Acórdão nº 324/14.0TELSB-I.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelCALHEIROS DA GAMA
Data da Resolução08 de Outubro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de X: I – Relatório 1. Nos autos, em fase de inquérito, com o n.º 324/14.0TELSB-I.L1, que correm termos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal, veio A...

, neles melhor identificado, interpor recurso do despacho proferido pelo Mmº Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, em 16 de Junho de 2015, pelo qual foi determinado o arresto de todos os bens móveis de valor que fossem encontrados nas suas residências sitas na Rua B..., em X e na Rua C....

  1. O recorrente extrai da sua motivação as seguintes conclusões: 1.ª Não tendo o ora Recorrente, sido constituído arguido em momento anterior à aplicação do arresto preventivo, o despacho que decretou esta medida de garantia patrimonial é ilegal e, consequentemente, deve tal despacho ser revogado e imediatamente levantado o arresto ordenado.

    1. A decisão recorrida violou os arts. 192º, n.º 1, e 58º, n.º 1, al. b), ambos do CPP.

    2. A decisão recorrida interpretou os arts. 192º, n.º 1, e 58º, n.º 1, al. b), ambos do CPP no sentido de não ser obrigatória a constituição prévia como arguido, logo que tenha de ser aplicada a qualquer pessoa uma medida de coação ou de garantia patrimonial, quando tal obrigatoriedade decorre clara e inequivocamente daqueles preceitos legais.

    3. O Ministério Público não tem legitimidade para requerer o arresto preventivo dos bens do ora Recorrente, por, segundo a própria decisão, o Estado não ser credor de nenhum dos alegados créditos cujo pagamento o arresto se destina a garantir, mas sim Clientes do X... ou de sociedades-veículo E... ou o próprio X....

    4. No art. 111º nºs 2, 3 e 4 do Código Penal está prevista a perda a favor do Estado de vantagens obtidas com os crimes, bem como a perda de bens adquiridos com tais vantagens, ou do seu valor.

    5. As vantagens e outros bens, ou o seu valor, passam ipso iure para a propriedade do Estado, quando são perdidas a favor do Estado, tendo portanto a sentença que decreta tal perda a favor do Estado um efeito constitutivo e não declarativo, razão pela qual não se criam com este instituto créditos a favor do Estado. Ainda que assim não se entendesse então haveria crédito do Estado sobre tais vantagens, bens ou valores. Mas no caso em apreço não estão em causa créditos do Estado.

    6. A douta decisão recorrida violou, assim, o disposto no art. 228º do CPP e no art. 391º do CPC.

    7. O Tribunal a quo interpretou o disposto no art. 228º do CPP e no art. 391º do CPC no sentido de o Ministério Público ter legitimidade para requerer o arresto preventivo, ainda que o Estado não seja credor do visado por tal arresto.

    8. Tais normas devem ser interpretadas no sentido de o Ministério Público só poder requerer arresto preventivo se o Estado for credor do Recorrente, designadamente, tal como se encontra previsto para a caução económica, se estivesse em causa o pagamento da pena pecuniária, das custas do processo ou de qualquer outra dívida para com o Estado - art. 227º do CPP.

    9. No caso em apreço não está demonstrada a provável existência do direito, nem a sua titularidade, nem o seu valor, nem sequer a vontade de tal direito disponível ser exercido.

    10. Com efeito, ninguém dos pretensos titulares do direito requereu o que quer que fosse, a título cautelar, ou demandou algum dos visados na providência de arresto, em especial o Recorrente.

    11. Também quanto a esta matéria a douta decisão recorrida violou o disposto no art. 228º do CPP e no art. 391º do CPC, por ter considerado ser provável a existência de um direito de crédito, quando os autos não demonstram a existência de tal direito, nem quem são os seus titulares, nem qual é o seu valor e nem sequer que os eventuais titulares queriam exercer o seu direito, estando em causa direitos disponíveis de pessoas jurídicas privadas.

    12. Não existe qualquer fundado receio de perda de garantia patrimonial por parte dos credores relativamente ao ora Recorrente, não tendo o Recorrente praticado qualquer acto de disposição do seu património desde 2009.

    13. Data em que nenhum dos créditos cujo pagamento o arresto visa garantir existia.

    14. Há pois uma total falta de atualidade do periculum in mora.

    15. Além de não haver, em rigor, qualquer indício de ato algum de dissipação de património.

    16. A douta decisão recorrida violou, novamente, o disposto no art. 228º do CPP e no art. 391º do CPC.

    17. O Tribunal recorrido considerou, relativamente a todos os visados pela providência de arresto, que se mostra evidenciado, de forma processualmente relevante, o fundado receio de que as sociedades e indivíduos referenciados possam vir a desenvolver outras condutas que redundarão na dissipação do seu património e na consequente perda da garantia patrimonial, quando, pelo menos relativamente ao Recorrente, o mesmo não praticou qualquer acto de disposição patrimonial desde, pelo menos, 2009 (cerca de 4 anos antes da data da prática dos ilícitos em causa nos autos).

    Pelo exposto, deve esse Alto Tribunal revogar a douta decisão recorrida, ordenando o imediato levantamento do arresto ordenado, assim se fazendo JUSTIÇA" (fim de transcrição).

  2. Respondeu o Ministério Público extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: "1.

    Muito embora os art.s 192º, n.º 1, e 58º, n.º 1, al. b), do Código de Processo penal disponham, conjugadamente, que a aplicação de medidas de garantia patrimonial depende da prévia e obrigatória constituição como arguido, considerando que apenas pode ser arguido quem seja visado por uma ação penal e que os bens arrestados podem ser propriedade de um terceiro alheio a questão penal, esta obrigação não é geral.

  3. Tanto a caução económica (nos termos do art. 227º, n.º 2, do CPP), como o arresto preventivo (cf. art. 228º, do CPP) não têm como candidatos subjetivos de aplicação apenas pessoas constituídas na qualidade de arguidos.

  4. Perante o disposto no art.º 111º, do Código Penal, é forçoso concluir-se que tudo o que represente vantagem de um crime é passível de ser declarado perdido a favor do Estado quer esteja na esfera do agente do crime quer esteja na esfera de terceiro.

  5. “[O] arresto de bens para garantia de perda a favor do Estado inclui não só bens de que o arguido seja titular, mas também os que tenha o domínio de facto ou seja seu beneficiário” (acórdão do TRP, de 11-6-2014, proferido no processo 1653/12), abrangendo por essa via, naturalmente, esferas patrimoniais de terceiros não arguidos.

  6. Perante esse pressuposto, é forçoso concluir-se que o arresto decretado nos termos da lei civil, para garantia de dívida ao Estado relacionada com o crime, para efeitos do disposto no artº 228º, do CPP, pode abranger património do agente do crime ou de terceiro, o qual não pressupõe uma caução, ou exige a prévia constituição do visado como arguido.

  7. A prévia constituição como arguido também deverá ser dispensada noutras situações, designadamente quando essa constituição puser em risco as finalidades patrimoniais que se visam acautelar com o arresto.

  8. A medida em causa tem eficácia condicionada ao desconhecimento pelo visado da sua concretização, pela natureza das coisas, sendo que esse desconhecimento pressupõe a inibição lógica dos atos processuais que permitam ao visado pelo arresto identificar a possibilidade ou probabilidade de efetivação de tal medida.

  9. Sempre que a prévia constituição como arguido permitir a irremediável ocultação do património deverá poder ser ponderada a sua dispensa, por forma a acautelar “[o] perigo de desvirtuamento e inutilidade da própria medida, pondo assim em risco a tutela efetiva (eficaz) dos direitos que se tentam proteger” (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 724/2014, de 28-10-2014).

  10. A manifesta inaplicabilidade da exigência do cumprimento do formalismo traduzido na prévia constituição como arguido como condição ad substantiam para que seja decretado o arresto preventivo decorre da extensão e sentido da autorização legislativa em matéria processual penal (cf. Lei n.º 43/86, de 26-09), onde se revela a “[definição] de limites às medidas de coação e de garantia patrimonial, cuja aplicação ficará dependente da prévia constituição como arguido, e introdução de figuras menos lesivas dos direitos fundamentais mas igualmente prossecutoras das intencionalidades do processo penal, como o (…) arresto preventivo”.

  11. A obrigatoriedade de prévia constituição de arguido preconizada no art.º 192º, n.º 1, do CPP, apenas pode fazer sentido nos casos em que, pela investidura nessa posição processual, ao arguido seja conferido o direito de poder tomar uma posição processualmente ativa em momento prévio à tomada de uma decisão que o afete, o que não é, manifestamente, o caso do arresto preventivo, no qual o proprietário do património afetado tem oportunidade de se pronunciar sobre o despacho que aplicou a medida apenas em momento posterior ao seu decretamento.

  12. O arresto, como garantia autónoma não substitutiva de caução económica, não pressupõe, assim, necessariamente, a prévia constituição como arguido como garantia da sua validade, nos termos do...

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