Acórdão nº 4897/16.4T8VNG.2.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução13 de Setembro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 4897/16.4T8VNG.2.P1 Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia Comarca do Porto Recurso de Apelação Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:I. Relatório:B… Lda.

, pessoa colectiva n.º ………., com sede em …, Vila Nova de Gaia, deduziu contra C…, contribuinte fiscal n.º ……….., incidente de liquidação da sentença que condenou a requerida a pagar-lhe o valor dos «trabalhos de pedreiro/trolha/pintura vertidos no mapa de trabalhos de 12/02/2016».

Para o efeito especificou, quantificou e avaliou os descritos no aludido mapa, concluindo que o valor em dívida desse ser liquidado em €11.455,51.

A requerida contestou, alegando que os trabalhos descritos pela requerente ou não foram realizados ou não estão incluídos no âmbito da sentença condenatória ou não podem ser considerados trabalhos extra.

Após julgamento, foi proferida sentença, liquidando o valor que a ré foi condenada a pagar no montante de €9.985,51, acrescido de IVA, e juros desde a citação para a liquidação.

Do assim decidido, a requerida interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: i. (…), ii. (…), iii. Sabendo que o instituto da liquidação de sentença visa quantificar uma condenação anterior, estribada, por um lado, nos pedidos e causa de pedir enunciados pelo autor ou pelo réu, e, por outro, pela factualidade dada como provada e não provada e pela aplicação à mesma do direito, sendo dentro dessas precisas e estritas fronteiras que a determinação quantitativa perseguida pelo incidente de liquidação se pode movimentar e emergir, não podendo tal figura ter uma abrangência tal que, apesar da sua índole declarativa, se permita discutir, de novo e com idêntica amplitude, matéria essencial e constitutiva de direitos, que deveria ter sido debatida e demonstrada na acção declarativa propriamente dita e não foi.

iv. É, pois, certo que, não pode este incidente de liquidação versar sobre matéria já discutida anteriormente em sede de acção declarativa principal, nem tão-pouco basear-se/motivar-se em factos diversos que alicerçaram a sentença de condenação genérica que se pretende liquidar.

  1. Salvo mais douto entendimento, cremos que a sentença condenatória que agora se recorre é, por si, contraditória dos termos da sentença de condenação genérica que lhe deu azo, assentando em factos que em lado algum resultam provados, nem naquela, nem nesta sentença que ora se recorre.

    vi. Se por um lado a douta sentença emanada no âmbito do incidente de liquidação dá por não provado que os trabalhos extra levados a cabo pela requerente o foram realizados em substituição de outros, acaba por afirmar a alteração dos trabalhos inicialmente projectados, afirmando que aqueles não vieram a ser cobrados, sendo certo que os trabalhos não cobrados, por não realizados são os constantes do ponto 10 e 11 da sentença condenatória emanada nem sede de acção declarativa principal e se delimitam, como sendo o recuo de muro da frente da moradia, alinhamento e alisamento de chão exterior, colocação de madeira em escadas, impermeabilização de uma fachada da moradia e trabalhos de remate final da obra, não havendo qualquer referência aos serviços similares que agora vieram a ser reclamados em sede de incidente de liquidação de sentença.

    vii. Não se compreendendo então quais os trabalhos substituídos, o valor que foi cobrado e o que foi pago pela requerida, estando pois em crer que, efectivamente o tribunal “a quo” deu como provado que parte dos serviços extra-orçamento ora reclamados pela requerente surgem efectivamente no decurso da sua substituição por outros e que esses, tendo sido pagos, não foram tidos em consideração, pois que, só o ponto 10) e 17) da douta sentença que aqui se recorre menciona expressamente como facto provado que o valor imputado o é “em acréscimo” ao que havia sido já liquidado e cobrado por outros serviços (em substituição, acrescentamos nós), sendo os restantes pontos da matéria factual dada por provada expressos na imputação da totalidade do valor cobrado e liquidados pelos serviços inicialmente projectados.

    viii. O instituto da liquidação de sentença, previsto nos artigos 704º, n.º 5, 358.º, 359.º, 556.º e 609.º do Código de Processo Civil, visa quantificar uma condenação anterior, estribada, por um lado, nos pedidos e causa de pedir enunciados pelo autor ou pelo réu, e, por outro, pela factualidade dada como provada e não provada e pela aplicação à mesma do direito, sendo dentro dessas precisas e estritas fronteiras que a determinação quantitativa perseguida pelo incidente de liquidação se pode movimentar e emergir.

    ix. Logo, tal figura não pode ter uma abrangência tal que, apesar da sua índole declarativa, se permita discutir, de novo e com idêntica amplitude, matéria essencial e constitutiva de direitos, que deveria ter sido debatida e demonstrada na acção declarativa propriamente dita e não foi.

  2. O incidente de liquidação é, como ressalta daquelas normas, complementar dessa acção e respectiva sentença condenatória, visando fixar ou definir o objecto ou a quantidade devida, quando não haja elementos para o fazer no momento da condenação na correspondente pretensão, já aí determinada, qualitativa e juridicamente.

    xi. Perante a insuficiência de prova no seio do incidente de liquidação, deveria o tribunal «a quo» ter lançado mão do regime contemplado no artigo 360.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, ou seja, produção de prova pericial mediante indagação oficiosa.

    xii. Existe uma obrigação legal da parte do julgador em lançar mão do regime constante do n.º 4 do artigo 358.º do Código de Processo Civil e, oficiosamente e face à insuficiência de prova (e não perante uma inexistência total e absoluta de prova), que só pode ser apreciada e ponderada no final da correspondente produção (ou seja, no final da audiência de discussão e julgamento, após as alegações das partes e até à publicação da decisão sobre a matéria de facto), suprir a mesma, ordenando a realização das diligências probatórias possíveis e necessárias para alcançar a quantificação visada pelo respectivo incidente, o que não pode ter outro significado que não seja o do afastamento do funcionamento das regras do ónus da prova (artigos 341.º e seguintes do Código Civil), que aqui não são chamadas à colação, como defende a jurisprudência acima identificada.

    xiii. E se, apesar dessas diligências oficiosas e probatórias desenvolvidas pelo juiz do incidente de liquidação, não for possível chegar a um montante certo e objectivo? xiv. A nossa jurisprudência, mais uma vez, dá-nos a resposta (cf. também alguns dos Acórdãos transcritos no ponto anterior), o que bem se compreende, em nome do princípio já acima exposto e defendido, de se dar um sentido útil, objectivo, rigoroso e justo à condenação ilíquida anteriormente determinada: o julgamento de equidade, designadamente nos termos do n.º 3 do art.º 566.º do Código Civil, só tem cabimento quando se mostre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante devido.

    xv. Chegados aqui, impõe-se filtrar o quadro legal que acabámos de explanar com a situação processual que é reflectida pelos autos.

    xvi. Há, inequivocamente, e conforme se alegou, uma manifesta desconformidade e inadequação entre o teor da sentença condenatória e a decisão que liquida o mesmo no valor.

    xvii. A não utilização por parte do tribunal recorrido dos mecanismos e meios previstos na citada disposição legal constitua uma nulidade processual secundária, sendo que a mesma, em rigor, se reconduz antes a uma situação similar ou próxima das previstas no n.º 4 do artigo 662.º do Código de Processo Civil e que consente a anulação da sentença, com vista à produção de outros meios de prova e ampliação da matéria de facto, sendo certo que a recorrente impugna, de forma directa, a decisão sobre a matéria de facto, que, por via indirecta ou tácita, decide não lançar mão da dita norma.

    xviii. Devendo, então, nessa medida, a sentença recorrida, bem como a decisão sobre a matéria de facto, e determinando-se o cumprimento, por parte do tribunal da 1.ª instância, do disposto no artigo 360.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, com o desencadear oficioso das diligências probatórias entendidas como pertinentes e eficazes e, caso não se logre, ainda assim, fixar o montante indemnizatório devido pelos réus à autora, deverá o tribunal recorrido lançar mão da equidade, com vista ao estabelecimento do valor razoável e justo (artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil).

    Nestes...

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