Acórdão nº 699-13.8TVLSB.L1.-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 30 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução30 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: * RELATÓRIO: I - A MM intentou acção declarativa de condenação com processo comum ordinário contra «R A T, SA».

Alegou a A., em resumo: A A. é proprietária de um prédio urbano por si adquirido por escritura pública de compra e venda de ...1979 à «Cotapo - Empreendimentos Comerciais e Industriais, SARL», pelo preço de € 42.500,00, imóvel que à data da aquisição se encontrava omisso na matriz.

O terreno para construção, tem área de 1663 metros quadrados e dez centímetros e confronta a norte com a Rua do ..., a sul com a Rua da ..., a nascente com a Travessa conhecida por Travessa do ... e a poente com os armazéns de «Martins e..., Irmão», confrontações que ainda hoje se mantêm.

Neste terreno existe uma muralha, sob a qual foi edificada uma casa com um só pavimento, ocupando a área coberta de 38 m2, e que tem o nº 129 para a Rua do..., tendo atualmente o número matricial de 182.

A A. adquiriu o referido terreno com o intuito de proceder à implantação de infraestruturas de apoio ao supermercado da sede, passando desde a aquisição a utilizar o imóvel para fins diversos, de forma continuada e ininterrupta, à vista de todas as pessoas e sem oposição de ninguém, na convicção de que era a única proprietária.

Tendo o portão que limitava o acesso ao terreno sido retirado pelos trabalhadores da A. para ser reparado na oficina de serralharia da mesma, no 3º fim de semana de Novembro de 2012, o encarregado de vigilância que exerce funções ao serviço da A., no âmbito da fiscalização de rotina, apercebeu-se que a R. estava a realizar obras no muro que delimita o terreno, tendo sido alargada a abertura de acesso ao terreno e colocado um portão. Para além das obras realizadas, a R. passou a estacionar veículos pesados de transporte de passageiros no local.

A A. contactou a R., tendo esta informado que a propriedade era titulada por escritura pública de justificação notarial. A R. bem sabia que o terreno sempre fora utilizado pela A..

Pediu a A. que: - A R. seja condenada a reconhecer que a A. é a proprietária do imóvel e a restituir a posse do mesmo à A.; - a R. seja condenada a abster-se de fazer uso do imóvel, cujo uso tem vindo a exercer de forma abusiva; - a R. seja condenada a reconhecer que causou prejuízos à A. e a pagar uma indemnização pelos danos causados e pela ocupação e utilização de propriedade alheia, em montante não inferior a € 3.000,00 mensais; - seja decretada a nulidade da escritura de justificação notarial celebrada no Cartório Notarial de Matosinhos.

Citada, a R. contestou, alegando essencialmente: Por escritura de justificação notarial de ... de 2012, outorgada no Cartório Notarial de Matosinhos, a R., através do seu representante legal, declarou ser dona e legítima possuidora do direito de propriedade plena sobre o prédio urbano com área de 1402,74 m2, sito na Rua da ..., 73, 75, 77, 79, na freguesia do .... Aquele prédio está descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº ... da freguesia do ... e a sua aquisição por usucapião foi inscrita na mesma Conservatória pela apresentação 2841 de 2012-8-31.O prédio em referência fora adquirido pelo então sócio-gerente da R., JR, já falecido, e a R. destinou o imóvel a apoio da sua atividade industrial de exploração de transportes públicos rodoviários. Em Agosto de 2010, a R. procedeu à colocação de um portão para impedir o acesso ao terreno, tudo fazendo como legítima proprietária, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém. O prédio que a A. afirma ser seu tem descrição própria, não tem inscrição matricial (com excepção da casa de 30 m2) e é contíguo ao prédio da R.

Concluiu pela improcedência da acção com a sua absolvição do pedido.

O processo prosseguiu e, a final, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «Por todo o exposto, julga-se parcialmente procedente a presente ação e, em consequência,

  1. Reconhece-se a autora como proprietária do imóvel constituído por terreno situado em Lisboa, na Rua da ..., 73, 75, 77, 79, da freguesia do ..., que confronta a norte com a Rua do ..., a sul com a Rua da ..., a nascente com o prédio militar nº ... (anteriormente com Travessa do ...) e a poente com os armazéns de “Martins e ..., Irmão”; b) Condena-se a ré a reconhecer a autora como proprietária do identificado imóvel e a restituir o mesmo à autora; c) Condena-se a ré a abster-se de fazer uso do identificado imóvel; d) Decreta-se a nulidade da escritura de justificação notarial celebrada no Cartório Notarial de Matosinhos a ... de 2012 e, consequentemente, ordena-se o cancelamento do registo de propriedade existente a favor da ré; e) Absolve-se a ré do demais peticionado».

Apelou a R., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: A - A ação em causa no processo e no presente recurso é uma ação de simples apreciação negativa.

B - A Ré/recorrente beneficia da presunção do registo: art.º 7º do Código do Registo Predial.

C -A A. não logrou ilidir, mediante prova em contrário, a presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito: artigos 7º, 8º, 10º, e n.º 1 do art.º 116º todos do CRP e n.º 1 do art.º 344º e 350º do Código Civil.

D - Do depoimento das testemunhas da A. não se retira com grau de probabilidade bastante que a ocupação do terreno e sua utilização tenha ocorrido há mais de vinte anos.

E - As duas primeiras testemunhas apenas conhecem factos de 2010 e 2011 ano em que a primeira iniciou o seu trabalho na MM, tendo a segunda exercido funções apenas a partir de 2006.

F - O facto justificado na escritura respetiva é impugnável a todo o tempo. Porém, tem de reconhecer-se que tendo já decorrido o prazo para aquisição, por usucapião, pela R/recorrente, do terreno, e não tendo a A./Recorrida logrado provar factos que consubstanciam a sua alegada propriedade, devem julgar-se verificada a presunção do art.º 7º do CRP e do art.º 350º CC que é uma situação com correspondência com a realidade.

G - A A. não alegou factos bastantes, nem deles fez prova, que pudessem evidenciar a utilização pública, pacifica e de boa fé de atos de posse relativamente ao terreno: não é possuidora, nem sequer mera detentora do terreno.

H - Das declarações que não continham certeza bastante o Tribunal retirou grau de probabilidade bastante.

I - O supermercado encerrou em 1994, como decorre da informação n.º ..., MM, de 18.02.94 (doc.9 da p.i. onde se refere expressamente:”… encontrando-se o terreno em causa devoluto”.

J - Não sendo sólida na argumentação e capacidade de convencimento da prova testemunhal, verifica-se erro de julgamento da matéria de facto.

K - Dos depoimentos testemunhais verifica-se que a A. nunca exerceu atos de posse sobre o terreno de que se arroga proprietária: há confusão entre este terreno e o que corresponde ao da entrada no portão 7, este sim propriedade da A. recorrida.

L - Verifica-se falta de conhecimento da matéria de facto, pelo menos na amplitude que lhe foi conferida pela douta sentença “a quo” por referência à prova testemunhal produzida em audiência de julgamento.

M - Há manifesta confusão/generalização de factos que parecem memorizados a propósito, em especial da testemunha n.º 4, Adelino ..., sem conhecimento concreto da realidade.

N - O que conduziu a um manifesto erro de interpretação da matéria de facto. Sem grau de convicção suficiente (atendendo que nem sequer viu autocarros da R. que diariamente e há longos anos acedem à garagem contigua ao terreno em causa nos autos).

O - Havendo dúvidas sobre a credibilidade dos depoentes o sentido dos respetivos depoimentos deve alterar-se a decisão sobre a matéria de facto, particularmente a matéria sob os n.ºs 19), 20) e 21), que deve ser dada por não provada: al. a) e b) do n.º 2 do art.º 662º CPC P – A falsidade das afirmações justificatórias constantes da escritura de justificação notarial não figura entre os casos típicos de nulidade de atos notariais previstas nos artigos 70º e 71º do Código do Notariado.

Q - Está a apelante dispensada de efetuar prova dos factos que levaram à usucapião, por via da presunção do art.º 7º do CRP e, por esses factos, terem sido alegados em juízo e constarem da escritura de justificação notarial que serviu de base ao registo: “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.” R - Assim sendo, inverte-se o ónus da prova, que é da responsabilidade da apelada, impugnante do facto justificado.

S - Decorrido o prazo de impugnação da escritura de justificação notarial sem que a ela tenha havido lugar, isto é, cumprida que seja a fase da publicidade da respectiva outorga e inscrita a aquisição do direito, como é o caso, passa esta inscrição a constituir a presunção da titularidade do direito em causa, nos termos do artigo 7.°, CRP. Por virtude da mencionada presunção, o ónus de prova da falsidade da mencionada escritura de justificação notarial, ou seja, de que o direito nela declarado não existe, passa a incumbir ao autor (artigos 342.°, n.º 1, 344.°, n.º 1 e 350.°, Código Civil e 7.°, CRP).

T - Caso o Tribunal “ad quem” considere não existirem factos suficientes quer na escritura, quer alegados na ação, para fundarem a usucapião, deverá sempre a ação improceder, dando-se provimento à presente apelação.

U - Com o devido respeito, verifica-se pois erro de julgamento devendo proceder-se à reapreciação da prova gravada, determinando-se como não provados os factos referidos nos pontos 19), 20), e 21) da douta sentença “a quo”: al. a), b) e c) do n.º 1 do art.º 640º do CPC W - Ao ordenar o cancelamento do registo de propriedade do terreno existente a favor da R., o que não foi objeto do pedido da A. condenou “extra vel ultra petitum”, numa prevalência injustificada da justiça material sobre a formal.

V - Durante todo o processo não foi facultado à R. o exercício do contraditório relativamente a esta matéria, que constitui uma surpresa da...

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