Acórdão nº 2204/14.0TTLSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução02 de Dezembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: I–RELATÓRIO: O MINISTÉRIO PÚBLICO colocado junto do Tribunal do Trabalho de Lisboa, veio apresentar, em 12/07/2014, petição inicial relativa a ação declarativa de reconhecimento da existência de contrato de trabalho com processo especial regulada nos artigos 186.º-K e seguintes do Código do Processo do Trabalho, contra a Ré AA, NIPC n.º (…) e com sede na (…) Lisboa, pedindo, com referência a BB, com o Cartão de Cidadão n.º (…) NIF (…) e residência na (…), Lisboa, o seguinte: «Nestes termos, e nos mais de direito, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, declarando-se a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, entre o trabalhador BB e a Ré AA, com antiguidade reportada ao ano letivo 2007/2008.» (…) * Tal petição inicial do Ministério Público fundou-se no Auto de Utilização indevida de contrato de prestação de serviços, levantado no dia 09/06/2014 por duas Inspetoras da ACT e que se mostra junto a fls. 4 e seguintes dos autos.

O Auto de Notícia certificava o procedimento imputado à arguida (e aqui Ré), constatado no dia 09/06/2014 e que se traduzia no facto da mesma ter BB ao seu serviço profissional, como docente, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, quando a forma quotidiana como aquele desenvolvia a sua atividade indiciava a existência de uma relação de índole laboral. Notificada a arguida, veio a mesma apresentar o requerimento de fls. 189 e 190, onde pugnava pela natureza autónoma, entre diversos outros, do vínculo estabelecido com o referido docente BB.

A ACT, face a tal posição da AA, procedeu à participação ao Ministério Público do expediente junto a fls. 1 a 190, nos termos n.º 3 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.

[[1]] * A Ré, na sequência do despacho judicial de fls. 217, foi citada a fls. 218 e 218 verso, por carta registada com Aviso de Receção, tendo apresentado a contestação + documentos de fls. 219 a 327, (…) pugnando pela inexistência da relação de trabalho subordinado invocada pelo Ministério Público (artigos 228.º a 303.ª), (…) e pedindo, em síntese, o seguinte: «Termos em que, com o Mui Douto Provimento de V./Exa., devem as invocadas exceções ser julgadas procedentes por provadas, com as respetivas consequências legais ou, sem conceder, a presente ação ser julgada totalmente improcedente por não provada, sendo a Ré absolvida do pedido, com todas as consequências legalmente previstas». * (…) Procedeu-se ao início da Audiência de Discussão e Julgamento, com observância das legais formalidades, conforme melhor resulta da respetiva ata (fls. 396 e seguintes), podendo ler-se na respetiva Ata o seguinte: «Declarada aberta a audiência, pela Mma. Juíza foi tentada a resolução do conflito, o que veio a ser conseguido, tendo o trabalhador BB declarado que não pretende alterar a natureza jurídica do contrato de docência, que vem subscrevendo ao longo dos anos, com a ré AA.

Pretende continuar no regime de recibos verdes e sem subordinação porquanto está vinculado, por contrato de trabalho, com outra empresa e o reconhecimento no âmbito da presente ação de um contrato de trabalho com a Ré AA poderá interferir com a sua relação laboral.

As aulas que leciona para a ré correspondem a um part-time - "seis horas semanais no 2.º semestre de cada ano letivo " -, que faz com gosto, não pretendendo que lhe seja reconhecido, por essa atividade, a existência de qualquer contrato de trabalho. Declara ainda não estar em situação de dependência económica da atividade que presta à ré, já que a principal fonte dos seus rendimentos advém do contrato de trabalho que mantem com outra empresa.

Declarou pretender desistir, se tal admissível, do presente processo.

Mais declara que leciona ainda noutras instituições de ensino, no mesmo regime em que o faz com a ré AA.

Neste momento foi-lhe explicado pelo tribunal as implicações da desistência, tendo o declarante declarado pretender fazer desistir do pedido em seu nome formulado, deixando claro que o faz de forma consciente e livre.

Seguidamente, pela Mma Juíza, foi proferido o seguinte DESPACHO: «Na presente ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, pese embora o impulso processual caiba ao M.º P.º, estão em causa direitos disponíveis.

A natureza disponível do direito em apreciação é reconhecida no acórdão do tribunal Constitucional, proferido nos autos por remissão para o Ac. n° 94/2015, no qual se refere expressamente o seguinte, a propósito do princípio da liberdade de escolha do género de trabalho: "Independentemente das eventuais deficiências técnicas deste regime apontadas pela decisão recorrida (...), a verdade é que o mesmo garante a intervenção nos autos, quer do trabalhador, quer da entidade empregadora, sendo facultada ao trabalhador, a oportunidade processual de tomar posição quanto às circunstâncias concretas em que desenvolve a sua atividade, podendo, além do mais, invocar que se pretendeu vincular num regime que não o de contrato de trabalho (designadamente, por não querer estar sujeito a nenhuma relação de subordinação jurídica ou por estar vinculado a uma relação jurídica de um específico tipo contratual que não lhe permite ter outra relação jurídica de natureza laboral)".

Com esse fundamento, pronunciou-se o referido acórdão pela constitucionalidade da lei em apreciação.

Conforme decorre das declarações ora prestadas pelo interessado nos presentes autos, este pretendeu vincular-se com a Ré no âmbito de um contrato sem natureza laboral e sem subordinação e pretende manter a sua vinculação à Ré no denominado regime de "recibos verdes", leia-se "prestação de serviços" tendo ainda expressamente referido que mantém um contrato de trabalho com outra entidade, não lhe sendo conveniente qualquer reconhecimento da existência de um contrato de trabalho com a Ré.

Por conseguinte, tendo em conta a manifestação de vontade do titular do interesse que se pretende proteger com a propositura da presente ação, é entendimento do tribunal que o M.° P.° não tem legitimidade para se pronunciar quanto à desistência do pedido apresentado pelo titular do interesse que se pretende proteger.

Pelo exposto, homologo a desistência do pedido e, consequentemente, declaro extinto o direito que se pretendia fazer valer na presente ação.

Sem custas, por a ação ter sido intentada pelo M.° P.° e o interessado BB não ter intervindo formalmente nos autos.

Fixo à ação o valor de € 30.001,00 (art.º 186.º-Q, n.º 2 do CPT).

Registe e notifique.

Cumpra o disposto no art.º 186.º- O, n.º 9 do CPT.». * O ilustre magistrado do Ministério Público, inconformado com tal sentença, veio, a fls. 401 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 412 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

* O Apelante Ministério Público apresentou, a fls. 402 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões: (…) * A Ré não apresentou contra-alegações, dentro do prazo legal, apesar de notificada para esse efeito (fls. 411).

* Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.

II–OS FACTOS: A Matéria de Facto com relevância para o objeto do presente recurso de Apelação mostra-se descrita no Relatório do presente Aresto, dando-se aqui o seu teor por integralmente reproduzido.

III–OS FACTOS E O DIREITO: É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).

* A– REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS: Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da instância da presente ação ter-se iniciado em 12/07/2014 (na sequência de uma primeira fase, de índole administrativa, que foi iniciada e tramitada na e pela ACT, tendo o Auto de participação da infração de 09/6/2014 dado entrada nos serviços do Ministério Público em 07/7/2014, vindo a petição inicial a ser apresentada depois no dia 12/7/2014) ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10[[2]] e depois pela Lei n.º 63/2013, que se tornaram juridicamente efetivas no dia 1 de Setembro de 2013 (cfr. artigo 6.º de tal diploma legal).

Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.

Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.

Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2013 e Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, com início de vigência a 1 de Setembro de 2013 –, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data. B–OBJETO DO RECURSO DE APELAÇÃO: A única questão que se suscita no quadro do presente recurso de Apelação é a seguinte: é válida e legítima a desistência do pedido formulada pelo (alegado) trabalhador, nos termos em que, formalmente, foi levada a...

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