Acórdão nº 644/10.2YXLSB.L1 -1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelEURICO DOS REIS
Data da Resolução17 de Março de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA Relatório: 1. A A intentou contra a R e o R a presente acção declarativa com processo comum e forma sumária que, sob o n.º 644/10.2YXLSB, correu termos pelo 8º Juízo Cível de Lisboa, na qual pede que os Réus sejam condenados a pagar-lhe, “… (a) título de indemnização a quantia de € 17.681,83 …, acrescida dos juros vincendos contabilizados à taxa de 4% sobre € 16.092,83, até integral pagamento” (sic - fls. 18).

Cumprido o ritual processual legalmente fixado e após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida a sentença de fls. 308 a 320, cujo decreto judicial tem o seguinte teor: “Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência: a) Absolvo a 1ª Ré (...) do pedido de condenação formulado pela Autora; b) Condeno o 2º Réu, (…) a pagar à Autora, (...) a quantia de € 17.681,83 (dezassete mil seiscentos e oitenta e um euros e oitenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa de 4%, desde 12.02.2010 até integral pagamento.

Custas por Autora e Réu, na proporção do decaimento.

Registe e notifique.” (sic - fls. 320).

Inconformado, o Réu (…) recorreu contra essa decisão (fls. 327), rematando as suas alegações com o pedido de que “… a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que absolva o recorrente de qualquer responsabilidade ou caso assim não se entenda que a responsabilidade seja repartida por todos os responsáveis pelo pagamento dos cheques rasurados (autora, lesada, 1.ª Ré e delinquentes aqui identificados) …” (fls. 368 - constituindo esse pedido a 69ª conclusão) e formulando, para tanto, as seguintes extraordinariamente extensas 68 conclusões, que só se transcrevem para que dúvidas não se suscitem acerca do exacto conteúdo das mesmas: “1. O recorrente discorda não só da decisão da matéria de fato dada como provada mas também da interpretação dada à mesma, considerando constarem dos autos elementos factuais, prova documental e testemunhal que impunham decisão diversa.

  1. Termos em que o presente recurso tem como fundamento específico o facto do recorrente (funcionário bancário da autora na altura da ocorrência dos fatos) não se conformar com a decisão proferida nos autos que o considerou o único responsável pelo pagamento de 2 (dois) cheques rasurados e que tal não tenha agido diligentemente uma vez que o tribunal a quo, salvo o devido respeito, deveria ter considerado provado que os comportamentos negligentes (da autora, lesada, e 1.ª Ré) e dolosos (dos delinquentes que furtaram e rasuraram os cheques) foram as causas reais e efetivas do pagamento das quantias peticionadas e que as mesmas contribuíram com as suas culpas para a movimentação indevida das contas da lesada.

  2. O recorrente discorda igualmente da decisão de direito como referido constante da sentença recorrida uma vez que além de violar diversas normas jurídicas, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter tido outra interpretação e aplicação a que acresce erros na determinação das normas aplicáveis uma vez que deveriam ter sido aplicadas outras normas jurídicas como adiante se demonstrará, Assim, 4. Desde logo da leitura da motivação da decisão de facto acima transcrita (constante de folhas 313 e 314 dos autos, II Volume) entende o recorrente, salvo o devido respeito, que a decisão do Tribunal a quo padece de falta de fundamentação uma vez que o mesmo se limita a enumerar a prova documental e testemunhal que serviu para firmar a sua convicção descurando notoriamente o exame e análise critica que recaiu sobre a prova violando claramente os n.º s 3 e 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC).

    5. Relativamente à decisão de facto desde logo o recorrente se insurge uma vez que se tendo dado como provado (Cfr. penúltimo e último parágrafo da motivação da decisão de facto constante de folhas 314 dos autos, II Volume) que “Quanto à verificação dos cheques antes de ser dado pagamento, resultou das testemunhas acima identificadas que os depósitos são verificados por duas pessoas e que cheques superiores a € 2500 são sempre verificados por duas pessoas. De acordo com o depoimento da testemunha S.A. quando a quantia titulada pelo cheque é superior a € 2500, o operador do balcão solicita autorização a outra colega para dar pagamento. No entanto esse colega não visualiza o cheque, o que só acontece com cheque de valor superior a € 10.000, e apenas faz a conferência sobre os titulares do cheque são clientes e se a conta se encontra aprovisionada com esse valor”.

  3. E se o depósito foi feito pelo recorrente essa autorização teve de ser dada por um superior pelo que o argumento de que “só foi feita a conferência dos cheques por parte de outro colega do réu, só que nessa conferência atento o valor do cheques ser inferior a € 10.000 não ser feita a visualização do cheque” deverá ser declarado manifestamente improcedente por violar claramente as regras da experiência comum uma vez que a própria conferência para valores superiores a € 2500 serve como “alerta” para situações de fraude sob pena de tal conferência ser destituída de qualquer efeito prático e que o superior que conferia os mesmos dava a respetiva autorização e também não vislumbrou qualquer problema face às diversas movimentações na conta da mesma cliente, a lesada A., C. Lda.

  4. Tal é confirmado pelo depoimento da testemunha S.A. (exata passagem que a seguir se transcreve e que implica decisão diversa da decisão impugnada): «A intervenção que tive foi dar supervisão dos cheques. No sistema (...). a partir de 2500 euros é solicitada a intervenção de uma supervisão a nível informático.

    O operador a partir do momento que tem o cheque na mão lança o cheque no sistema e é despoletado um pedido de supervisão que é dada por funcionários que tenham capacidade para tal - gravação de 03:20 minutos a 05: 28 minutos.

    Essa autorização é dada por questões de segurança, penso eu

    – gravação de 05:50 a 06: 07 minutos.

    Convém o supervisor ver se a conta sacada tem provisão, dinheiro etc

    – gravação 6: 35 a 6: 40 m.

  5. Porquanto a não ser assim prevaleceria a teoria de que a apresentação de dezenas de cheques emitidos pela mesma entidade que ultrapassem no global em muito os 10.000 euros mas individualmente inferiores a esse valor não necessitarem de uma autorização superior como referido pelas testemunhas arroladas pela Autora é manifestamente inverosímil e violadora das regras da experiência comum, pelo que a mesma mais não é do que uma tentativa de afastar a sua responsabilidade e transmiti-la para os Réus desprezando aliás a própria autora as regras de vigilância que todas as entidades bancárias devem de ter para valores elevados.

  6. A que acresce o facto das referidas “normas de procedimentos – conferência de assinaturas de cliente em movimentos de débito” da autora (constantes nas folhas 88 a 90 dos autos, 1.º Volume) preverem que as competências dos seus funcionários são feitas em regime de “delegação” de competências.

  7. Por outro lado, tal argumento (referido no ponto 3) só de per si não pode de maneira alguma afastar a responsabilidade da autora uma vez que os deveres de idoneidade e diligência dos funcionários bancários devem andar de mãos dadas com os deveres de vigilância ativa e de apertado controlo e supervisão dos seus gerentes e superiores (Cfr. Ac. do STJ, de 03-12-2009, Proc. 588/09.0YFLSB, Rel: Garcia Calejo, consultável «in» www.dsgi.pt.).

  8. Assim, não se considerando, a organização hierarquizada e fiscalizada por apertados sistemas de controlo e auditorias internas eficazes como se impõe seria destituída de qualquer efeito prático (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo: 2635/07.1TVLSB.L1.S1, 6.ª SECÇÃO, Relator: SALAZAR CASANOVA, consultável in www.dsgi.pt).

  9. Por outro lado, se a rasura dos cheques no seu montante, quer numérico, quer extenso, fossem tão notórias e grosseiras de certeza que o recorrente não procederia à sua validação.

  10. Ainda assim o réu admite a hipótese que face à grande afluência de clientes no balcão poderia ainda assim um funcionário bancário na análise de cheques apresentados a pagamento, conhecedor das “leges artis” ter pago os mesmos, uma vez que a parte numérica é bastante certa e uniforme e a maioria das palavras se mantiveram intocáveis o que poderia não constituir à primeira vista sinal de alarme e de suspeição. (Cfr. Cheques originais constantes de folhas 133 e 134 dos autos, I Volume).

  11. Aliás, se as rasuras dos cheques eram assim tão evidentes e grosseiras não se vislumbra a necessidade de se ter procedido à realização de perícia sobre os mesmos conforme ocorreu uma vez que tal só acontece normalmente em caso de dúvidas existentes (Cfr. 4.º parágrafo da sentença recorrida constante de folhas 319 dos autos, II Volume).

  12. Quanto à formação profissional do Trabalhador o Tribunal a quo de forma vaga e sem fazer qualquer análise crítica da mesma menciona que “dos depoimentos prestados pelas testemunhas de A. P.A., S.A., A. C. e M. S., que é a própria agência que dá formação ao trabalhador, ficando cerca de um mês a trabalhar com um funcionário mais antigo. Durante esse mês o novo trabalhador passa por três fases: a primeira que dura mais ou menos uma semana, o novo trabalhador fica por trás do operador antigo, na 2.ª fase o papel inverte-se e é o operador que fica por trás, a observar o desempenho do novo, e na 3.ª fase o novo operador fica sozinho, uma vez que já tem um número e uma pass-word”.

  13. No entanto, é falso que a autora tenha proporcionado qualquer formação profissional ao recorrente e muito menos resulta dos depoimentos acima citados pelo Tribunal a quo que a mesma a existir tivesse como objeto o “treino” dos funcionários e in casu do recorrente para a deteção de falsificações e rasuras dos cheques, inferindo-se exclusivamente das mesmas que a mesma é feita através de simples observação a olho nu.

  14. Tal é confirmado por todos os depoimentos, nomeadamente...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT