Acórdão nº 738/13.2TVLSB.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelSACARRAO MARTINS
Data da Resolução26 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO P..., intentou acção, sob a forma ordinária, contra Companhia de Seguros ..., pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe:

  1. A quantia de € 149.166,10, acrescidos de 23% de IVA, ou seja, um total de € 183 474,30.

  2. A quantia de € 2898,76 de indemnização por cada mês de privação do uso do imóvel, desde Fevereiro de 2013, inclusive, até integral pagamento da indemnização supra mencionada.

  3. Juros moratórios, à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento.

    Em síntese, alegou ter celebrado com a firma L... um contrato de cessão de posição contratual de um contrato de locação financeira que tinha por objecto um prédio urbano e em que figurava como locador a B.... Na sequência dessa cessão da posição contratual foi realizado um aditamento ao contrato de locação entre a autora e o B... que adquiriu por fusão o património global da B...

    Por imposição contratual da locadora, a autora celebrou um contrato de seguro, de forma a garantir a cobertura de todo o conjunto patrimonial que constitui o imóvel locado, contra os riscos mencionados na Clausula Décima Sétima, a saber: riscos de incêndio, roubo, queda de raio, explosão, tempestade, inundações, fenómenos sísmicos, aluimento de terras, danos por água, queda de aeronaves, choque ou impacto de veículos terrestres, choque ou impacto de objectos sólidos, derrame sistemas hidráulicos, derrame acidental de óleo, actos grevistas, actos de vandalismo, riscos eléctricos, responsabilidade civil proprietário/ocupante, demolição e remoção de escombros, quebra de vidros, espelhos e pedras mármore, queda, quebra de anúncios luminosos, queda, quebra de antenas, painéis solares, danos por furto ou roubo e assistência ao estabelecimento.

    A autora veio a celebrar o contrato de seguro com a ré, em 11 de Maio de 2012, tendo-se dirigido ao balcão do B... onde o gerente lhe solicitou que assinasse dois documentos, de que lhe não foi facultada cópia. A ré enviou à autora em 21 e 22 de Maio de 2012, respectivamente, as condições particulares e as condições gerais da apólice. Nenhumas outras condições foram dadas a conhecer à autora ou qualquer alteração às propostas.

    O prédio objecto do seguro foi assaltado, sendo o sinistro comunicado à seguradora que após peritagem pretendeu indemnizar a autora pelo valor de 5.000,00 euros, que esta não aceitou, tendo a ré dito à autora ser o valor máximo que garantia a cobertura em causa, tendo-lhe enviado o documento junto a fls. 108 dos autos para comprovar a informação, documento que o gerente da autora nunca vira e não constava das condições particulares e/ou gerais já enviadas anteriormente.

    Contestou a ré, confirmou a celebração do contrato de seguro e referiu que a indemnização devida é a proposta com base nas Condições Especiais da apólice, não estando a cobertura em causa – danos em imóvel em consequência de furto ou roubo - previstas nas Condições Gerais mas constando de um Protocolo celebrado entre o B... e a ré abrangendo as coberturas do quadro síntese, constantes do documento referido como junto a fls. 108 dos autos. A indemnização devida é a proposta pela ré, sendo que era ao B... que cabia informar a autora das condições e coberturas do seguro.

    Pugna pela improcedência da acção.

    Foi proferida SENTENÇA que julgou a acção procedente, por provada, e, em consequência, condenou a ré Companhia de Seguros ... a pagar à autora:

  4. A quantia de € 149.166,10, acrescidos de 23% de IVA, ou seja, um total de € 183 474,30.

  5. A quantia de € 2898,76 de indemnização por cada mês de privação do uso do imóvel, desde Fevereiro de 2013, inclusive, até integral pagamento da indemnização supra mencionada.

  6. Juros moratórios, à taxa legal, desde a citação, até integral pagamento.

    Não se conformando com a sentença, dela recorreu a ré, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1ª - Vem a recorrente condenada no pagamento à recorrida de indemnização pelos danos sofridos pelo imóvel objecto do contrato de seguro e pela privação do uso do imóvel, desde Fevereiro de 2013 até integral pagamento da referida indemnização.

    1. - A prova produzida nos autos não permite alcançar tal conclusão, conforme se demonstrará.

    2. - Desde logo, mal andou o tribunal recorrido na determinação da cobertura aplicável, conforme se demonstrará.

    3. - A recorrida assumiu a posição contratual de locatária em contrato de locação financeira celebrado com o B..., nos termos do qual era obrigada a celebrar contrato de seguro que garantisse, entre outras coberturas, as definidas na Cláusula 17ª nº1 de tal contrato.

      5ª - Sendo certo que a recorrida estava obrigada a contratar aqueles seguros, a mesma era livre para escolher qualquer seguradora com quem os quisesse contratar, devendo o ponto F) da matéria de facto dada como provada ser interpretado neste contexto.

    4. - Não obstante essa liberdade de que dispunha, a recorrida optou por celebrar o contrato de seguro multirriscos com a recorrente, o qual lhe foi proposto pela locadora ao abrigo de um Protocolo celebrado entre a locadora e a recorrente – protocolo que também se encontra junto aos autos.

    5. - Na sequência do furto de que foi alvo o imóvel seguro, veio a recorrida reclamar da recorrente o valor da reparação dos danos causados ao imóvel, o que a recorrente admitiu regularizar até ao limite da cobertura aplicável, cobertura essa que só poderá ser a de “Danos no imóvel em consequência de furto ou roubo”.

    6. - Porém, entendeu o tribunal recorrido que a cobertura aplicável é a de “Greves Assaltos e Tumultos” por ser a única que constava das Condições Particulares da apólice.

    7. - Salvo o devido respeito, impunha-se que o tribunal recorrido analisasse as circunstâncias em que o furto ocorreu e que questionasse se as mesmas poderiam enquadrar-se na cobertura de “Greves, assaltos e tumultos”, o que não sucedeu, optando por enquadrar a situação dos autos em tal cobertura apenas porque entendeu ter sido a única comunicada à recorrida, o que nos parece um claro vício de raciocínio que contamina a sentença recorrida.

      10º - O caso em apreço não se trata de um assalto, sendo manifesto que os conceitos de assalto e furto/roubo não confundem - se assim fosse, não se justificaria a previsão de duas coberturas distintas para cada uma das situações.

    8. - Acresce que, conforme resulta da articulação das Condições Particulares com as Condições Gerais, a cobertura de assalto é conjugada com a de greves e tumultos.

    9. - Parece-nos evidente que o conceito de assalto previsto na cobertura “Greves, Assaltos e Tumultos”, cujo conteúdo concreto melhor resulta definido das Condições Especiais, traduz--se no evento em que o imóvel seja tomado por terceiros no âmbito daqueles acontecimentos.

    10. - Ora, o imóvel não foi ocupado por terceiros, não foi tomado de assalto, e muito menos o foi no âmbito de uma greve ou um tumulto social; o imóvel e o seu recheio foram, lamentavelmente, furtados, tendo inclusive sido por furto que foi apresentada queixa às autoridades competentes (conforme ponto Q) da matéria de facto dada como provada).

    11. - A recorrente “não pretende accionar uma cobertura que não consta das Condições Gerais e Particulares da Apólice” pois não é a recorrente, na qualidade de seguradora, nem qualquer segurado, que escolhem accionar determinadas coberturas, uma vez que a aplicação da cobertura devida depende do enquadramento do conjunto dos factos que integram a ocorrência de um sinistro, análise que reveste cariz objectivo.

    12. - Para a análise de qualquer contrato de seguro, impõe-se a articulação entre as Condições Particulares e as Especiais para que, das primeiras, se possa retirar quais as coberturas contratadas e respectivos valores seguros e franquias e, das segundas, aferirmos dos eventos que se consideram abrangidos por cada uma das coberturas.

    13. - Não é a recorrente que determina a cobertura aplicável! É o próprio sinistro que, perante os factos em que se traduz, define a cobertura em que vai ser integrado, sendo manifesto que, por exemplo, um incêndio que deflagre no imóvel seguro nunca poderá ser um sinistro enquadrado na cobertura de danos por água, ainda que a seguradora ou o segurado assim o pretendessem.

    14. - Por outro lado, resulta a ideia de que o tribunal opta pela cobertura de “assalto” por ser aquela em que, com algum esforço, consegue encaixar o sinistro porque o mesmo, face ao que a recorrida ficou obrigada pela entidade locadora, teria, necessariamente, que ter enquadramento contratual.

    15. - Tal entendimento carece de razoabilidade pois, ainda que a estivesse obrigada a celebrar os contratos de seguro impostos pelo contrato de locação financeira, poderia não o fazer, incumprindo, assim, perante a locadora, tal obrigação contratual.

    16. - Donde, uma vez perante um sinistro, não poderá o tribunal concluir, sem mais, que o mesmo está a coberto do contrato de seguro apenas porque a recorrida, enquanto locatária, estava obrigada a ter um seguro que o cobrisse.

    17. - A recorrida celebrou, de facto, um contrato de seguro que garantia os riscos mencionados no contrato de locação financeira por si celebrado, mas a regularização dos sinistros que venham a afectar o imóvel só poderá ser efectuada por reporte às Condições Gerais, Especiais e Particulares que regem o contrato de seguro celebrado, e não em relação à cláusula do contrato de locação financeira que impõe a celebração de tal seguro.

    18. - Por tudo o que se deixou dito, é evidente e manifesto que o tribunal recorrido mal andou ao concluir pela integração do sinistro em causa nos presentes autos na cobertura de assalto, quando o mesmo mais não foi do que um furto, evento para o qual existe a cobertura específica e válida de “Danos no Imóvel em Consequência de Furto ou Roubo”, no âmbito da qual deveria ter sido o sinistro enquadrado.

    19. - Tal cobertura só não se encontrava expressamente prevista nas Condições Particulares da apólice por não ser, à data, reconhecida pelo sistema informático (ponto NN), mas a...

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