Acórdão nº 162/13.7YUSTR.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 05 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução05 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I.

Relatório: 1. Em processo de contra-ordenação, a arguida A impugnou judicialmente a decisão administrativa do I (Autoridade Adminstrativa), que a havia condenado pela prática de vinte e sete contra-ordenações ao disposto no art. 113.º, n.ºs 1, al. xxx), 2 e 6, da Lei n.º 5/2004, de 10/02, na coima única de € 80 000,00 (oitenta mil euros) Realizado o julgamento, pelo 1.º Juízo do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação, condenando a arguida nos seguintes termos (transcrição do respectivo dispositivo): «Face ao exposto, o Tribunal decide: - julgar improcedentes todas as nulidades invocadas pela Recorrente ; - julgar improcedente a questão da alteração não substancial suscitada, não revogando o despacho; - condenar a Recorrente pela prática de uma contraordenação, p.p. pelo art° 113°, n° 1, al. xxx) e n° 2 e 6 da Lei n° 5/2004, de 10 de Fevereiro ao pagamento da coima de € 20.000,00 (vinte mil euros); -absolver a Recorrente das demais contraordenações imputadas; - condenar a Recorrente ao pagamento das custas e demais encargos processuais, fixando-se a taxa de justiça em 4 Uc's.» 2. Inconformados, recorreram para este Tribunal da Relação de Lisboa: a) A arguida A, formulando as seguintes conclusões (transcrição): 1.

O presente recurso vem interposto da Sentença proferida em 28 de Abril de 2014, pela qual a Arguida foi condenada pela prática de um ilícito contraordenacional, previsto na alínea xxx) do n.º 1 do artigo 113.º da LCE e punível nos termos do n.º 2 do artigo 113.º da LCE, por suposto incumprimento da Deliberação da Autoridade Administrativa de 28 de Outubro de 2010, a título de negligência inconsciente, numa coima única de € 20.000,00 (vinte mil euros).

  1. A Sentença deve ser declarada nula, porquanto o processo enferma de vício processual que devia ter obstado ao conhecimento do mérito da causa, dada a preterição do direito de defesa da Arguida em prazo razoável, o que representa violação do artigo 32.º n.º 10 da CRP e também do princípio da igualdade de armas previsto no artigo 13.º da CRP.

  2. A Lei Quadro define no seu artigo 22.º que o prazo para exercício do direito de defesa é fixado entre 10 e 20 dias úteis.

  3. Sucede que este preceito legal foi redigido tendo por base a perspetiva da preparação da defesa de um único ilícito ou, pelo menos, não terá sido certamente redigido para conformar a preparação da defesa quanto à imputação de mais de 80 ilícitos.

  4. Tendo a Autoridade Administrativa decidido iniciar um processo de contraordenação para acusar pela alegada prática de mais de 80 ilícitos, tinha de conceder à Arguida um prazo razoável e adequado ao número de imputações a que tinha que se defender, o que não sucedeu no presente caso, em que a Autoridade Administrativa concedeu apenas 15 dias úteis, que posteriormente prorrogou apenas por mais 5.

  5. É manifesto o desequilíbrio que existe nestes processos de contraordenação, nos quais a Autoridade que acusa se arroga a faculdade de demorar o tempo que entende para investigar ao mesmo tempo que não tem de notificar a Arguida com os elementos referidos na Acusação e indefere o prazo que lhe é requerido por ser o razoável para preparar e apresentar a defesa escrita.

  6. A Sentença deve ser declarada nula, porquanto o processo enferma de nulidade por violação do princípio da presunção de inocência e pela não ponderação dos critérios respeitantes à coima na acusação, o que representa violação dos artigos 18.º e 50.º RGCO, 32.º n.º 2 da CRP e artigos 6.º n.º 2 e 48.º da Carta Europeia dos Direitos do Homem.

  7. Ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, verifica-se que, neste processo, o direito de defesa da Arguida e o princípio da presunção de inocência foram preteridos, na medida em que a Acusação, em violação do disposto no artigo 50.º do RGCO, não continha uma concretização de todos os aspetos de facto necessários para o exercício de tal direito.

  8. Na Acusação, a Autoridade Administrativa apresentou diversas conclusões e presunções que não assentavam em factos, mas em ideias pré-formadas daquela Autoridade Administrativa, que não corrigiu na decisão final.

  9. A Autoridade Administrativa qualificou a conduta da Arguida como grave, mas fê-lo com base em circunstâncias abstratas, justificando-se na importância da ORAC e não por referência a circunstâncias concretas do comportamento da Arguida, nem com base em quaisquer consequências que do mesmo tivessem advindo.

  10. A questão da imputação subjetiva tinha necessariamente de ser ponderada, porquanto o enquadramento subjetivo tem necessariamente repercussões ao nível da sanção que poderá vir a ser aplicada.

  11. Revela-se essencial que, aquando do exercício do direito de defesa pela Arguida, esta tenha oportunidade de se pronunciar sobre o enquadramento subjetivo que a Autoridade Administrativa faz dos factos em causa.

  12. A Acusação não continha qualquer especificação de factos relativamente a diversos critérios com influência na determinação da medida concreta da coima que a Autoridade Administrativa pretendia aplicar.

  13. O artigo 50.º do RGCO impõe que ao arguido seja dada a possibilidade de se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção em que incorre.

  14. Afigura-se perfeitamente claro que para que o arguido possa pronunciar-se de forma adequada sobre a sanção em que incorre, a Autoridade Administrativa deve (i) indicar qual o valor da coima que projeta aplicar e (ii) apresentar factos e elementos de prova relativamente aos fundamentos que a levaram a planear aplicar essa sanção, ou seja, a Autoridade Administrativa deve analisar na Acusação os critérios enunciados no artigo 18.º do RGCO.

  15. A Sentença deve ser declarada nula, porquanto o processo enferma de vício processual que devia ter obstado ao conhecimento do mérito da causa, dada a ininteligibilidade da acusação, que acarreta a nulidade da Sentença, nos termos do artigo 50.º do RGCO, artigo 283.º, n.º 3, do CPP e artigos 18.º, n.º 1, e 32.º, n.º 2 e n.º 10 da CRP.

  16. A A deparou-se com gravíssimas dificuldades na preparação da sua defesa, resultando algumas dessas dificuldades do facto de diversas questões relativas a matérias fundamentais em apreciação neste caso serem apresentadas pela Autoridade Administrativa na Acusação de forma absolutamente ininteligível.

  17. Não foi possível à Arguida compreender o iter cognoscitivo da Autoridade Administrativa na Acusação no que respeita ao número de infrações que esta Autoridade considerou que a A praticou.

  18. Nessa medida a Arguida não pôde defender-se convenientemente de 82 infrações que lhe estavam a ser imputadas sem compreender os factos que deram origem a tal imputação pela Autoridade Administrativa.

  19. As inconsistências e imprecisões da acusação impediram a A de refutar cabalmente as imputações que lhe foram dirigidas, em relação a muitas das quais não conseguiu sequer perceber os termos em que se encontravam formuladas.

  20. Do exposto resulta que não foi plenamente assegurado à A o exercício do seu direito constitucional e legal de defesa no âmbito de um processo de contraordenação, o que constitui mais uma nulidade insanável.

  21. Em suma, não foram fornecidos à A os elementos necessários para conhecer todos os aspetos relevantes para a decisão final, quer em termos de facto, quer em termos de Direito, sendo a transmissão desses elementos essencial para o cabal exercício do respetivo direito de defesa (cfr. a Jurisprudência uniformizada do Assento n.º 1/2003 do Supremo Tribunal de Justiça, in Diário da República, I Série-A, n.º 21, de 25 de Janeiro de 2003, pp. 547-558).

  22. A Sentença deve ser declarada nula por violação do princípio da separação de poderes e do processo justo e equitativo, nos termos do artigo 2.º, 20.º n.º 4 da CRP, artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 47.º 2.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

  23. A prossecução das funções e o uso dos poderes sancionatórios da Autoridade Administrativa encapotados no âmbito de um processo de fiscalização constituem uma violação do princípio da separação de poderes, ínsito no artigo 2.º da CRP.

  24. O princípio da separação de poderes enquanto pilar do Estado de Direito (com assento no artigo 2.º da CRP) é crucial para o saudável funcionamento do sistema de garantias constitucionais.

  25. Segundo este princípio, deve a atuação das autoridades reguladoras independentes ser de molde a não o desvirtuar através da forma do exercício dos poderes que lhes são conferidos pelo legislador.

  26. Muito embora enquadrados formalmente nos poderes de supervisão, os poderes de fiscalizar e de sancionar revestem naturezas diferentes e, por isso, o respetivo exercício também se encontra sujeito a regras diferentes: o exercício dos primeiros regula-se essencialmente pelo Direito administrativo ao passo que o exercício dos segundos se enquadra nas regras aplicáveis aos processos sancionatórios.

  27. O que se verificou no presente processo é que não foram integralmente respeitadas tais regras nem observados tais princípios, porquanto a Autoridade Administrativa conduziu um processo de fiscalização quando, na verdade, encontrava-se a investigar suspeitas da prática de infrações pela A.

  28. A atuação da Autoridade Administrativa acima descrita viola, para além do princípio da separação de poderes, o direito a um processo equitativo, ínsito no artigo 20.º, n.º 4 da CRP, no artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no artigo da 6.º Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 47.º, § 2.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

  29. A garantia de um processo equitativo é um dos princípios estruturantes do processo, e tem um particular destaque no âmbito do exercício da ação sancionatória.

  30. O presente processo de contraordenação –...

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