Acórdão nº 2003.13.6TVLSB.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelMANUEL MARQUES
Data da Resolução14 de Abril de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO: I.

PC, viúva, por si e na qualidade de cabeça de casal do autor da herança MG, e ainda na qualidade de legal representante dos filhos menores de idade, MCG e AG, intentou a presente acção com processo ordinário contra a R, peticionando: 1. A condenação desta a pagar ao Banco ..., em cumprimento dos contratos de Seguro Vida: a) o valor de €255.193,37, em dívida à data de 18/07/2012, no âmbito do contrato de mútuo a que respeita o contrato de Seguro Vida com o n° de apólice 15.000003 (certificado n°. 247928); b) o valor de €21.590,71, em dívida à data de 18/07/2012, no âmbito do contrato de mútuo a que respeita o contrato de Seguro Vida com a apólice n°. 15.362283; c) em ambos os casos, deduzidos dos valores respectivos que a A. tenha pago ao banco beneficiário dos mesmos Seguros Vida, o Banco ..., desde 18/07/2012 e até à data do trânsito em julgado da sentença a proferir nestes autos, em cumprimento dos dois contratos de mútuo cujo respectivo capital por aqueles se mostra garantido; e 2. A pagar à A, por si e em representação dos seus representados filhos menores de idade, o valor por esta mensalmente pago em cumprimento de cada um dos contratos de mútuo que celebrou com o Banco ..., respectivamente objecto dos identificados contratos de Seguro Vida, desde a data de 18/07/2013 e até à data do trânsito em julgado da sentença a proferir nestes autos, acrescido dos respectivos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor.

Alegou em síntese que, em 07/07/2006, a A. e o seu então marido, o falecido MG, celebraram com o Banco ... um contrato de mútuo com hipoteca, para aquisição de habitação, que tem por objecto "um empréstimo de trezentos mil euros", garantido por hipoteca; que em garantia do pagamento do capital em dívida no âmbito do identificado empréstimo, a A. e o seu então marido celebraram com a R. o denominado contrato de "Seguro de Vida Individual ", a que a R. atribuiu o n°. de apólice 15.000003 (certificado n°. 247928); que em 31/07/2009, a A. e o seu então marido, o falecido MG, celebraram com o Banco ..., um contrato, que designaram por "Titulo de Mutuo/Hipoteca", que tem por objecto "um empréstimo de cento e vinte e oito mil e quinhentos euros", garantido por hipoteca, financiamento esse que se destinou a permitir que os mesmos, A. e marido, fizessem face aos compromissos financeiros por si assumidos, tendo estes constituído, em garantia de cumprimento do mesmo mútuo, uma nova hipoteca sobre a moradia unifamiliar e logradouro, designada por Lote M 11, sita em (...); que em garantia do pagamento do capital em dívida no âmbito do identificado "Titulo de Mutuo/Hipoteca", no valor de €128.500,00, a A. e o seu então marido celebraram com a R. o denominado contrato de "Seguro de Vida Individual", a que a R. atribuiu o n°. de apólice 15.36228318; que o Tomador do Seguro e a 1ª. Pessoa Segura nos referidos contratos de seguro vida era o falecido MG, detendo a aqui A. a posição de 2.ª Pessoa Segura; que do âmbito das coberturas dos contratos de seguro faz parte a "Morte da Pessoa Segura"; que na sequência de um acidente de viação, ocorrido dia 18/07/2012, na auto estrada A1, ao Km 31,300m, sentido sul-norte - e como consequência directa desse sinistro - faleceu MG que conduzia então o seu veículo; que a taxa de alcoolemia do falecido, reportada ao momento da morte (1,30g/l), não constitui, só por si, fundamento necessário à invocada "exclusão contratualizada", desde logo, por manifesta e total ausência de nexo de causalidade entre a taxa de alcoolemia e a causa do acidente mortal.

A ré contestou, alegando, em suma, que o acidente de viação de que foi vítima o segurado foi causado pelo estado de alcoolemia deste, incumbindo em qualquer caso aos autores provar que entre o acidente e a mencionada TAS inexiste nexo de causalidade; e que consta expressamente dos contratos de seguro que se encontram excluídos os acidentes que sobrevenham à pessoa segura quando se verifique uma taxa de alcoolemia igual ou superior ao limite legalmente estabelecido.

Conclui pela sua absolvição do pedido.

Foi realizada a audiência prévia, elaborado despacho saneador e os temas da prova.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se julgou a acção improcedente e se absolveu a ré do pedido.

Inconformados, vieram os autores interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminaram com a formulação das seguintes conclusões: 1. Nos termos do Art. 635° do C. P. Civil, a apelante limita o objecto do presente recurso às seguintes questões: i) modificabilidade dos factos provados e identificados sob os números 34, 35 e 36 na sentença recorrida; ii) e à decisão de direito; 2. Os pontos 34, 35 e 36 dos factos provados na sentença recorrida, devem ser removidos dos factos provados, porquanto: 3. Factos provados n°.s 34 e 35: a) por via destes dois concretos pontos dos factos provados, pretendeu o tribunal sintetizar e provar a dinâmica do acidente, o que materializou por via de um juízo de probabilidade que não decorre de qualquer prova testemunhal e, ou, documental, mas antes e apenas de uma presunção judicial; b) nenhuma das testemunhas inquiridas em sede de julgamento presenciou o acidente em causa nestes autos; e) o único facto que, com rigor e objectividade, se pode considerar provado, com referência aos pontos ora em crise, com os n°.s 34 e 35, é que, na ocasião em que ocorreu o sinistro, o condutor falecido conduzia a viatura automóvel com uma TAS de 1,30g/1 (como decorre do facto provado sob o ponto n°. 29 dos factos provados na sentença recorrida); d) tudo o mais que incorpora os referidos pontos n°.s 34 e 35 dos factos provados decorre de um processo mental do julgador; e) processo mental esse que, por certo, visaria a dedução decorrente de factos provados, com os quais teria de ter, necessariamente, uma relação probatória inequívoca, o que não sucede no caso dos autos, f) porque é que foi o álcool, e não, por exemplo, a incidência dos raios solares sobre o ângulo de visão do condutor a determinar o acidente, atento o sentido de marcha do veículo sinistrado, a hora do acidente, a posição do veículo do acidente após o embate, e a época do ano em que o mesmo ocorreu? g) mais: se o condutor vitimado tivesse perdido o efectivo domínio e controlo sobre a direcção do veículo por si conduzido por se encontrar alcoolizado, certamente haveria registo de qualquer travagem, haveria notícia de qualquer manobra de fuga ao embate com o camião, veículo C-(...), teria o veículo sinistrado ficado numa posição diferente daquela em que efectivamente ficou, quando imobilizado, depois do embate; h) podendo o teor de álcool no sangue limitar algumas das capacidades do condutor, não obstaria à sua visão, quando pela frente lhe surgiu um camião, enfatizando-se que o mesmo condutor havia já percorrido, pelo menos, 31 ,300klms, até ao local do acidente fatídico.

i) no inquérito n°. 100/12.4GTALQ, despoletado pelo acidente em causa nos autos e referido no ponto n°. 36 dos factos assentes na sentença recorrida, consta, na decisão de arquivamento junta aos autos, que "o acidente ocorreu por culpa exclusiva do falecido" (sic.), admitindo-se, porém, que a causa do sinistro tenha estado na taxa de álcool no sangue ou numa "momentânea distracção" do mesmo condutor, circunstância essa (a momentânea distracção) que não foi, sequer, equacionada pela Mm", Juíza que julgou a causa em primeira instância; j) é sabido que a presunção judicial não constituiu uma prova livre e absoluta: é necessário que haja uma relação directa e segura, claramente perceptível, entre o facto que serve de base à presunção e o facto que pela via da presunção se atinge; k) essa relação directa e segura não se verifica no caso dos autos, porquanto, mesmo apelando às regras de experiência comum e aos dados científicos conhecidos, não é, in casu, possível concluir, sem margem para dúvidas, que o acidente ocorreu por efeitos do álcool, como o fez a Mm", Juíza que julgou a causa; I) dito de outro modo, mesmo seguindo o raciocínio expandido na sentença recorrida e que terá presidido à decisão do julgador sobre estes concretos pontos da matéria de facto, não se mostra possível afastar a situação de dúvida razoável partindo apenas dos padrões de probabilidade invocados na sentença recorrida; m) na verdade, tudo o que se diga agora à cerca do que originou ou contribuiu para o despoletar do acidente, não pode ir além da mera especulação, uma vez que face à completa e total ausência de qualquer evidência fática sobre a dinâmica do acidente, a sua prova é manifestamente impossível; n) Ao considerar como provada a dinâmica do acidente, por via dos impugnados pontos 34 e 35 dos factos provados na sentença recorrida, o Tribunal de primeira instância violou as disposições contidas nos Arts. 349° e 351 ° do Código Civil.

  1. Facto provado n°. 36: a) transcreve este facto provado n°. 36 parte da decisão de arquivamento proferida no âmbito de um processo de inquérito, que visava apurar responsabilidades de carácter criminal, pelo nenhum interesse pode revestir para a decisão dos presentes autos.

    b) a par de que, como consta na parte da decisão transcrita para o facto provado sob o n°. 36 da sentença recorrida, o que está em causa é uma suposição - "permite supor" - e não qualquer juízo de certeza sobre as concretas causas do acidente; e) razão pela qual deverá este ponto 36 dos factos provados ser igualmente removido dos factos provados elencados na sentença recorrida.

  2. Das condições vertidas para os dois contratos de seguro juntos aos autos, resulta que estamos perante dois contratos de seguro vida, na modalidade de seguro de grupo, titulados pelas apólices, respectivamente, 15.000003 (certificado 247928) - ponto 10 dos factos provados - e 15.362283 (ponto 17 dos factos provados) do qual era tomador do seguro o condutor falecido e eram beneficiários, em caso de morte daquele, o Banco...

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