Acórdão nº 4578-10.2TBALM.L2-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução26 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa * I – Relatório: M ...

, residente ...

intentou acção declarativa condenatória contra L..

, sito ...

pedindo a condenação do R. no pagamento à A. da quantia de € 100.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais (perda da vida de seu marido, C...).

Para tanto, alegou: - que, com seu marido, acordou com o R. residirem no Lar em causa, mediante contrapartida pecuniária; - ao R., entre outras obrigações, cabia retirar e transportar a A. e o seu marido, na sequência de internamento hospitalar, quando tivessem alta clínica; - C..., internado no Hospital Garcia de Orta, teve alta clínica em Dezembro de 2006, sendo que o R. não o foi buscar ao hospital, apesar de contactos da instituição e da filha do idoso nesse sentido, deixando-o abandonado nesse hospital; - aquele C... faleceu no hospital em Março de 2007, tendo a sua morte resultado da conduta omissiva e dolosa do R.; - a indemnização deve ser fixada em dinheiro, atendendo ao grau de culpa do lesante “e tendo em conta que foi uma vida que se perdeu e que a vida humana não é quantificável”, devendo “o R. pagar a título de indemnização pelo dano não patrimonial a quantia de € 100.000,00 (…) à A.” (cfr. art.º 51.º da p. i.).

O C..., pessoa colectiva religiosa, com sede ..., contestou: - alegando que “L...” é o nome de um estabelecimento social propriedade do C..., pelo que aquele L... não tem personalidade jurídica nem capacidade judiciária, não podendo, por isso, ser sujeito passivo ou parte no processo e sendo a sua citação nula; - impugnando diversa factualidade alegada na p. i.; - alegando que jamais teve conhecimento da alta clínica de C... e que a filha do mesmo e da A. se opunha a que o R. o fizesse regressar ao Lar, invocando falta de condições para a prestação dos cuidados que a saúde daquele impunha; - e defendendo que inexiste nexo causal entre o falecimento do idoso e o hipotético incumprimento de qualquer obrigação por parte do R..

Deduziu ainda pedido reconvencional, por falta de pagamento pela A. da contrapartida pecuniária do alojamento e serviços acordados, entre Abril e Dezembro de 2007, no valor total de € 10.598,18, acrescido de juros vencidos e vincendos, até integral pagamento.

A A. opôs-se à reconvenção, concluindo pela improcedência do pedido reconvencional.

Findos os articulados, julgada inadmissível a reconvenção, foi a A./Reconvinda absolvida da instância reconvencional.

Dispensada a audiência preliminar, saneado e condensado o processo, com selecção da matéria fáctica assente e controvertida, sem reclamações, foi realizada a audiência de julgamento e, decidida a matéria de facto, foi proferida sentença, pela qual foi a A. declarada parte ilegítima, com a consequente absolvição do R. da instância.

Inconformada, recorreu a A., vindo esta Relação a anular a sentença recorrida, no respeitante ao julgamento da excepção de ilegitimidade activa, para cumprimento pela 1.ª instância do disposto no n.º 3 do art.º 3.º do CPCiv., e, observado o contraditório, decisão em conformidade.

Observado na 1.ª instância o assim determinado, veio a A. dizer que está em causa um direito próprio seu e não um direito relativo à herança do falecido, acrescentando que a A. tem direito à indemnização por danos não patrimoniais, não por ser herdeira daquele, mas por ser familiar indicado no art.º 496.º, n.º 2, do CCiv., e concluindo pela sua legitimidade activa.

O R. veio insistir pela ilegitimidade activa, por preterição de litisconsórcio necessário legal (direito relativo à herança, a só poder ser exercido por todos os herdeiros), e sua consequente absolvição da instância.

Após o que foi proferida sentença – datada de 05/03/2014 –, pela qual foi a A. declarada parte ilegítima, com a consequente absolvição do R. da instância.

A A., novamente inconformada, veio então interpor recurso desta sentença, apresentando alegação, onde formula as seguintes Conclusões: «1ª)- A autora reclama do réu o pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, fundada em factos ilícitos praticados pelo réu, não na qualidade de herdeira, não por ser herdeira do marido, segundo a lei sucessória, mas por ser familiar indicado no artigo 496º, nº 2 do Código Civil e, por isso, não determina este preceito legal litisconsórcio necessário; 2ª)- A expressão «em conjunto», contida no nº 2 do artigo 496º do Código Civil, não tem significado processual nem determina a existência de litisconsórcio necessário e, por isso, a autora é parte legítima para demandar o réu/recorrido; 3ª)- A Mmª. Juíz, do Tribunal “a quo” ao ter declarado a autora/recorrente parte ilegítima, por entender existir litisconsórcio necessário, violou, entre outros o disposto no artigo 496º, nº 2, e 2091º, nº 1, do Código Civil, ao considerar a indemnização reclamada como correspondendo ao exercício de um direito relativo à herança que só pode ser exercido por todos.».

Pugna, assim, pelo provimento do recurso, substituindo-se a decisão recorrida por outra que julgue a A. parte legítima, e, em consequência, seja proferida sentença.

O Apelado não contra-alegou.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde resultam mantidos o regime e efeito recursório fixados.

II – Âmbito do Recurso: Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (exceptuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil actualmente em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([1]) –, constata-se que o thema decidendum consiste em saber se a A. é, ou não, parte ilegítima na acção indemnizatória intentada.

III – Fundamentação: A) Matéria de facto Na 1.ª instância foi, em sede de sentença, respondido à base instrutória, a que acresce a factualidade anteriormente considerada assente, resultando, assim, o seguinte acervo fáctico julgada provado: 1. - A A. e o seu falecido marido entraram no Lar do R. através da Segurança Social, em Outubro de 1991 (al.ª A) dos factos assentes).

  1. - O falecido marido da A., várias vezes precisou de internamento hospitalar no Hospital Garcia de Orta, em Almada (al.ª B) dos factos assentes).

  2. - E, sempre que lhe era dada alta, por parte do hospital, este entrava em contacto com o R., que de imediato ia buscar o seu utente ao Hospital, como sempre foi hábito e sua obrigação (al.ª C) dos factos assentes).

  3. - No dia 16 de Junho o marido da A. deu entrada no hospital Garcia de Orta, para substituição de uma prótese na anca (al.ª D) dos factos assentes).

  4. - E teve alta uma semana depois, sendo o R. a retirar o idoso do hospital, como já afirmou, era sua obrigação e nunca necessitou da autorização de algum familiar para o fazer (al.ª E) dos factos assentes).

  5. - Devido a uma infecção, em estado adiantado, o marido da A. voltou novamente a ser internado no hospital Garcia de Orta (al.ª F) dos factos assentes).

  6. - O marido da A. faleceu no Hospital no dia 26 de Março 2007 (al.ª G) dos factos assentes).

  7. - C... deu entrada no Hospital Garcia de Orta a 14 de Julho de 2006, onde permaneceu internado até à data em que faleceu, 21 de Março de 2007, sendo que lhe foi dada alta clínica a 21 de Dezembro de 2006 (resposta ao quesito 1.º).

  8. - O Hospital Garcia de Orta informou o C... que C... tinha alta clínica (resposta ao quesito 2.º).

  9. - C... sentia ansiedade em razão de permanecer no Hospital (resposta ao quesito 5.º).

  10. - O C... não retirou C... do Hospital Garcia de Orta, após alta clínica, ante a oposição da filha deste, M... (resposta ao quesito 10.º).

  11. - C... faleceu de pneumonia, contraída no curso do seu internamento (resposta ao quesito 14.º).

  12. - O réu, através de membros da sua Direcção, poderia, querendo, inteirar-se da situação clínica do Sr. C... (resposta ao quesito 18.º).

  13. - M... exigia do Lar que assegurasse médico, enfermeiro e vigilante em regime de permanência, caso contrário, o pai deveria permanecer no HGO, onde lhe seriam prestados os cuidados médicos de que necessitava (resposta ao quesito 20.º).

  14. - Afirmando sempre disse que o Pai devia ficar no HGO e que imputaria ao R. qualquer agravamento do estado de saúde de seu Pai caso o R. o fosse buscar (resposta ao quesito 21.º).

  15. - A filha da A. disse, ainda, que se alguém do HGO telefonasse para o Lar a informar que o Pai tinha alta que telefonassem imediatamente para ela (resposta ao quesito 22.º).

    B) O...

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