Acórdão nº 2528/16.1T9AMD.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelJOSÉ ADRIANO
Data da Resolução16 de Outubro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa: I - Relatório: 1.

Em processo comum e sob acusação do Ministério Público, os(as) arguidos(as) S.

, V.

e M.

foram submetidos(as) a julgamento, perante tribunal singular, no Juízo Local Criminal da Amadora (J2), Comarca de Lisboa Oeste, tendo sido condenados(as), por sentença de 12 de Abril de 2018, nos seguintes termos (transcrição do respectivo dispositivo): “Pelo exposto, julga-se a acusação pública parcialmente procedente e, em consequência: a) condena-se a arguida S., como autora material, na forma consumada, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152°, n° 1, alíneas b) e d), e n° 2, do C. Penal, cometidos na pessoa de MF , na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita, porém, ao cumprimento de um plano individual de readaptação social, em termos a definir pela DGRSP, com inclusão de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica e consultas de psicologia, de harmonia com o disposto nos artigos 53°, 54° e 152°, n° 4, todos do C. Penal, uma vez que se revela fundamental que a arguida interiorize eficazmente a ilicitude das suas condutas, assumindo o mal praticado e determinando-se a não praticar ilícitos, designadamente desta natureza; b) condena-se também a arguida S. na pena acessória de proibição de contactos com o assistente, nos termos do disposto no artigo 152°, n°s 4 e 5, do C. Penal, pelo período de 3 (três) anos e 3 (três) meses, incluindo comunicações escritas, telefónicas, electrónicas ou por interposta pessoa (com excepção de contactos a realizar por via de mandatário com poderes de representação para o efeito e no âmbito de eventuais litígios judiciais entre arguida e assistente e respectivas negociações), ficando ainda a arguida proibida de se aproximar do local de residência do assistente.

  1. condena-se o arguido V. , pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153°, n° 1, e 155°, n° 1, alínea a), ambos do C. Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à razão diária de 7,00 € (sete euros), no total de 1 400,00 € (mil e quatrocentos euros); d) condena-se a arguida M. , pela prática, em autoria material, de um crime de dano simples, p. e p. pelo artigo 212°, n° 1, do C. Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à razão diária de 5,00 € (cinco euros), num total de 500,00 € (quinhentos euros); e e) condenam-se ainda os arguidos em 3 (três) UCs de taxa de justiça cada um -cfr. artigos 513° e 514° do C. Processo Penal, e 8o, n° 5, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa ao mesmo diploma legal - e nas demais custas do processo.

    * Julga-se o pedido de indemnização cível deduzido pelo demandante MF parcialmente procedente e, em consequência, condena-se: a) a arguida/demandada S. a pagar-lhe a quantia de 5 000,00 € (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais; b) o arguido/demandado V. a pagar-lhe a quantia de 600,00 € (seiscentos euros) a título de danos não patrimoniais; e c) absolve-se a demandada M. do pedido formulado pelo assistente; d) as custas de tal pedido cível ficam a cargo do demandante e dos demandados S. e V. , na proporção dos respectivos decaimentos, que se fixam em 1/5 para o assistente e 2/5 para cada um dos demandados - cfr. artigo 527° do C. Processo Civil, aplicável ex vi artigo 523° do C. Processo Penal.

    …” 2. Inconformados(as) com a decisão, aqueles(as) mesmos(as) arguidos(as) interpuseram, em conjunto, o presente recurso, que motivaram, formulando longas conclusões, nas quais suscitam as seguintes questões, que pretendem submeter à apreciação deste tribunal de segunda instância: - Nulidade da sentença; - Vícios da sentença; - Impugnação da matéria de facto provada; - Violação dos princípios in dúbio pro reo e do non bis in idem; - Qualificação jurídica dos factos provados; - Medida das penas.

    1. Admitido o recurso, responderam: 3.1. O Ministério Público, defendendo que ao mesmo deve ser negado provimento, mantendo-se a decisão recorrida.

      3.2. O assistente MF , concluindo igualmente pela sua improcedência.

      *** 4.

      Nesta Relação de Lisboa, o Sr. Procurador-Geral Adjunto, após analisar cada uma das questões suscitadas pelos recorrentes, emitiu, ao abrigo do art. 416.º, do CPP, o douto parecer de fls. 480/487, no sentido de que aquelas devem improceder e que, por isso, «os recursos não merecem provimento, devendo ser confirmada a sentença recorrida».

    2. Cumprido o art. 417.º, n.º 2, do CPP, apenas o assistente se manifestou, dizendo que concorda com aquele parecer, para ele remetendo.

    3. Efectuado o exame preliminar, foram colhidos os vistos a que se refere o art. 418.º, n.º 1, do mencionado Código e teve lugar a conferência, cumprindo decidir.

      *** II.

      Fundamentação: 1.

      Definido que se mostra o objecto do recurso em função do alegado nas conclusões da respectiva motivação, antes de entrarmos na discussão das concretas questões que naquelas foram suscitadas e que já elencámos supra, vejamos o teor da decisão recorrida no que concerne à matéria de facto provada e não provada e correspondente motivação.

    4. Assim (transcrição da sentença, na parte respectiva): «2.1. Factos provados Discutida a causa e produzida a prova, estão assentes os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa: a) A arguida S. e o assistente MF partilharam, mesa, leito e habitação desde há cerca de 35 anos, até data não apurada do início do ano de 2008, na residência sita na Avenida DTCS, n° 164, Amadora.

  2. Fruto da relação entre ambos nasceu o arguido V. , a 31/01/1968.

  3. Posteriormente, desde data não apurada de 1998 que o assistente e a arguida S. deixaram de partilhar mesa e leito, mantendo-se a residir, porém, na mesma habitação.

  4. Desde data não apurada do início do ano de 2008 e após de, a partir do final do ano de 2007, o assistente ter padecido de cancro na próstata e se ter submetido a tratamentos médicos por essa razão, este, pela debilidade física e emocional que verificava, deixou de residir conjuntamente com a arguida S. e passou a pernoitar num anexo da supra referida residência, o que sucedeu até data não apurada do final do ano de 2009, altura em que o assistente passou a residir na habitação pertença da sua actual companheira, LM , sita na localidade da Abrunheira.

  5. Desde data não apurada ocorrida em 1998, no decurso do ano de 2007 e até o assistente abandonar a referida residência, em final de 2009, a arguida S., por pretender que o mesmo abandonasse a residência de ambos, com uma frequência quase diária, no interior da residência e quando o encontrava, dizia ao assistente que o mesmo era "ranhoso", "filho da puta" e "bandido", afirmando-lhe ainda que se o mesmo não abandonasse o local o mataria com um tijolo.

  6. No mesmo período de tempo e até o assistente passar a residir no supra aludido anexo, a arguida S. dizia ainda ao mesmo "se não sais a bem sais a mal", tendo cortado a água e luz de tal anexo em ocasião não concretamente apurada.

  7. Em data não apurada de Setembro de 2007, de madrugada, a arguida entrou no quarto do assistente, munida de uma faca de cozinha, e disse-lhe "o que estás aqui a fazer?".

  8. Desde que o assistente saiu do anexo da residência de ambos, em final de 2009 e até ao presente, o mesmo desloca-se quase todos os dias a tal local, onde possui um armazém, a fim de buscar materiais de trabalho e limpar tal espaço e, nessas ocasiões, a arguida diz ao mesmo "piolhoso", "nojento", "filho da puta", "cabrão", "vou-te armar aqui uma ratoeira", "mato-te".

  9. Por diversas vezes, com uma frequência não concretamente apurada e em datas não apuradas, a arguida S. dirigiu-se junto à actual residência do assistente, sita na Rua da C. n° 1 A, Abrunheira, e disse a este e à sua actual companheira, LM , "essa puta pensa que leva aí uma grande coisa, mas está bem enganada, que ele teve um cancro e se não morrer do mal morre da cura".

  10. Numa ocasião, ocorrida em data não apurada mas ocorrida entre os anos de 2010/2011, a arguida S. dirigiu-se junto do local de trabalho de LM , onde o assistente também se encontrava com esta última e disse-lhes "puta, porca, não tens vergonha, porco, não prestam, tens um cancro, vais morrer".

  11. Em data não apurada, mas ocorrida no ano de 2012, o arguido V. dirigiu-se junto à actual residência do assistente, sita na Rua da C. n° 1 A, Abrunheira, pediu para falar com este e, por o mesmo não estar, disse à companheira do mesmo, referindo-se ao assistente, que "se ele disser alguma coisa que eu não goste à minha mãe, que eu mato-o".

  12. No dia 13/07/2016, a arguida M. dirigiu-se ao armazém do assistente sito na Avenida DTCS, n° 164, Amadora e, de modo não apurado, partiu um dos vidros da mesma, cuja reparação importou um custo de 70,00 €, que o assistente suportou.

  13. Ao proferir ao assistente as expressões supra mencionadas, sabendo que tinha sido seu companheiro e que, como tal, tinha o especial dever de o tratar com dignidade, dentro e fora da residência que habitavam, a arguida S. agiu com o propósito concretizado de molestar a saúde psíquica daquele, de afectar a sua liberdade de decisão, de o humilhar e desconsiderar, com desprezo pela sua dignidade pessoal, não se coibindo de o fazer também no interior da residência de ambos, bem como aproveitando-se da debilidade física do assistente, devido ao tratamento de quimioterapia a que foi sujeito, o que conseguiu, ao actuar da forma acima descrita.

  14. Sabia o arguido V. , ao proferir a expressão acima descrita junto da companheira do assistente, que a mesma chegaria ao conhecimento deste, desse modo criando no mesmo um sentimento de insegurança e inquietação que coibia a sua liberdade de determinação, bem sabendo que as expressões proferidas eram adequadas a tal propósito, tal como sucedeu.

  15. A arguida M. , ao partir o vidro da porta do armazém pertencente ao assistente, bem...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT