Acórdão nº 2125/13.3TVLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Dezembro de 2015
Magistrado Responsável | SOUSA PINTO |
Data da Resolução | 17 de Dezembro de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Os juízes desembargadores que integram este colectivo da 2.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, acordam, I – RELATÓRIO PG, MJ eXC intentam a presente acção declarativa de condenação com processo comum contraA – Companhia de Seguros, S A (A) e Caixa Geral de Depósitos, S A (CGD), tendo pedido: a) seja a RéA condenada a pagar á CGD o montante de € 96.874,30 a título de capital em dívida á data do sinistro, dando-se como liquidado o contrato de mútuo celebrado pela 1ª A. e o seu falecido marido com a 2ª Ré CGD; b) seja a CGD condenada a pagar aos AA. o montante de € 5.235,46, a título de pagamentos feitos desde a data do óbito do tomador do seguro até à presente data, bem como nos valores que vierem a ser suportados pelos AA. com os pagamentos vincendos, acrescido dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos.
Alegaram para tanto, e em síntese, que são os únicos herdeiros de H, sendo a 1ª autora a cônjuge sobrevivo e a 2ª e o 3º AA. os filhos de ambos.
O falecido e a 1ª A. celebraram com a CGD um contrato de mútuo para aquisição de uma fracção autónoma que identificaram tendo celebrado um contrato de seguro de grupo vida com a Companhia de SegurosA, para a qual e no referido âmbito transferiram a responsabilidade pelo pagamento á CGD do capital seguro em caso de morte ou invalidez total permanente. Preencheram, assinaram e entregaram a proposta de adesão ao seguro de grupo vida bem como o questionário clínico anexo à mesma, tendo o segurado respondido às perguntas especificamente colocadas no referido questionário clínico, não tendo declarado ou prestado informações inexactas ou erradas sobre o seu estado de saúde, não tendo então conhecimento da doença de que veio a falecer.
No dia 18 de Novembro de 2008 foi-lhe diagnosticado um glioma cerebral.
A 14 de janeiro de 2011 o segurado H veio a falecer devido a astrocitoma do tronco cerebral.
A 01 de janeiro de 2011 o capital seguro pela A ascendia a €96.874,30, tendo como beneficiário irrevogável, em caso de morte, a CGD pelo capital em dívida, até ao limite do capital seguro e pelo eventual remanescente do capital seguro.
Os herdeiros legais da pessoa segura, os AA., após o falecimento do segurado H, reclamaram junto da A o pagamento do capital seguro á CGD.
A A recusou fazê-lo por ter havido omissão de declarações.
Desde o óbito do segurado até Outubro 2013 os AA. pagaram á CGD € 5.235,46.
A Ré A contestou, por excepção, dizendo que o contrato de seguro entrou em vigor a 2 de Dezembro de 2008, data em que o falecido e a 1ª A. celebraram o contrato de mútuo, sendo que só nessa data se iniciou o risco. Na referida data o falecido sabia que sofria de tumor no cérebro e que por causa disso se vinha submetendo a tratamentos de quimioterapia e fisioterapia, apesar disso em momento algum deu a conhecer o referido facto à Ré, não só quando propôs o seguro, mas também na data do seu início. Era essencial para a Ré conhecer se o proponente sofria de tumores. Se no dia 2 de Dezembro de 2008 a Ré tivesse sido informada que o falecido estava doente, ter-se-ia recusado a manter em vigor o seguro. Ao ter aceite celebrar o contrato de seguro sobre a vida do falecido, a Ré fê- lo em erro, pelo que, em consequência, o contrato é anulável.
Defendeu-se ainda por impugnação.
Mais, deduziu reconvenção, pedindo seja decretada a anulação do contrato de seguro titulado pela adesão do falecido, alegando para tanto que aquando do preenchimento do questionário clínico o falecido respondeu de forma inexacta às questões que refere. Caso o falecido tivesse respondido de forma verdadeira, a A não teria aceite celebrar o contrato ou tê-lo-ia feito com prémio de seguro agravado em mais de 100% e aceitando um capital de risco menor do que aquele que efectivamente aceitou.
Contestou também a CGD, dizendo em síntese e no que releva, que enquanto credora da prestação, tem direito a fazer suas as prestações pagas no decurso da vigência do contrato, não impendendo sobre si qualquer dever de restituição de quaisquer quantias que receba a título de amortização do empréstimo. Se no final se vier a apurar que o ocorrido sinistro está incluso na cobertura disponibilizada pelo contrato de seguro, então os AA. têm direito a reclamar da seguradora e não da CGD as quantias que entretanto foi pagando mensalmente a título de amortização do empréstimo.
Replicaram os AA. dizendo, quanto à contestação da A, que o momento relevante não é o da celebração do contrato de mútuo, mas sim o momento da subscrição da proposta de seguro; o falecido apenas em Dezembro iniciou os tratamentos de radioterapia e quimioterapia; o falecido teve infecções, mas não doenças do órgão; o falecido não padeceu de qualquer doença da próstata ou doença de rins ou bexiga. Deve distinguir-se entre as informações relevantes para o risco que se vier a verificar e as inócuas. A causa da morte do falecido é alheia aos elementos alegadamente omitidos e mesmo que se considere que houve omissão, então haveria uma anulação parcial, excluindo o risco de doenças da próstata ou doenças dos rins e bexiga.
Foi proferido despacho saneador, objecto de reclamação, parcialmente deferida.
Realizou-se o julgamento.
Foi proferida sentença, onde, a final, se decidiu: «Termos em que se julga: - a acção totalmente improcedente por não provada e em consequência absolve-se as RR. de tudo o peticionado; - a reconvenção procedente por provada e em consequência anula-se o contrato de seguro celebrado entre a Ré A e H, titulado pelo certificado n.º ....43806, de adesão ao seguro de grupo titulado pela apólice n.º...5001202, sendo tomador do mesmo a Caixa Geral de Depósitos.
(…).» Inconformados com tal decisão vieram os AA. recorrer da mesma, tendo apresentada as suas alegações, nas quais verteram as seguintes conclusões: «A. A decisão recorrida conclui que, “ao abrigo do disposto no artº 429 do C Com, deve o contrato de seguro celebrado ser anulado por omissão de declaração à seguradora do diagnóstico de tumor cerebral de 18.11.2008, e assim deve ser julgada procedente a reconvenção.” B. O tribunal considerou relevante uma alegada omissão de um facto que só foi conhecido pelo falecido quase um mês depois de ter preenchido, assinado e entregue à Seguradora a proposta de adesão ao seguro de grupo vida, bem como o questionário clínico.
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E, com isso, postergou aquilo que é pacífico na jurisprudência sobre esta concreta questão, ou seja, que “[o] momento em que se tem de verificar a exactidão ou a reticência a que alude o artigo 429º do Código Comercial é o momento em que a proposta do segurado chega ao conhecimento da seguradora – cfr. artigo 224º do Código Civil.” D. No que releva para a análise do objeto do presente recurso, resultou provado que: - Em 22 de outubro de 2008, a 1ª autora e o seu falecido marido preencheram, assinaram e entregaram à 1ª ré a proposta de adesão ao seguro de grupo vida, bem como o questionário clínico anexo à proposta de adesão, cuja cópia consta a fls. 35 dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido. (al. F). - No dia 18 de novembro de 2008 (ou seja, quase um mês depois de ter preenchido, assinado e entregue à 1ª ré seguradora a referida proposta de adesão e o questionário clínico anexo), H compareceu no Serviço de Neurocirurgia do Hospital de Santa Ma[r]ia, tendo-lhe sido diagnosticado um glioma cerebral (al. N). - Em 14 de janeiro de 2011 H faleceu, constando do “Certificado de óbito” como causa directa da morte “Astrocitoma de tronco cerebral (al. A). (sublinhados e bold nossos) E. Não se provou que, à data da subscrição do “Questionário Clínico”, o falecido marido da autora tivesse conhecimento de que padecia de tumor maligno no cérebro (ponto 3.3.1 da sentença).
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Inexiste assim, para efeitos de aplicação do artº 429º do Código Comercial, qualquer declaração inexata ou reticente, ou qualquer omissão de declaração.
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“Cabia à Seguradora o ónus da prova de que o segurado, quando subscreveu a proposta de seguro e respondeu ao questionário clínico apresentado, tinha conhecimento de que padecia da doença que o vitimou, ou que exarou declarações falsas ou reticentes de factos ou circunstâncias dele conhecidas, susceptíveis de influir na formação do contrato e suas condições, enquanto relacionadas com a avaliação do risco a assumir”.
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Esse conhecimento [o conhecimento dos factos ou circunstâncias inexatamente declaradas ou omitidas] deve reportar-se ao momento da subscrição da proposta contratual, não podendo as declarações do segurado ser analisadas com base em sucessos posteriores à subscrição de tal proposta, na qual as ditas declarações são feitas. É que o vício do contrato, nos termos do art.º 429.º citado, refere-se tão só à formação do contrato e não ao desenvolvimento do mesmo.
I. A decisão recorrida contraria frontalmente o que é pacificamente aceite na doutrina e jurisprudência, que afirmam que o que releva para apurar dasalegadas omissões ou inexatidões a que se refere o artº 429º do Código Comercial é o momento em que a proposta do segurado chega ao conhecimento da seguradora, não podendo as declarações do segurado ser analisadas com base na sucessão de circunstâncias posteriores à subscrição de tal proposta, na qual as ditas declarações são feitas.
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E nem se diga, como refere a sentença, que o princípio geral da boa fé “impunha ao falecido H que, através de uma declaração complementar, comunicasse à Ré o diagnóstico que lhe tinha sido feito no dia 18.11.2008”.
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Não é a isso que conduz a interpretação do artº 429º do Código Comercial.
L. O que releva para apurar das alegadas omissões ou inexatidões a que se refere o artº 429º do Código Comercial é o momento em que a proposta do segurado chega ao conhecimento da...
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