Acórdão nº 137/18.0T9LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução24 de Outubro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório No âmbito do processo de recurso de contra-ordenação nº 137/18.0T9LRA.C1 que corre termos na no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo Local Criminal de Leiria - Juiz 1, o arguido A., (…), foi condenado em 20 de Novembro de 2017 na fase administrativa, pelo Comando Distrital de Leiria da Policia de Segurança Pública (CDLPSP), numa coima de 500,00 €, acrescido de custas administrativas de 51,00 €, com a consequente perda da sua arma de fogo e demais objectos apreendidos e cassação da sua licença de uso e porte de arma de fogo (artigos 39.º n.º 1 e 2, al. c), 98.º, e 108.º n.º 1 al. f) da Lei 5/2006, de 23.02, e 21.º, 22.º e 24.º do DL 433/82 e 109.º do Código Penal).

O arguido impugnou judicialmente a referida decisão administrativa. Recebida, em 28-12-17, a impugnação judicial, veio a efectuar-se audiência de julgamento, tendo, em 20-03-2018, sido proferida sentença que julgou improcedente, na totalidade, o recurso.

Inconformado com a referida decisão judicial, dela interpôs recurso o arguido, defendendo que deve ser revogada a sentença recorrida e declarada nula a decisão administrativa, extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1. A douta sentença recorrida que negou provimento ao recurso do Arguido, aqui recorrente, não declarando que a decisão administrativa condenatória enferma de diversas nulidades e carece de fundamento de direito e de facto, terá que ser revogada, porquanto a decisão peca dos vícios que lhe foram imputados em sede de impugnação.

2. Em primeiro lugar, por ausência da indicação de meios de prova valorados, já que, da leitura da decisão, apenas resulta que foi valorada como prova uma certidão judicial da acusação que foi formulada no processo crime (crime de ameaças com arma de fogo) e pelo qual o recorrente foi julgado e absolvido, e por isso improcedente, o que é claramente violador do princípio da inocência e carece em absoluta de fundamento de facto e de direito e até de inconstitucionalidade, inquinando a decisão de nulidade; 3. A existirem outros elementos em termos de prova, o certo é que os mesmos deveriam constar da decisão, nos termos do artigo 58º do RGCO, e não constando não poderão ser valorados e jamais poderia uma acusação, por si só, fundar a condenação do arguido Recorrente na prática da contraordenação; 4. Não pode perfilhar-se o entendimento do tribunal recorrido de que houve perícias, declarações nos autos e outras, pois a existirem outros meios de prova que fundaram a decisão teriam que constar da decisão administrativa, (radicando este dever na necessidade de fundamentação das decisões) e como resulta da leitura da mesma não constam, o que inquina a decisão de falta de fundamentação e violação de lei por radicar numa acusação que até foi julgada improcedente; 5. E resulta da decisão que a mesma apenas assenta na certidão, tanto é que se refere “Relata a certidão…” (no ponto dos factos, pág. 1),não indicando qualquer outro elemento que permita fundar a condenação que não a acusação; 6. Servir de base a uma condenação uma acusação sem qualquer outro elemento de prova e que para mais foi julgada improcedente, é claramente violador do principio da inocência e carece em absoluta de fundamento de facto e de direito e de inconstitucionalidade, inquinando a decisão de nulidade; 7. Ainda que existissem outros elementos em termos de prova, o certo é que os mesmos deveriam constar da decisão, nos termos do artigo 58 do RGCO e não constando, não pode ser valorados; 8. Ademais, puniu-se o arguido por ter agido com dolo e da leitura da decisão a única alusão que se faz é que o arguido agiu com dolo porque se fez acompanhar da arma.

9. Nunca só por este facto não se pode imputar a C.O. a título de dolo e ressalta notoriamente que não constam os elementos ou fundamentos necessários para a imputação da contraordenação a esse título (ou até a qualquer outro), pelo que a imputação a nível de dolo sem qualquer alusão à intenção, liberdade e voluntariedade do arguido não pode permitir-se e inquina esta decisão de nulidade por falta de fundamento; 10. Por outro lado, do teor da decisão não há qualquer condenação na prática da contraordenação, mas tão só na condenação em coima e não pode existir condenação em coima, sem previamente se condenar na prática da c.o. Admitir isso seria o mesmo que admitir a condenação em prisão ou pena de multa, sem se ter condenado na prática do crime (vide da decisão – última página); 11.Por outro lado, o arguido foi julgado criminalmente por estes factos (v. factos provados (ponto 2.1.1. dos factos provados da sentença recorrida), e assim sendo, a competência para conhecer desta contraordenação caberia à jurisdição penal e não à autoridade administrativa, nos termos do artigo 38º do RGCO, pelo que a entidade administrativa não pode julgar ou punir pela prática desta c.o.; 12.Sem condescender, a decisão de cassação da licença não opera de forma automática e não se vislumbra pela leitura da decisão os fundamentos para esta cassação, o que inquina esta decisão da decisão que foi notificada ao arguido, ora Recorrente, apenas constando como prova uma certidão judicial da acusação que foi formulada no processo crime e pela qual foi julgado, tendo sido considerada improcedente e por isso absolvido o arguido; 13.Sem condescender quanto a tudo quanto se alegou, a decisão de cassação da licença não opera de forma automática pela prática da contraordenação e não se vislumbra pela leitura da decisão os fundamentos para esta cassação, o que inquina esta decisão de nulidade; 14.E o arguido não praticou os factos de que vem acusado, porquanto não ameaçou ninguém, tanto que foi absolvido do crime e procurou tão só defender a sua integridade física que havia sido posta em causa, por um terceiro que lhe furtou bens de dezenas de milhares de euros.

15.A sentença recorrida não podia ter deixado de declarar tais nulidades, já que foram arguidas pelo recorrente na sua impugnação para o Tribunal a quo.

16.Termos em que deve a sentença recorrida que declarou improcedente a impugnação judicial do arguido/recorrente, ser revogada, declarando-se nula e de nenhum efeito a decisão administrativa e a autoridade recorrida incompetente para conhecer desta contraordenação, tudo com as legais consequências ou, pelo menos, declarar-se que o arguido não praticou os factos que lhe são imputados; 17.Violadas foram, entre outras, as disposições do art. 38, 39, 41, 58º do regime geral das contraordenações, do regime geral Das C.O., arts. 374º e 379º do C.P.P., art. 32 da CRP; 18.Revogando, assim, a sentença recorrida e declarando-se nula e de nenhum efeito a decisão administrativa proferida nos autos, V. Exªs. a costumada JUSTIÇA.”* Por despacho de fls. 191 foi o recurso admitido, fixado o respectivo regime de subida e efeito.

Ao recurso respondeu o MP, concluindo: “1. Vem o recorrente, (…), recorrer da douta sentença, proferida, por ter sido foi julgado improcedente, o respetivo recurso de impugnação judicial, tendo sido mantida a condenação do mesmo, por decisão administrativa, proferida pela Polícia de Segurança Pública, pela prática de contraordenação, p. e p. pelos artigos, 39.º nºs. 1 e 2, alínea c), e 98.º, ambos da Lei nº. 5/2006, de 23/02, mantendo a declaração de perdimento da respetiva arma de fogo e demais objetos apreendidos, bem como a cassação da sua licença de uso e porte de arma de fogo, nos termos aí constantes; 2. Pelos fundamentos alegados, porém, o recorrente vem impugnar a douta sentença proferida, invocando, de novo, os alegados vícios da decisão proferida pela autoridade administrativa competente, a Polícia de Segurança Pública, como já antes havia invocado, em sede de recurso de impugnação judicial; 3. Contrariamente ao alegado, o que serviu de base à condenação do recorrente, por decisão da competente autoridade administrativa, não foi a acusação deduzida (declarada improcedente), mas sim a douta sentença, proferida no âmbito do processo 163/16.3JALRA, do Juízo Local Criminal de Alcobaça, transitada em julgado a 14/07/2017, na medida e tão só, porque da mesma sentença, e como se verifica da certidão respetiva, constam assentes como provados, os factos aí descritos, os quais, em abstrato, integram a prática de contraordenação, p. e p. pelos artigos, 39.º n.º 1 e 2, alínea c), e 98.º, ambos da Lei 5/2006, de 23/02, que aprovou o “Regime Jurídico das Armas e Munições”; 4. Não obstante se mostrar formado caso julgado formal, quanto aos factos dados como provados e não provados, naquela sentença, verifica-se da mesma certidão, a indicação dos meios de prova produzidos, como a pericial, a documental e outros procedimentos, daí que tenha sido considerada, obviamente, pela competente autoridade administrativa, como prova bastante da verificação do aludido ilícito contraordenacional, pelo que a decisão administrativa encontra-se abundante e devidamente fundamentada de facto, face ao teor da mesma certidão, não se verificando qualquer nulidade, inclusive, quanto à prova; 5. Atentos os termos da decisão administrativa, conclui-se que a mesma encontra-se devidamente fundamentada, de facto e de direito, pelo que resultam verificados todos os requisitos constantes do disposto no artigo 58º., do “Regime Geral das Contraordenações”, aprovado pelo Decreto-Lei nº. 433/82, de 27/10, não enfermando de qualquer nulidade ou de qualquer outro vício, inclusive, da alegada inconstitucionalidade, ou de violação do alegado “princípio da presunção da inocência”; 6. Na decisão administrativa, proferida, constam elencados os factos determinantes para se concluir que o arguido, ora recorrente, agiu dolosamente, ao praticar os factos descritos na fundamentação de facto, tal como constam descritos na mesma decisão, nos respetivos pontos I e II, portanto, constando da mesma, os elementos essenciais à punição do recorrente, assim não se verificando da mesma, também nesta parte, qualquer nulidade; 7. Por outro lado, constam referidos, nessa decisão, os pontos...

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