Acórdão nº 149663/13.8YIPRT.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelRUI MOURA
Data da Resolução04 de Dezembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência os Juízes no Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO A presente acção declarativa especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias ( valor superior à alçada da 1ª instância ) teve origem em injunção requerida em 18-X-13 por Banco ... contra M... sendo pedida a notificação da Ré para pagar a quantia total de 15.462,35€ (Capital € 13.765,98 Juros de mora € 1.410,45 (...) Outras quantias € 56,42 Taxa de justiça paga € 229,50).

O Banco Autor formulou a seguinte exposição de factos: O Banco Requerente emitiu, em 3 de Abril de 2006, uma garantia bancária, identificada com o nº 325776, a pedido de J..., até ao montante de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), a favor da DIRECÇÃO GERAL DAS ALFÂNDEGAS E DOS IMPOSTOS ESPECIAIS SOBRE O CONSUMO - DIRECÇÃO REGIONAL DE CONTENCIOSO E CONTROLO ADUANEIRO DE LISBOA, para garantia do pagamento dos direitos e demais imposições e eventuais juros de mora, pelo qual, no âmbito do sistema de caução global para desalfandegamento, instituído pelo Decreto-Lei 289/88, de 24 de Agosto, seja responsável J.., pessoa colectiva ..., com sede em Lisboa.

Aquele Despachante Oficial procedeu a desalfandegamento de mercadorias a pedido e por conta da Requerida, a que se refere a declaração aduaneira, datada de 2.1.2012.

Porém, nem ele, nem a Requerida, pagaram à Direcção Geral das Alfândegas, os direitos e demais imposições a esta devidas, pelo desalfandegamento das referidas mercadorias, abrangidos pelo sistema de caução global para desalfandegamento, instituído pelo Decreto-Lei 289/88, de 24 de Agosto, no total de € 13.765,98 (treze mil, setecentos e sessenta e cinco euros e noventa e oito cêntimos).

Por isso, a Direcção Geral das Alfândegas, para ser paga daquele valor, accionou a garantia bancária e o Requerente, honrando a mesma, pagou-lhe aquele montante.

A J..., entidade que solicitou ao Requerente a emissão da garantia bancária, não reembolsou aquele valor ao Requerente, tanto mais que foi declarada insolvente em 23.04.2012, no processo que sob o nº 634/12.0TYLSB, que corre termos pelo 4.° Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa.

O nº 1 do artigo 2.° do referido Decreto-Lei nº 289/88, de 24 de Agosto, prescreve que "no âmbito da utilização do sistema de caução global para desalfandegamento o despachante oficial age em nome e por conta de outrem, constituindo-se, porém, aquele e a pessoa por conta de quem se declara perante as alfândegas solidariamente responsáveis pelo pagamento dos direitos e demais imposições exigíveis".

E, atendendo a essa responsabilidade solidária, veio o nº 2 do artigo 2.° do mesmo diploma estabelecer que o "despachante oficial ou a entidade garante gozam do direito de regresso contra a pessoa por conta de quem foram pagos os direitos e demais imposições, ficando sub-rogados em todos os direitos das alfândegas relativos às quantias pagas, acompanhados de todos os seus privilégios, nomeadamente do direito de retenção sobre as mercadorias e documentos objecto das declarações apresentadas".

O Requerente por carta de 26 de Junho de 2012 interpelou a Requerida para reembolsar o Requerente do valor de € 13.765,98, que aquele, honrando a garantia bancária, entregou à Direcção Geral das Alfândegas.

A Requerida apesar de ter recebido aquela interpelação, nada pagou, tendo-se constituído em mora.

Citada, a Ré contestou. Alega a Ré que pagou a quantia reclamada, não a pagou à Direcção Geral das Alfândegas mas sim à D... empresa de transitários que trabalhava com o despachante oficial J.... Assim, a Requerida não teve qualquer contacto com aquele despachante.

Alega que no caso, a Garantia Bancária foi accionada pela Direcção Geral das Alfândegas por incumprimento do Despachante Oficial que apesar de receber o valor necessário e suficiente para proceder ao desalfandegamento das mercadorias, não o fez. Assim, e de acordo com o texto da garantia, a mesma foi emitida para assegurar o pagamento dos direitos e demais imposições e eventuais juros de mora, pelos quais o Despachante Oficial seja responsável, o que é o caso. O nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 289/88, de 24 de Agosto, foi especialmente pensado para os casos em que a entidade importadora não pagou os direitos e demais imposições a que estava obrigada. Ora a Ré pagou e pagou em tempo. O Banco Autor ao invocar no seu requerimento inicial o artigo 2º do Decreto-Lei nº 289/88, de 24 de Agosto faz uma interpretação deste artigo que peca por ultrapassar o pretendido pelo legislador e ainda a interpretação do preceito feita por alguma jurisprudência sobre esta matéria. Vejamos, feito o desalfandegamento das mercadorias com recurso ao sistema de caução global, o despachante oficial (que age em nome próprio e por conta de outrem) que não procede ao pagamento e o importador da mercadoria (como directa e imediatamente) nos termos daquele diploma constituem-se solidariamente responsáveis pelo pagamento.

Por outro lado, a garantia bancária emitida pelo Banco Autor (garante) a pedido do despachante (devedor) destina-se a assegurar os direitos e demais imposições devidos à Direcção Geral das Alfândegas (credora). Quando o Banco Autor efectua o pagamento às Alfândegas fica sub-rogado nos direitos das Alfândegas. Esse direito é reconhecido pela lei ao Banco Autor conforme se pode verificar pelo nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 289/88 onde se estabelece que o "despachante oficial ou a entidade garante gozam do direito de regresso contra a pessoa por conta de quem foram pagos os direitos e demais imposições, ficando sub-rogados em todos os direitos das alfândegas.

..". O direito de regresso reconhecido ao Despachante Oficial pressupõe obrigatoriamente que aquele tenha feito esse pagamento à Direcção Geral das Alfândegas mas que não tenha antes recebido tal valor da empresa importadora, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-11-1998, "uma vez que, nas relações entre os co-devedores solidários, são oponíveis os meios de defesa de ordem pessoal, em que se inclui a anterior entrega do dinheiro...".

Não faz sentido, no que respeita ao Banco Autor ou a qualquer entidade garante, que lhes seja atribuído um direito de demanda contra a empresa importadora sem que se verifique o pressuposto da falta de entrega do montante para desalfandegamento. Neste caso, a Ré pagou o montante reclamado mas o despachante não efectuou o pagamento dos referidos direitos, vindo o pagamento a ser feito pelo Banco Autor. O direito de regresso deve pois ser exercido pelo Banco contra o despachante oficial, por conduta ilícita (artigos 483º e 762º, nº2 do Código Civil) e por lhe serem oponíveis as excepções que o importador poderia deduzir contra o despachante (artigo 525º, nº l do Código Civil).

O Banco Autor vem ainda invocar que a sociedade J... foi declarada insolvente e portanto não reembolsou o Requerente dos valores pagos à Direcção Geral das Alfândegas no âmbito da Garantia Bancária emitida a pedido daquele. A Ré desconhece em que fase se encontra o processo de Insolvência e se o Banco Autor reclamou o seu crédito junto daquele processo. Caso tal tenha acontecido (como é provável em situações de normal diligência) o Banco Autor pode vir a receber os valores a que se arroga no âmbito do processo de Insolvência. A ser assim, a decisão sobre a reclamação de créditos no processo de insolvência assume-se como prejudicial relativamente ao presente processo. Deve o Banco Autor juntar aos autos certidão do estado do processo de insolvência.

Em todo o caso, a Ré reitera nada dever ao Banco Autor seja a que título for.

Conclui pela improcedência da pretensão do Banco Autor.

* O processo seguiu a forma de processo comum. Em sede de audiência prévia foi saneado.

O valor da acção foi fixado em € 15.462,35- fls. 40.

Enunciaram-se os temas da prova.

Em sede de audiência de discussão e julgamento as partes aceitaram factos de entre os alegados. A produção de prova oral foi prescindida. Houve alegações das partes.

Lavrou-se douta sentença.

Deram-se como provados, por acordo prévio das partes (artigo 574.°, nº2 do C.P. Civil) e por relevantes os seguintes factos: 1 - Em 3 de Abril de 2006 o Banco Autor emitiu, a pedido da J... a garantia bancária n° 325 776 junta a fls. 9v, a favor da D.G.A.I.E.C. - D.R.C.C.A. de Lisboa, cujo teor é o seguinte: GARANTIA BANCÁRIA N°. 325 776 O Banco ..., declara pelo presente documento prestar a favor da DIRECÇÃO GERAL DAS ALFÂNDEGAS E DOS IMPOSTOS ESPECIAIS SOBRE O CONSUMO - DIRECÇÃO REGIONAL DE CONTENCIOSO E CONTROLO ADUANEIRO DE LISBOA, uma Fiança Bancária até ao montante de Eur. 1.000.000,00 (Um milhão de euros), para garantia do pagamento dos direitos e demais imposições e eventuais juros de mora pelo qual, no âmbito do sistema de caução global para desalfandegamento, instituído pelo Decreto-Lei 289/88 de 24 de Agosto, de que seja responsável J..., contrib. Nº…, com sede em Lisboa.

Mais se declara que pela presente garantia se obriga como principal pagador, com expressa renúncia ao beneficio de excussão, comprometendo-se ainda ao primeiro pedido da DIRECÇÃO GERAL DAS ALFÂNDEGAS E DOS IMPOSTOS ESPECIAIS SOBRE O CONSUMO - DIRECÇÃO REGIONAL DE CONTENCIOSO E CONTROLO ADUANEIRO DE LISBOA e sem necessidade de qualquer outra consideração, a pagar, no prazo de 8 (oito) dias a contar da data da recepção do referido pedido, todas as quantias cujo pagamento seja da responsabilidade de J....

O valor total da presente garantia é pois de até Eur. 1.000.000.00 (Um milhão de euros) e é válida pelo período de 1 (um) ano, a contar da data da sua emissão, sendo sucessiva e automaticamente renovável por iguais...

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