quatro) meses de prisão por cada um [ofendidos (…)].

  2. Condenar o arguido A.

    pela prática de 3 (três) crimes de burla qualificada p. e p. pelos artºs 217º e 218º nº 1 e 2 alíneas b) e c) e 73º nº 1 als. a) e b) do Código Penal, na pena de 15 (quinze) meses de prisão cada um [ofendidas (…)].

  3. Operar o cúmulo jurídico de penas e condenar o arguido A. na pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, ao abrigo do disposto no artigo 50º do Cód. Penal, acompanhada de um regime de prova assente em plano individual de reinserção social e ficando também a suspensão subordinada ao cumprimento do seguinte dever: o arguido proceder ao pagamento às ofendidas (…) dos montantes respetivamente de €525,00 (quinhentos e vinte e cinco euros), € 500,00 (quinhentos euros) e € 452,25 (quatrocentos e cinquenta e dois euros e vinte cinco cêntimos), no prazo estipulado (30/1/2019) no acordo homologado judicialmente em audiência de julgamento e comprovar nos autos o respetivo pagamento, findo o período de 3 (três) meses a contar do termo do prazo para o efeito (30/1/2019).

    […].

  4. Inconformado com o decidido recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões: A. O Arguido vem interpor recurso da decisão por que foi condenado, sustentando-se numa, s.m.o., incorreta qualificação jurídica dos factos.

    1. Foram violados os artigos 30.º, n.º 2 e 79.º ambos do CP.

    2. O arguido atuou com uma culpa consideravelmente diminuta, dada a continuidade do crime praticado. Na verdade, D. Os factos foram praticados num curto espaço temporal – cinco meses.

    3. À data dos factos a situação social, pessoal e profissional do arguido foi favorável à ilicitude da conduta adotada, no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior.

    4. Os factos foram praticados de forma essencialmente homogénea, numa linha psicológica continuada, resultante de uma única resolução criminosa.

    5. O bem jurídico violado foi sempre o mesmo.

    6. Seria de aplicar, assim, o regime do crime continuado com uma a moldura penal abstratamente aplicável.

      Caso assim não se entenda, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que I. O Tribunal a quo subsumiu os factos e qualificou o crime praticado com fundamento (exclusivamente) nas alíneas b) e c), do n.º 2 do artigo 218º do Código Penal.

    7. De acordo com a alínea b) do número 2 do referido preceito legal, o crime de burla é qualificado se “O agente fizer da burla modo de vida”.

      L. Para que uma atividade se possa caraterizar como “modo de vida”, exige-se que seja uma atividade reiterada e que ocorra durante um lapso temporal alargado, que permita afirmar-se – com certeza – que o agente fez das suas condutas um modo de subsistência.

    8. O arguido não fez da bula modo de vida; praticou os factos num curto espaço de tempo, no quadro da mesma resolução psicológica.

    9. A reiteração do comportamento aconteceu devido aos bons resultados que foi obtendo na execução da mesma resolução.

    10. Relativamente à qualificação prevista na alínea c), o Tribunal fez corresponder o conceito de “especial vulnerabilidade da vítima” à difícil situação económica dos lesados. No entanto, P. O referido normativo concretiza a “(…) idade, deficiência ou doença (…)” como situações de especial vulnerabilidade.

    11. Ou seja, a situação financeira não se inclui no conceito legal de especial vulnerabilidade, não se aplicando ao caso em apreço.

    12. Razão pela qual se entendem violadas as alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 218.º do CP, bem como os artigos 1º do Código Penal e 29º da Constituição da República Portuguesa.

    13. Deverá, s.m.o., o arguido ser punido pelo crime de burla, o que implicará a alteração da qualificação jurídica dos factos, aplicando-se-lhe o n.º 1 do artigo 217.º do CP. Por último, T. Afigura-se fundamental na determinação da medida da pena o facto de o arguido ter colaborado com a Justiça, confessando integralmente e sem reservas.

    14. Revelando penoso arrependimento pelos factos e consequências, V. E suportando, nos acordos indemnizatórios a que chegou, os prejuízos causados aos lesados. Certo é que X. Os factos foram praticados num espaço temporal muito concentrado, num período conturbado da vida do arguido, Z. Representando uma mácula no percurso do arguido que não tem antecedentes criminais, nem foi condenado pela prática de qualquer outro crime, fora daquele referido espaço temporal. Mais, AA. Entre o momento da prática do facto e o momento em que foi proferido o acórdão, decorreram sete anos em que o ora recorrente conduziu uma vida pautada pelos ditames do Direito, constituindo família.

      AB. Tais circunstâncias atenuantes não foram, s.m.o., devidamente consideradas na medida concreta da pena, encontrando-se violado assim o preceituado nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 2 do artigo 71.º do CP.

      Nestes termos, e nos mais de Direito, deve a decisão de que ora se recorre ser revogada e, em consequência, ser substituída por outra que atenda ao ora exposto, assim se fazendo Justiça! 4. Por despacho exarado em 07.03.2018 foi o recurso admitido.

  5. Ao recurso respondeu a Digna Procuradora da República, concluindo: 1. A factualidade assente como provada – e que a recorrente não questionou – preenche todos os elementos, objetivos e subjetivo, constitutivos do crime de burla qualificada pelas alíneas b) e c), do artigo do Código Penal.

  6. Fazer da burla “modo de vida” é tomá-la como fonte de rendimento regular e durável independentemente do período de tempo em que tal atividade tipicamente ilícita é exercida.

  7. A enumeração das situações constantes da alínea c), do n.º 2, do artigo 218.º, é meramente exemplificativa, abarcando outras para além das elencadas, como a resultante de uma difícil situação económica.

  8. Com a sua conduta, o arguido realizou, por seis vezes o crime de burla qualificada.

  9. Tendo presente as finalidades da punição, a culpa do arguido e as exigências de prevenção, sem haver deixado de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depunham a favor e contra aquele, o Tribunal determinou, com bondade, quer as penas parcelares concretamente a aplicar, quer, decorrente do cúmulo jurídico operado, a respetiva pena única.

  10. O douto acórdão recorrido fez correta interpretação dos preceitos legais que havia a aplicar, não se mostrando ofendido qualquer normativo, apontado na motivação do recorrente, ou outra qualquer disposição legal e, designadamente, alguma das mencionadas na presente resposta.

    Nestes termos e pelos mais que, Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, segura e sabiamente não deixarão de suprir, negando-se provimento ao recurso interposto e, consequentemente, confirmando-se o acórdão condenatório proferido, far-se-á Justiça.

  11. Na Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, enfrentando todas as questões suscitadas pelo recorrente, emitiu parecer no sentido de não merecer o recurso provimento.

  12. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP, nenhum dos intervenientes processuais reagiu.

  13. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência cumprindo agora decidir.

    II. Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso Tendo presente as conclusões, pelas quais se delimita e fixa o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de natureza oficiosa, cabe apreciar se, (i) No caso concreto não operam as qualificativas previstas nas alíneas b) e/ou c) do artigo 218.º do Código Penal; (ii) Errou o tribunal a quo ao não considerar o crime continuado; (iii) Na determinação da medida concreta das penas não foram valoradas circunstâncias que, a tê-lo sido, conduziriam à respetiva fixação num patamar inferior.

  14. A decisão recorrida Ficou a constar do acórdão [transcrição parcial]: Da audiência de julgamento resultou provada a seguinte matéria fáctica, pertinente para a decisão da causa (não se pronunciando o Tribunal sobre matéria de direito, juízos de valor e factos conclusivos ou irrelevantes constantes das peças processuais juntas): I 1. De forma e em data não concretamente apuradas o arguido resolveu pôr em prática um plano por si delineado com a finalidade de vir a obter dinheiro de forma rápida.

  15. No desenvolvimento de tal intento, o arguido publicitava nos classificados dos jornais “Diário de Coimbra” e “As Beiras” a sua disponibilidade para conceder empréstimos de dinheiro até ao valor de € 30.000,00 no prazo máximo de 48 horas, o que bem sabia não corresponder à verdade, exigindo, para que um empréstimo se concretizasse, a entrega de várias quantias de dinheiro a título de alegada abertura de processo, custos processuais, imposto de selo, despesas de contrato, taxas e respetiva documentação.

  16. Contudo, após o pagamento desses montantes que caberia ao cliente liquidar, o arguido ficava incontactável, pois nunca tinha sido sua intenção vir a conceder qualquer empréstimo, já que o seu objetivo era tão só manipular cidadãos que necessitassem de montantes financeiros e não tivessem possibilidade de aceder a eles por via das instituições financeiras credenciadas para a atividade do mútuo, apossando-se desta forma dos valores monetários que os seguintes lesados transferiam para as contas bancárias que o arguido lhes indicava ou lhe...

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