Acórdão nº 6222/14.OT8LRS-A.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelROSA RIBEIRO COELHO
Data da Resolução24 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I – MI intentou contra HJ procedimento cautelar de alimentos provisórios, pedindo que seja fixada em € 750,00 mensais a pensão de alimentos que o requerido, seu marido, lhe deve pagar.

Alegou, em síntese, estarem separados de facto desde 2008, não possuindo ela, que se encontra desempregada, outro meio de subsistência para além do valor mensal de € 253,00 que lhe é pago pela Segurança Social, enquanto o requerido aufere, como reformado da TAP, uma pensão no valor mensal líquido de € 3.500,00.

Não tendo sido obtido o acordo das partes tentado no início da audiência de julgamento, o requerido apresentou contestação onde pugna pela não concessão da providência e, produzida a prova, foi proferida sentença onde, julgando-se parcialmente procedente o pedido formulado, se condenou o requerido a pagar à requerente, a título de alimentos provisórios, desde o dia 01.06.2013 até ao dia 8 de cada mês, por meio de transferência bancária para conta a indicar por esta, a quantia mensal de € 500,00.

Contra tal decisão apelou o requerido, tendo apresentado alegações onde formula as seguintes conclusões: 1ª - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos de procedimento cautelar acima identificados, a qual, julgando procedente o procedimento cautelar, condenou o Requerido a pagar à Requerente, a título de alimentos provisórios devidos desde o dia 01/06/2013 até ao dia 08 de cada mês a quantia mensal de 500,00€ (quinhentos euros).

  1. - O Tribunal deu como provado que na pendência dos autos foi detectado ao Requerido uma doença do foro oncológico, designadamente um mieloma múltiplo, sendo que como consequência directa desta doença o Tribunal deu ainda como provado que o Requerido necessita de uma toma intensa de medicação e que necessita de ajuda de terceiros para executar actos pessoais diários tais como fazer a sua higiene pessoal.

  2. - O Tribunal não atribui ou reserva qualquer verba da pensão que o Requerido aufere para fazer face ao pagamento dos medicamentos e, bem assim, para pagar a esses terceiros que o ajudam a executar actos pessoais diários, tendo desconsiderado a documentação entregue pelo Requerido em sede de diligência de inquirição de testemunhas que comprova não só os montantes aproximados dos custos da medicação que tem de adquirir mensalmente como também os custos com as deslocações que o Requerido tem de efectuar mensalmente e de táxi ao IPO.

  3. - A luz das regras do experiência comum os factos provados e referidos na conclusão anterior são geradores de custos e, saliente-se, custos bastante elevados, pelo que deveria o Tribunal ter quantificado uma verba não inferior a 1.200€ mês para gastos do Requerido com consultas, medicamentos e terceiros que o ajudam nas tarefas diárias como higiene pessoal.

  4. - E aceitando este valor de 1.200€ como correcto então necessariamente se terá de concluir que o Requerido não tem, actualmente, condições económicas para pagar uma pensão de alimentos à Requerente ou, quanto muito, não tem condições para pagar uma pensão de alimentos que ultrapasse os 200€ mensais.

  5. - A decisão de que se recorre condenou o Requerido no pagamento da pensão de alimentos fixada desde o dia 01/06/2013, retroactividade essa decidida em consonância com o artigo 401º n.º 2 da redacção do CPC aplicável à presente providência em face da data da respectiva instauração; 7ª - Entende o Requerido que a decisão em causa viola o princípio do dispositivo constante do artigo 264º e, bem assim, o artigo 663º, ambos do CPC na redacção anterior a 01/09/2013, porquanto entre 01/06/2013 e 31/07/2014 o Requerido pagava em média 600€ mensais de colégio da menor filha de Requerida e Requerente; 8ª – A partir de Março de 2014 e até hoje, a acrescer ao pagamento do colégio, o Requerido passou a pagar todas as despesas decorrentes directa e indirectamente da sua doença, designadamente despesas com deslocações para consultas, medicamentos e apoio de terceiros.

  6. - Estas alterações de circunstâncias havidas no decorrer dos autos não foram valorizadas pelo Tribunal na medida em que o mesmo encontrou um determinado quantum que representaria a disponibilidade de tesouraria à data da prolação da decisão (Outubro de 2014) e extrapolou essa realidade para todo o percurso temporal ocorrido desde a data do requerimento inicial, sem curar de mitigar tal quantum com os factos que se verificavam na data em que a providência cautelar foi requerida e que o tribunal deu mesmo como provado nem com os factos supervenientes também dados como provados.

  7. - Se o Tribunal tivesse efectuado esse exercício facilmente concluiria que, no mínimo, aos 1700€ de despesas fixados na sentença acresciam até Julho de 2014 e em média 600€ mensais e, bem assim, que a partir de Março de 2014 ainda passaram a acrescer as despesas decorrentes da doença, determinando-se assim a evidente impossibilidade de o Requerido dispor de 500€ mensais para pagar a título de pensão de alimentos à Requerente.

  8. – O Tribunal a quo fez uma errada aplicação do artigo 1675º do CC ao considerar que a referência que é feita pelo legislador à culpa na separação de facto deixou de relevar desde a entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de 31/10/2008. Por força deste entendimento, o Tribunal não aferiu da existência ou não de culpa da Requerente na separação de facto, curando tão somente de apurar se estava ou não provada a separação de facto.

  9. - O que o Tribunal entende é que, na esteira do pretendido pelo legislador quanto ao apuramento da culpa para efeitos de decretamento do divórcio, também a culpa na separação de facto tornou-se, passe a expressão, letra morta.

  10. - Não se afigura ao Requerido que seja efectivamente essa a interpretação correcta para o n.º 3 do artigo 1675º, desde logo porque o Tribunal não teve em conta o disposto no artigo 9º n.º 3 do Código Civil 14ª - O facto do legislador com a Lei n.º 61/2008 ter procedido à alteração de vários artigos do Código Civil, designadamente aqueles que previam a exigência do apuramento da culpa no divórcio mas não ter alterado ou mesmo revogado o n.º 3 do artigo 1675º do CC deveria conduzir desde logo o Tribunal a entendimento contrário – de que a culpa na separação de facto para efeitos de alimentos continuava a ser relevante. Mais, 15ª - O pretendido pelo Legislador com a Lei n.º 61/2008 em matéria de abolição do apuramento da culpa foi aproximar a nossa legislação da existente noutros estados membros e evitar dessa forma que duas pessoas permanecessem casadas por insuficiência de prova da culpa. Isto é, e de forma sucinta, objectivar os fundamentos do divórcio e não subjectivar.

  11. - Mas as razões que presidiram a tal alteração quanto ao divórcio inexistem na determinação da obrigação de pagamento de alimentos, motivo pelo qual o legislador continuou a considerar a culpa como elemento relevante: Nesse sentido veja-se Ana Leal, em Guia Prático da Obrigação de Alimentos, Almedina, 2012, pág. 53: “Verifica-se, assim, que apesar das alterações introduzidas pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, que aprovou o novo regime do divórcio, manteve-se inalterada a redacção do art.º 1675º do C.Civ. mantendo-se a operância do critério da culpa para efeito da obrigação de prestação de alimentos em caso de separação de facto.” E o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/04/2014, consultado na Base de Dados do Ministério da Justiça, com o n.º de processo 1764/12.4TBVCD-A.P1: (…).

    IV - Vigorando o casamento, mas estando os cônjuges separados de facto, o dever de assistência, em que se compreende o de prestar alimentos, mantém-se, se a separação não for imputável a qualquer dos cônjuges V - Se o for a um deles ou a ambos, nos termos do artº 1675º, nº 3, C. Civil, aquele dever só incumbe, em princípio, ao único ou principal culpado, embora o tribunal possa, excepcionalmente, por motivos de equidade, impor esse dever ao cônjuge inocente ou menos culpado, considerando as particulares circunstâncias ali referidas.

    VI - Sendo a acção de alimentos instaurada previamente à de divórcio e não havendo, em função desta, alteração da causa de pedir alegada naquela, a sua apreciação deve ser feita à luz do artº 2015º, do C. Civil, e não do artº 2016º.

    VII - Na acção de alimentos entre cônjuges separado de facto, compete ao requerente alegar e provar, além dos requisitos da sua necessidade e possibilidade do outro, que a separação não é imputável a qualquer deles; e compete àquele que alegar a culpa ou principal culpa do outro, prová-la.

    VIII - Compete, ainda, ao requerente, para o caso de ser considerado culpado ou principal culpado, alegar e provar as circunstâncias que, excepcionalmente, autorizam que o tribunal, por motivos de equidade, lhe reconheça o direito a alimentos e imponha o respectivo dever ao cônjuge inocente ou menos culpado.

  12. - Aplicando os ensinamentos constantes no Acórdão acima transcrito temos que a Requerente teria de alegar e provar que a separação de facto não era imputável culposamente a nenhum dos cônjuges ou então alegar e provar que o cônjuge requerido era o único e principal culpado dessa separação.

  13. - Porém, no requerimento inicial a Requerente limita-se a alegar que o Requerido abandonou o lar em Outubro de 2008, sendo que mesmo este facto pouco circunstanciado a Requerente não logrou provar.

  14. - Em suma, a Requerente não alegou ou, quanto muito, alegou deficientemente, que a separação não procedia de culpa sua. No entanto não logrou provar esse facto alegado.

  15. - Por seu turno o Requerido alegou e provou que a separação de facto procede única e exclusivamente de culpa da Requerente, designadamente que foi esta que mudou o canhão da fechadura da porta da casa de morada de família tentando e conseguindo que este não entrasse nessa casa e que, perante uma decisão proferida em sede de providência cautelar especificada de restituição provisória da posse ordenando a entrega de umas chaves ao Requerido, optou por abandonar o lar...

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