Acórdão nº 48/13.5PFPDL.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelGRA
Data da Resolução17 de Junho de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório: Em processo comum, com intervenção do Tribunal singular, o arguido PR, nascido a 10/12/1967, na freguesia de S. Pedro, Ponta Delgada, divorciado, guarda prisional, filho de XXX e de XXX, residente na rua XXX, foi absolvido da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º/1 - alínea a), e nsº 4 e 5, do Código Penal, que lhe era imputado, e foi condenado, como autor material, na forma consumada e em concurso real de infracções, pela prática de três crimes de injúrias, ps. e ps. pelo artigo 181º, do CP, nas penas parcelares de, respectivamente, sessenta dias de multa pelos factos ocorridos no dia 05/08/2013, setenta dias de multa pelos factos ocorridos em Março de 2014 e cem dias de multa pelos factos ocorridos em Abril de 2014. Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de cento e setenta e cinco dias de multa, à taxa diária de oito euros.

*** O arguido recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem: «1. Salvo o devido respeito, o arguido não se conforma com a douta sentença que o condenou pela prática de três crimes de injúrias, p.p. pelo artigo 181º. do Código Penal.

  1. E isto porque, o arguido foi acusado pelo Ministério Público pela prática de um crime de violência doméstica p.p. pelo artigo 152º. nº.1 alínea a) e nº.4 e nº.5 do Código Penal.

  2. acabando, conforme se verifica da sentença recorrida, por ser absolvido daquele crime, mas condenado pela prática de três crime de injúrias, p.p. pelo artigo 181º. do Código Penal.

  3. Ora, nos crimes particulares - como é o crime de injúrias - para que o Ministério Público possa exercer a acção penal é necessário que o titular do direito de acusação particular se queixe, se constitua como assistente e deduza acusação particular, de acordo com o artigo 50.º n.º 1 do Código de Processo Penal.

  4. Ora, não tendo a assistente deduzido acusação particular contra o arguido, pela prática do crime de injúrias p.p. pelo artigo 181º. do Código Penal – sendo esta quem detinha em exclusividade legitimidade para o fazer, atenta a natureza particular do crime em causa - o Tribunal “a quo” deveria abster-se de condenar o arguido pela prática do referido crime de injúrias e declarar extinto o procedimento criminal contra o arguido.

  5. Pelo exposto, ao decidir como decidiu, violou a douta sentença os artigos 181.º e 188.º, todos do Código Penal, assim como os artigos 50.º n.º 1, e 410.º, n.º 2, alínea b), todos do Código do Processo Penal.

    Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser a sentença revogada e substituída por douto Acórdão que absolva o arguido da prática dos crimes de injúria, previstos e punidos pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal».

    *** Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações nos termos que se transcrevem: «1. A sentença impugnada não merece qualquer censura, pois que não enferma de omissões, nulidades ou vícios.

  6. Os factos pelos quais o arguido foi condenado constavam da acusação deduzida pelo Ministério Publico, acusação esta que foi acompanhada pela assistente.

  7. Assim, apesar de a assistente não ter deduzido acusação particular autónoma, ao acompanhar a acusação pública, fez sua também aquela acusação, pelo que nada obsta a que se aprecie a responsabilidade penal do arguido pela prática daquele ilícito.

  8. Por todo o exposto, a douta sentença recorrida não merece qualquer censura porque fez correta aplicação do direito à matéria de facto provada, nem violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos».

    *** Contra-alegou a assistente TL, concluindo as respectivas alegações nos seguintes termos: «i. O arguido PR foi absolvido da prática do crime de violência doméstica p. e p. pelo art.º 152º, n.º 1 al. A) e n.º 4 e 5 do C. P., pelo qual vinha acusado.

    ii. Não obstante, foi aquele condenado, como autor material, na forma consumada, e em concurso real de infracções, por três crimes de injúrias, p. e p. pelo art.º 181º do C.P, na pena única de 175 dias de multa, à taxa diária de 8 €, perfazendo o valor global de 1.400,00€.

    iii. O arguido discorda da decisão do Tribunal a quo, requerendo a sua absolvição, fundamentando-a, no essencial, no facto de “ nos crimes particulares – como é o crime de injúrias- para que o Ministério Público possa exercer a acção penal é necessário que o titular do direito de acusação se queixe, se constitua como assistente e deduza acusação particular, de acordo com o artigo 50º n.º 1 do Código Processo Penal”.

    iv. Segundo o arguido, “ não tendo a assistente deduzido acusação particular contra o arguido, pela prática do crime de injúrias […] sendo que é este quem detinha em exclusividade legitimidade para o fazer, atenta a natureza particular do crime em causa- o Tribunal a quo deveria abster-se de condenar o arguido pela Prática do referido crime de injúrias e declarar extinto o procedimento criminal contra o arguido.” v. Não podemos deixar de discordar da sua posição, corroborando com a douta sentença.

    vi. O arguido descreve os pressupostos processuais subjacentes à prossecução da acção penal nos crimes de natureza particular, dizendo que não tendo sido deduzida acusação particular pela assistente, o procedimento criminal deveria ter sido extinto.

    vii. O arguido vinha acusado, pelo Ministério Público, da prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152º n.º 1, al. a) e n.º 4 e 5 do CP, que sendo um crime de natureza pública, o MP tem legitimidade para promovê-lo, de acordo com o art.º 48º do CPP.

    viii. Atendendo à complexidade deste tipo de crime, por ser um crime específico e impróprio, de perigo abstracto, na medida em que engloba vários tipos de crimes, podendo criar uma relação de concurso aparente de normas com outros tipos penais (ofensas à integridade física, injúrias, difamação, coacção, sequestro simples, devassa da vida privada e gravações e fotografias ilícitas), muitas vezes deparamo-nos com situações de “fronteira”, acabando o julgador por decidir que o tipo penal aplicável não é o da violência doméstica, mas qualquer um dos outros mencionados de per si, como foi o caso em apreço.

    ix. A assistente apresentou queixa contra o ex-marido, apresentando factos que o digno Ministério Público, após a realização das necessárias diligências em sede de inquérito, determinou que eram susceptíveis de integrar a prática de um crime de violência doméstica, acusando-o. Encontra-se preenchido o primeiro pressuposto.

    x. Foi dito expressamente pela mesma que acompanhava a douta acusação deduzida pelo Ministério Público, para todos os efeitos legais, nos termos do disposto no art.º 284º n.º 2, al. a) do CPP, subscrevendo a prova indicada e indicando, ainda, duas novas testemunhas.

    xi. De facto, a assistente não formalizou a acusação particular porque, à data, aquela não era obrigatória, pois a acusação deduzida pelo Ministério Público referia-se à prática de um crime de natureza pública, que, por si só, dispensa apresentação de queixa e constituição de assistente.

    xii. Não lhe é imputável o facto de não ter deduzido acusação particular quando é certo que, face ao crime pelo qual foi acusado não era necessário que o fizesse.

    xiii. Tal como defendeu o MP no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 30-09-2014 (www.dgsi.pt), considerar a interpretação segundo a qual o MP “carece de legitimidade para a prossecução da acção penal” perante um alteração substancial dos factos, porque passa a tratar-se de um crime de natureza particular, “ é uma solução meramente formalista (e, portante, contrária à lei), que parte do pressuposto completamente erróneo – de que é imputável à vítima o facto de não se ter constituído assistente nem deduzido acusação particular, ainda que, face ao crime por cuja autoria o arguido foi acusado, não era necessário que o fizesse. E sempre redundaria numa decisão surpresa que não salvaguardaria a posição da vítima, que não pode adivinhar que os factos objectivos recebam uma determinada qualificação jurídica em sede de acusação e outra em sede de acusação e que nunca foi notificada para os efeitos mencionados.” xiv. A Relação do Porto, em dois Acórdãos, sustentou, no Acórdão de 11/4/2012 (www.dgsi.pt), “que a aquiescência do arguido à continuação do julgamento pelos factos novos, em caso de alteração substancial dos descritos na acusação, comunicada em audiência de julgamento, legitima o tribunal a conhecer de meritis quando ao crime enunciado, ainda que este seja de natureza particular, e não tenha havido acusação particular.” xv. O mesmo Tribunal, no Acórdão de 30/1/2013, invocado sabiamente na douta sentença, considerou que “não podemos dizer que estamos perante uma alteração substancial de factos, que tenha por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso. Os factos imputados ao arguido, que poderão integrar a prática de um crime de injúrias, estavam contidos (como um “minus”) nos factos por que o arguido vinha acusado, integradores da prática de um crime de violência doméstica. […] Poderá dizer-se que a assistente vê cerceado o seu direito de acusação particular pelos crimes de injúria de que terá sido vítima. Nunca deduziu acusação particular desses crimes que foram considerados, pelo Ministério Público, integradores de um crime público. Ou seja, nunca poderia ter deduzido acusação particular. Mas podia ter acompanhado a acusação pública (nos termos do artigo 284º do CPP) e poderia considerar-se que este acompanhamento continha implicitamente a acusação prática de crimes de injúrias.” xvi. Encontram-se, assim, reunidos todos os pressupostos processuais do crime particular, nos autos referenciados, inclusive a acusação particular, por convolação, até porque os factos que seriam mencionados na acusação particular, formalizada pela assistente, caso tal se observasse...

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