Acórdão nº 1315/11.8PBOER.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS ALMEIDA
Data da Resolução28 de Janeiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO: 1 – O arguido António foi acusado pelo Ministério Público da prática, no dia 26 de Junho de 2011, de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, conduta p. e p. pelo artigo 148.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, com referência ao artigo 144.º, alíneas b) e c), do mesmo diploma legal (fls. 187 a 190).

A assistente Ana (fls. 84) acompanhou essa acusação (fls. 200), tendo, na qualidade de lesada, deduzido pedido de indemnização civil (fls. 201 a 207).

O processo foi então remetido para o 3.º Juízo Criminal de Oeiras onde, por sentença proferida no dia 6 de Maio de 2014 (fls. 530 a 558), foi decidido, para além do mais, o seguinte: a) Absolver o arguido da prática do crime que lhe era imputado; b) Condenar o arguido a pagar à demandante, a título de compensação pelos danos não patrimoniais, a quantia de 3.500 euros e, a título de indemnização pelos danos patrimoniais, a quantia de 1.248 euros, valores acrescidos dos juros vencidos a partir da data da sentença da 1.ª instância à taxa anual de 4%; c) Absolver o arguido da parte restante do pedido deduzido pela lesada.

Nessa peça processual o tribunal considerou provado que: 1. … - Companhia de Seguros, S. A., Pessoa Colectiva n.º 500918880, resulta da alteração da designação social da Companhia de Seguros …, S.A.

  1. Em 30 de Março de 2007, o arguido e aquela demandada civil contrataram um seguro de Multirriscos – Habitação, que foi titulado pela apólice n.º 9921774 (actualmente renumerada em MR59921774), sendo que em 2011 lhe correspondiam as Condições Gerais n.º 42, conforme documentos de fls. 442 a 503, que aqui se consideram reproduzidos.

  2. De entre os diversos riscos garantidos pela apólice conta-se o de "responsabilidade civil extracontratual" (v. artigo 2.º das Condições Gerais).

  3. O capital máximo garantido, para o risco de responsabilidade civil, na anuidade de 2011, cifrava-se em € 68.182,80 euros, (ou seja, o equivalente a 40% do capital seguro, de €170.457,006).

  4. Dispunha o respectivo clausulado, no seu artigo 4.º – n.º 16-B, sob o título de "responsabilidade civil extracontratual de residente no edifício ou fracção": "...1. Esta cobertura garante o pagamento, de indemnizações legalmente exigíveis ao Segurado, por danos causados a terceiros pelas pessoas que habitam no edifício... 2. A presente cobertura também abrange: ... c) Os danos causados a terceiros: (i) Por menores de 16 anos confiados... (ii) Por empregados domésticos do Segurado...(iii) Por animais de companhia propriedade do Segurado que, nos termos da lei, não sejam qualificados como perigosos ou potencialmente perigosos e que não sejam utilizados com finalidade lucrativa, desde que com ele coabitem na residência permanente, ainda que detidos nos respectivos jardins ou logradouros; (iv) Pelas pessoas seguras durante a prática de desportos ...".

  5. Nas exclusões específicas respeitantes a esta cláusula, previa-se: "... Esta cobertura não garante os danos: ... q) causados por animais de companhia: (i) Durante o exercício da caça; (ii) A outros animais da mesma espécie; (iii) Em consequência da inobservância das disposições legais em vigor que regulamentam a sua detenção; (iv) Quando sejam transportados em veículos ou em condições não apropriadas para o efeito; (v) Decorrentes da inobservância de medidas higiénicas, profilácticas e terapêuticas recomendáveis em caso de doenças infecto-contagiosas ou parasitárias; (vi) Quando estejam na posse ou sejam detidos por pessoas cuja responsabilidade não esteja garantida pelo presente contrato ..." 7. No dia 26.6.2011, o arguido era proprietário de um cão de raça, um rafeiro alentejano, de nome “Martini”, um cão adulto, de grande porte.

  6. Este cão, que servia como animal de guarda e de companhia, era guardado no logradouro da moradia propriedade do arguido, sita na Rua ..., n.º 21, em Caxias, área desta comarca de Oeiras.

  7. Antes das 11h20m, esse animal escapou do quintal, atravessando um buraco na vedação metálica que envolvia parte do quintal.

  8. Passando a andar na via pública sozinho e sem açaime.

  9. Por essa hora, a assistente Ana encontrava-se a passear o seu cão denominado "Rapaz" naquela rua.

  10. Quando estava próxima do n.º 21, foi surpreendida pelo “Martini”.

  11. O canídeo pertencente ao arguido atravessou a rua em sua direcção e atacou o cão que a assistente trazia pela trela, mordendo-o com ferocidade.

  12. Causando, assim, feridas incisas no abdómen do canídeo, chamado “Rapaz”, de médio porte.

  13. Estes ferimentos, por atingirem órgãos internos vitais do animal pertencente à assistente, vieram a produzir a consequente morte deste canídeo.

  14. Ao atacar o outro canídeo, o “Martini” deitou a assistente ao chão.

  15. Acto contínuo, o canídeo pisou, com as patas, o corpo da assistente.

  16. E mordeu as mãos e os braços desta.

  17. Como consequência directa e necessária da queda, das pancadas e mordidas do cão do arguido a assistente sofreu ferida punctiforme parietal à esquerda, dores ao nível da articulação coxo-femural à direita, ferida incisa na base do 2.º dedo da mão direita, ferida incisa da base do 4.º dedo da mão direita, ferida superficial do cotovelo direito.

  18. Como consequência directa e necessária das mordidas do cão do arguido e das pancadas por este provocadas, a assistente recebeu, naquele dia 26/06/2011, tratamento hospitalar no Hospital São Francisco Xavier, tendo tido alta no dia 27/06/2011.

  19. Voltou a este Hospital no dia 28 para mudar o penso.

  20. E no dia 30/06/2011, deslocou-se ao Hospital de S. Francisco Xavier, tendo-se concluído que a ferida estava infectada.

  21. Assim, foi deslocada e sujeita a internamento no Hospital Egas Moniz, tendo obtido alta no dia 14/07/2011.

  22. Aquelas lesões produziram directa e necessariamente as seguintes sequelas: − Cicatriz na região parieto-temporal esquerda, irregular, com quelóide de 0,5 cm; − Múltiplas cicatrizes lineares, diversamente orientadas na face palmar D2, D3 e D4, na 1.ª falange de D2 e no bordo radial de D3; − Desvio cubital de 15.º da interfalangeana proximal (IFP de D2); − Limitação da mobilidade articular de D2 na flexão de IFP a 45.º (90.º Esquerda), interfalangeana distal (IFD) com anquilose a 35.º de flexão (90.º esq), limitação da mobilidade articular de D3 na flexão de IFD a 40.º (90.º Esq); − Limitação das pinças estáticas de preensão propriamente ditas: digitais (bidigital polegar/D2), palmares (polpa de D2 a 6 cm da palma da mão), centradas (limitação da flexão de D2 e D3); − Limitação das pinças estáticas de preensão com peso; − Limitação das pinças estáticas de preensão com peso (garra, suporte e preensão com 3 dedos); − Limitação das pinças dinâmicas (utilização de D1 e D2 em movimento); − Diminuição da sensibilidade táctil e térmica de D2 na FD.

  23. Estas lesões consolidaram-se em 22/12/2011 e determinaram um Défice Funcional Temporário Total de 19 dias (entre 26/06/2011 e 14/07/2011) e um défice Temporário Parcial de 161 dias, (que se situaram entre 15/07/2011 e 22/12/2011).

  24. E provocaram uma intensidade de dor de 2 numa escala até 7.

  25. E dano estético fixável em 1, numa escala até 7.

  26. E determinaram um Défice Funcional Permanente de integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos.

  27. O arguido não possuía licença para detenção do citado canídeo.

  28. O arguido não registou nem licenciou o canídeo na Junta de Freguesia da área de residência.

  29. Foram-lhe instaurados os competentes processos por contra-ordenação.

  30. Após o ataque, foi decretado o sequestro do canídeo agressor.

  31. Que foi apresentado à autoridade veterinária do Concelho no dia 28/6/201[1].

  32. Tendo o sequestro do animal findado no dia 13.7.2011.

  33. O ataque do canídeo apenas cessou graças à intervenção de uma transeunte.

  34. A assistente, ferida, foi sentada num tijolo, enquanto aguardava a chegada da ambulância.

  35. O arguido não cuidou de prestar assistência médica à assistente.

  36. Em exames, consultas de fisiatria e em fisioterapia, a assistente despendeu € 898,00.

  37. O cão da assistente foi levado para uma clínica veterinária, onde nada se pôde fazer para o salvar.

  38. Com a consulta e posterior cremação do animal, a assistente despendeu € 350,00.

  39. A assistente dedicava-se, antes da agressão sofrida, à pintura e gravura.

  40. Actividade que não consegue já exercer por força das sequelas já descritas.

  41. Teve medo perante a violência do ataque.

  42. Sofreu desgosto de ter perdido o “Rapaz”, animal de companhia a que muito se tinha afeiçoado.

  43. Passou a ter medo de passar nos arredores daquela casa.

  44. A perda de flexão do indicador e a limitação das pinças estáticas de preensão já descrita, obsta a que assine documentos com desenvoltura.

  45. Situação que muito a humilha.

  46. Não consegue segurar objectos com certo peso com a mão direita.

  47. Ficou limitada nas brincadeiras com os seus netos.

  48. O arguido é médico gastroenterologista 51. Desempenha a sua actividade profissional em clínicas.

  49. Aufere, em média, quantidade não inferior a € 2200,00 euros.

  50. Vive com a esposa e com uma filha de 27 anos.

  51. A sua esposa é médica e aufere pouco mais de € 3000,00 por mês.

  52. O agregado familiar vive naquela moradia supra descrita.

  53. O arguido e a sua esposa estão adstritos ao pagamento de uma prestação mensal de € 4000 para amortização de capital e de juros relativos ao contrato de financiamento da sua habitação.

  54. O arguido é responsável pelas dívidas de sociedades da sua titularidade já apresentadas à insolvência.

  55. Tem, assim, encargos mensais, por conta dessas dívidas, que rondam os € 2000,00 por mês.

  56. O arguido faz 900 km por semana, assegurando as despesas com combustível e portagens.

  57. Tem licenciatura em medicina.

  58. O arguido é profissional considerado.

  59. É estimado pelos seus pares.

  60. É considerado, no seu meio sócio-profissional como pessoa cordata e preocupada com o bem-estar dos outros.

  61. O arguido não tem qualquer condenação averbada no seu registo criminal.

    O...

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