Acórdão nº 469/13.3PBAMD.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução23 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: Na Secção Criminal da Instância Local da Amadora, por sentença de 09/11/2014, constante de fls. 326/340, foram os Arg.

[i] XXX e YYY, com os restantes sinais dos autos (cf. TIR[ii], respectivamente, de fls. 73 e 83[iii]) absolvidos nos seguintes termos: “…Face ao exposto, atentas as considerações expendidas e as disposições legais citadas, decido: - Absolver o arguido XXX da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1 e n.º2, 4 e 5 do Código Penal; - Absolver o arguido YYY da prática de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º n.º1 do Código Penal; - Absolver o demandado do pedido formulado pelo Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca Epe na quantia de €132,50 acrescida de juros de mora legais contados desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento; Sem custas.

…”.

* Não se conformando, a Exm.ª Magistrada do MP[iv] interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 346/373, concluindo da seguinte forma: ”… 1- Por douta sentença proferida em 04/10/2014, foi, para além do mais, o arguido XXX, absolvido da pratica do crime de violência domestica agravado, p. e p. pelo art.º 152°, n.º 1, al. b), n.º 2, 4 e 5, do Código Penal (adiante designado de CP), na vertente de mau trato psicológico.

2- É, desta parte da douta sentença absolutória que se recorre, por existir contradição entre a matéria de facto dada como provada, a fundamentação e a decisão, e como provada er entender que a factualidade dada integra a pratica do crime imputado ao arguido, na sua vertente de mau trato psicol6gico e não de um crime de injuria como foi decidido.

3- A Mma. Juiz não efetuou uma adequada interpretação e aplicação das normas penais relativas ao tipo de crime, tendo em conta a factualidade apurada e dada como provada.

4- Da matéria de facto dada como provada consta que: "O arguido XXX e a ofendida ZZZ, entre Setembro de 2012 e Março de 2013, mantiveram uma relação, vivendo como se de marido e mulher se tratem, em comunhão de cama mesa e habitação.

Nesse período habitaram na residência da ofendida sita na Rua (…) Amadora.

A partir de Dezembro de 2012 e até a separação do casal com uma frequência não concretamente apurada, no interior da residência e a noite, o arguido apelidou a ofendida de ''porca de merda" e "atrasada mental': Ao agir da forma descrita em 2.1.3. quis o arguido XXX humilhar a ofendida dirigindo-lhe expressões que bem sabia que a rebaixavam.

O arguido XXX agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”.

5- O tribunal formou a sua convicção na analise crítica do conjunto da prova produzida, a qual, apreciada de acordo com as regras da experiencia e o normal suceder das coisas.

6- O que foi suficiente para dar por assente os factos que não obstante o arguido ter negado estes factos, o mesmo chamou os nomes supra descritos à ofendida quando os mesmos moravam juntos.

7- A sentença padece do vício previsto no art.º 410º/2-b) do CPP.

8- Porque se deu como provado que o arguido entre dezembro de 2012 e março de 2013, por mais do que uma vez, em numero não determinado, proferiu as supra descritas expressões dirigidas a ofendida e em seguida se dá como assente, em sede de enquadramento jurídico-penal e decisão, que apenas resultou provado que o arguido numa ocasião apelidou a ofendida de "porca de merda" e "atrasada mental".

9- Ficou provado que ao agir da forma descrita quis o arguido XXX humilhar a ofendida dirigindo-lhe expressões que bem sabia que a rebaixavam.

10-E que o arguido XXX agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei".

11- Estribou-se a douta decisão no depoimento da queixosa Maria Assunção Beirão, e da testemunha Ricardo Ferreira, filho da mesma que com o arguido e a mãe coabitava, que descreveram a relação mantida entre o casal e as palavras proferidas pelo arguido.

12- Verifica-se assim existir contradição entre os factos dados como provados, a fundamentação e a conclusão a que se chegou que redundou na absolvição do arguido, quanto a estes factos.

13- O vicio que se argui resulta expressamente da decisão recorrida, do contexto factual inserido na decisão, por si, não passando despercebido ao comum observador, ou seja qualquer pessoa media, facilmente dele dará conta.

14- É manifesta a contradição entre os factos provados, a fundamentação e a decisão, quando se deu como provado que a partir de dezembro de 2012 e ate a separação do casal, com uma frequência não concretamente apurada, no interior da residência e a noite, o arguido apelidou a ofendida de ''porca de merda' e "atrasada mental' , que a quis humilhar dirigindo-lhe expressões que bem sabia que a rebaixavam e que agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, e incompreensivelmente em sede de decisão, na parte referente ao enquadramento jurídico-penal, para justificar que a conduta integra crime diverso se diga que tenha resultado provado que o arguido apenas numa ocasião tenha apelidado a queixosa de "porca de merda" e "atrasada mental".

15- A factualidade dada como provada, e a sua fundamentação, de acordo com o raciocínio 1ógico, permitem concluir que essa fundamentação justifi.ca uma decisão oposta a que foi proferida, havendo colisão entre os factos provados, a fundamentação e a decisão.

16- Na mesma sentença afirma-se e nega-se os mesmos factos, sendo que se trata de emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras.

17- A apontada contradição, e insanável e irredutível, não podendo ser afastada com por via da decisão recorrida e das regras da experiencia.

18- Na construção da decisão, o tribunal apenas pode sustentar-se na factualidade dada como provada.

19- Tendo dado como provados os factos acima descritos e face à fundamentação expendida sobre a matéria de facto, não podia extrair a conclusão que extraiu de que o arguido uma vez apelidou a ofendia daquela forma e que os factos integram o crime de injuria e não de violência domestica.

20- As contradições insanáveis que a lei considera para efeitos de recurso, são aquelas que são intrínsecas da decisão recorrida e neste caso, as mesmas são patentes e determinam a prolação de diferente decisão, pois que se não se tivesse verificado a apontada contradição impunha-se a condenação do arguido pela pratica dos factos acima descritos os quais integram o crime de violência domestica na sua vertente de maus trato psíquico.

21- Deve a douta sentença ser revogada e substituída por outra que expurgue o mencionado vicio, e condene o arguido pela pratica do crime que lhe foi imputado, quanto à matéria de que se recorre.

22- Alem do acima expendido, a Mma. Juiz de Direito, efetuou um incorreto enquadramento jurídico dos factos e por essa via violou o disposto no art.º 152°, do CP.

23- Os factos de que ora se recorre, não integram o crime de injuria, como veio a ser decidido.

24- Consubstanciam um crime de violência doméstica, porquanto o tipo penal em apreço exige para o seu preenchimento um tratamento degradante ou humilhante, capaz de diminuir a condição a dignidade humana da vitima.

25- O que resulta a conduta ao arguido XXX, que diminuiu a dignidade da vitima, sua companheira, menosprezando-a e rebaixando-a, fazendo-o no recato do seu lar, a noite.

26- O arguido tratou a ofendida de forma degradante e humilhante ao longo de pelo menos 3 meses, no interior da residência habitada pelo casal.

27- Com a reforma operada o Código Penal, em 1995 e depois em 2007, os maus tratos psíquicos, viram ampliado o leque de condutas que neles tern cabimento e consequente previsão no tipo legal.

28- Estão assim contemplados no tipo legal as humilhações, provocações e ameaças, insultos, quer isto dizer as condutas que se revelem desprezo pela condição humana do companheiro, podendo nele provocar sentimentos de culpa de diminuição e necessariamente sofrimento psicológico.

29- Resulta evidente da factualidade dada como provada e da fundamentação bem como do enquadramento jurídico que o arguido XXX ao proferir as referidas expressões em inúmeras ocasiões dirigidas a sua companheira, quis minimiza-la e desse modo, colocar-se numa posição de domínio sobre a mesma, querendo deixa-la numa situação de maior vulnerabilidade, fazendo-o sempre e tão só na residência habitada pelo casal.

30- Existia uma ligação afetiva entre o arguido e a ofendida que permitiu ao arguido por via da conduta, procurar domina-la e rebaixa-la na sua condição pessoal, diminuindo-a enquanto pessoa, atentando assim contra a dignidade pessoal da sua companheira e não contra a honra da mesma.

31- A injuria traduz-se na manifestação por qualquer meio de um conceito ou pensamento que importe um ultraje contra alguém.

32- Os factos apurados e dados como provados, devidamente contextualizados, integram o crime de violência doméstica agravado, porquanto reiteradamente ocorreram na residência do casal, sendo o comportamento dirigido contra a dignidade humana da ofendida, enquanto companheira do arguido e por causa dessa relação, e no âmbito da mesma e da convivência do casal, visando humilhar, e diminuir a ofendida na sua dignidade, enquanto companheira do ofendido.

33- As expressões utilizadas e o contexto em que o foram, são reveladoras de um profundo desprezo pela condição humana e pessoal da ofendida e visaram minimiza-la a desconsidera-la a destrata-la de forma ignóbil e ultrajante, para alem da protecção do bem pessoal traduzido na honra, mas atingindo a dignidade da ofendida.

34- Os atos do arguido, perpetrados dolosamente pelo arguido, contra a ofendida, consistiram em maus tratos psíquicos, os quais foram humilhantes e rebaixavam...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT