Acórdão nº 31251/15.2T8LSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Abril de 2017
Magistrado Responsável | MARIA AM |
Data da Resolução | 26 de Abril de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam os Juizes, no Tribunal da Relação de Lisboa.
I.–Relatório: 1.–Pretensão sob recurso: revogação da decisão recorrida, e sua substituição por decisão que: a) não extinga a instância quanto ao R. BX, por impossibilidade da lide; b) não extinga a instância quanto ao R. B..., por inutilidade superveniente da lide; c) condene os RR., solidariamente, a reembolsar os AA do investimento realizado, no montante de € 150.000,00, acrescido dos juros remuneratórios, à taxa convencionada de 4,50%, até à maturidade em 10/12/2014 e dos juros moratórios, à taxa legal, até ao efectivo pagamento, para além dos danos morais, que se avaliam simbolicamente em 5.000,00.€.
1.1.–Pedido:condenação dos RR. no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais a liquidar em execução de sentença, e por danos morais, no valor de € 5.000,00.
Foi proferida decisão do seguinte teor: “Por todo o exposto, julgo extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, em conformidade com o disposto no artigo 277.º, al. e), do CPC, no que respeita ao Réu, “BX, S.A.”.
Custas em partes iguais – 536º, nº 1, Cód. Proc. Civil.
[…] Aplicando a jurisprudência uniformizada, com as devidas adaptações, atendendo a que no caso dos autos a declaração de insolvência não está contida numa sentença, mas existe uma decisão de uma entidade administrativa, à qual a lei atribui os efeitos de tal declaração, não impugnada, cumpre declarar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao R. “B..., S.A.”, em liquidação. Pelos fundamentos expostos, julgo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, em conformidade com o disposto no artigo 277.º, al. e), do CPC, no que respeita ao R. “B..., S.A.”, em liquidação.
Custas em partes iguais – 536º, nº 1, Cód. Proc. Civil.
”.
1.2.–Inconformados com aquela decisão, os AA. apelaram, tendo formulado as seguintes conclusões: I–Da impossibilidade superveniente da lide quanto ao R. BX 1.-O B... não foi apenas intermediário na comercialização do papel comercial da ESI e RX, mas assumiu uma garantia efectiva do seu pagamento.
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-A garantia de pagamento prestada pelo B... resulta directamente das responsabilidades assumidas pelo BX na venda do papel comercial aos seus balcões e não de qualquer garantia prestada à EX ou RX, não estando, por conseguinte, abrangida pelos “passivos excluídos” em qualquer das deliberações do BdP.
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-Embora os poderes do BdP possam ser discricionários, não são arbitrários, pois, estão sujeitos aos princípios da adequação e proporcionalidade (art.º 139.º, n.º 2 do RGIF), bem como às regras enunciadas no art.º 145.º-H do RGIF e, naturalmente, aos princípios e direitos fundamentais garantidos pela Constituição.
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-A deliberação do BdP de 3 de Agosto de 2014, com a clarificação/correcção da deliberação de 29 de Dezembro de 2015, excluindo as responsabilidades para com os AA., violou direitos fundamentais constitucionalmente garantidos, como o direito de propriedade.
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-O B..., não obstante conhecer o perfil e vontade dos AA., em vez de aplicar as poupanças em depósitos a prazo, convenceu os AA. a subscrever papel comercial, dizendo que se tratava de um produto equivalente, com as mesmas garantias e segurança dos depósitos a prazo.
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-Quando os AA. adquiriram o papel comercial, fizeram-no porque o B... deu-lhes garantia de capital e juros, nos mesmos termos que qualquer depósito a prazo, pese embora tenham investido em papel comercial de empresas não financeiras do GX, garantias essas que acabaram reforçadas pelo próprio BdP, com a constituição da provisão e da escrow account.
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-Não se tratou, portanto, de uma mera operação de intermediação na venda de papel comercial de terceiros, mas de uma garantia efectiva de pagamento por parte do B…, o que levou o Banco de Portugal a obrigar o B... a constituir uma provisão especial para essa garantia e, mesmo, a constituir uma escrow account dedicada exclusivamente a esta finalidade, o que pressupõe a responsabilidade do B... pelo pagamento do papel comercial da Ex e RX vendido aos seu balcões.
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-O B... não informou os AA. sobre os riscos inerentes ao papel comercial, violando assim o disposto no art.17º n.º 2 do Dec. Lei nº 69/2004, nem alertou os AA. para o conflito de interesses, considerando que a entidade emitente pertencia ao Grupo GX.
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-O B... sabia perfeitamente que o investimento dos AA. no papel comercial da ESI era de risco muito elevado e, apesar disso, o B... não só vendeu papel comercial desta entidade nos seus balcões, como não alertou os AA. para o risco do investimento.
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-O B... violou o direito de informação, prestando falsas informações, para além de saber que estava a violar as instruções dos AA. que pretendiam depósitos a prazo ou equivalente, sempre com garantia de capital e juros, com a agravante de aquelas aplicações terem beneficiado empresas do GX, em conflito de interesses.
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-O B... é responsável, seja por responsabilidade pelos conselhos, por violação do dever de informação a cargo das instituições de crédito e dos intermediários financeiros, seja pela garantia, seja por assunção da dívida, seja por fiança.
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-Tendo em atenção o contexto das declarações negociais, o B... assumiu perante os AA. o compromisso firme e efectivo de garantia de reembolso da importância aplicada, com juros, no período convencionado.
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-O BdP, ao exigir a constituição da provisão e da escrow account para o efeito, implicitamente reconheceu que existia essa garantia efectiva de pagamento por parte do B..., que intermediou a venda do papel comercial.
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-Aliás o BdP declarou no Relatório da CPI (pág. 174) (doc. 1 da réplica).
“Foi remetido à CPI um conjunto de respostas dadas pelo Banco de Portugal, quando contactado por clientes detentores de papel comercial da ESI e RX, de que se transcrevem alguns excertos representativos: «A provisão que acautela o risco relacionado com o reembolso aos clientes de retalho do B... de papel comercial do GX foi transferida para o BX. Compete ao BX decidir sobre o reembolso do papel comercial do GX.» «(…) a provisão que acautela o risco relacionado com o reembolso aos clientes do B... do papel comercial do GX foi transferida para o BX.»”.
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-Por conseguinte, o B... é responsável, como garante, como resulta do atrás exposto e a responsabilidade transmitiu-se para o BX, por efeito da operação de resolução, como à frente se demonstrará.
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-Quer o B..., quer o BX, na Presidência de VX, efectuaram pagamentos a titulares de papel comercial da EX e da RX, o que implica o reconhecimento por parte do BX da sua responsabilidade para com os Clientes que adquiriram o papel comercial aos balcões dos B....
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-Nos termos em que foi realizada, a operação de resolução subsume-se a uma cisão-simples, nos termos do art.º 118.º, n.º 1 al. a)/CSC e por força do art.º 122.º, n.º 2/CSC: “As sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente, até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade cindida anteriores à inscrição da cisão no registo comercial.” 18.-A transferência dos activos sem os passivos e responsabilidades constitui uma manifesta violação de direitos patrimoniais de terceiros, que sempre estaria ferida de inconstitucionalidade, por violação do art.º 62.º, n.º 1 da Constituição, conforme a seguir se demonstrará.
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-Com a força jurídica que lhe é conferida pelo art.º 18.º da Constituição: “1 -Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
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-Conforme resulta imperativamente do art.º 18.º, n.º3 in fine da Constituição, requisito fundamental de quaisquer restrições a direitos e garantias fundamentais, é de não poderem ter por efeito “diminuir a extensão e o alcance dos preceitos constitucionais”.
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-A deliberação do BdP de 3 de Agosto de 2014, com a clarificação da Deliberação de 29 de Dezembro de 2015, no entendimento que transfere os activos do B... para o BX e deixa no B...-mau as responsabilidades, nomeadamente para com os ora AA., constitui um verdadeiro confisco.
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-É certo que a deliberação do Banco de Portugal foi tomada ao abrigo dos art.ºs 145.º-G, n.º 1 e 145.º-H do RGIF, mas, estas disposições, com a interpretação dada pela citada deliberação de 3 de Agosto do Conselho de Administração do Banco de Portugal, com a clarificação/rectificação da deliberação de 29 de Dezembro de 2015, ao excluírem a responsabilidade do BX para com os AA, constituem uma manifesta violação do art.º 62.º da Constituição, por se tratar de um claro confisco ou expropriação sem justa contrapartida.
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-E, constituem, ainda, uma clara violação da garantia do direito de propriedade consignada no art.º 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais.
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-Pelas mesmas razões, é inconstitucional o art.º 145.º-Q, n.º 4º al. c) do RGIF, na actual redacção, com a interpretação (ameaça) dada pela deliberação de 29 de Dezembro de 2015, que permite a retransmissão de passivos para o Banco objecto da medida de resolução.
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-Nem se diga que os interesses dos credores se encontram assegurados, atendendo ao disposto no art.º 145-D, nº 1 al. c)14 do RGIF, segundo o qual “Nenhum acionista ou credor da instituição de crédito objeto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação”.
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-O B... não se encontrava em situação de insolvência na altura da resolução. Apenas não apresentava os ratios impostos pelo BdP, após as correcções de imparidades resultantes de alguns relatórios de auditorias.
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-A avaliação do património do B..., segundo um critério de liquidação, afecta substancialmente os direitos dos credores, nomeadamente dos ora AA.
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-Por outro lado, atribuir ao Fundo de Resolução a responsabilidade pela indemnização dos credores (artigo 145.º-H n.º16 do RGIF), afecta gravemente as garantias dos credores, porquanto, como é sabido o único activo de Fundo de Resolução são as acções...
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