Acórdão nº 1208-16.2T8BRR-C.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL RODRIGUES
Data da Resolução23 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: 1.

–C... Lda., pessoa colectiva n.º 503904 775, intentou, em 20/01/2017, acção de impugnação de resolução contra a Massa Insolvente de P... CRL (adiante designada por “Massa Insolvente”), pessoa colectiva n.º 506 509 036, peticionando: (a) que seja declarada a ineficácia da resolução, a que procedeu o Administrador da Insolvência (AI), da adjudicação à Autora, em processo de execução fiscal, de prédio misto que foi propriedade da Insolvente; (b) ou, caso assim não se entenda, que seja reconhecido à Autora o direito de recusar a entrega do bem adquirido, nos termos do disposto no artigo 428º do Código de Processo Civil (CPC).

Fundamenta a Autora a sua pretensão, em síntese, na invalidade ou ineficácia da resolução operada, por: (i) omissão da indicação de factos na comunicação de resolução operada pelo AI, que permitam concluir pela prejudicialidade da adjudicação (venda) e pela existência de má-fé por parte da Autora, requisitos legalmente impostos para a admissibilidade da resolução em benefício da massa insolvente; (ii) inexistência de prejudicialidade na venda, considerando que foi feita em processo de execução fiscal, por meio de leilão electrónico, que a Direcção de Finanças de Setúbal observou escrupulosamente os critérios legais na determinação do valor mínimo de licitação, que a proposta apresentada pela Autora e aceite foi a mais elevada e ultrapassou os limites mínimos exigidos e o produto da venda destinou-se ao pagamento de um crédito (privilegiado) de que era credora a Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a agora Insolvente, crédito que sempre haveria de lhe ser pago com preferência sobre os restantes credores; (iii) inexistência de má-fé, porque a Autora, à data da celebração do negócio resolvido, não tinha conhecimento do carácter prejudicial do acto e de que a Parcoop se encontrava em situação de insolvência iminente, nem do início do processo de insolvência.

Subsidiariamente, alega que o AI deveria ter declarado, aquando da resolução e pedido de entrega do bem em causa, que estava em condições de restituir à Autora o preço recebido, ou seja, a quantia de 101.111,11€ e que, não o tendo feito, não tem o direito de resolver o negócio (adjudicação do imóvel) e outrossim assiste à Autora o direito a recusar a entrega do imóvel adquirido, nos termos do disposto nos artigos 428º e 432º, n.º 2, do Código Civil (CC).

A Massa Insolvente apresentou contestação, argumentando, em substância, que a venda, nos termos em que foi efectuada, diminuiu a satisfação dos credores da insolvência, por ser notório o reduzido valor da mesma, que a Autora pagou 0,37€ por cada m2 de terreno e o valor de mercado é de 140,00€ m2 para terrenos sem qualquer capacidade edificativa. E que, quando ocorreu a venda, encontrava-se em curso o processo de insolvência da P…, proprietária do imóvel em questão, circunstância que havia sido comunicada ao Serviço de Finanças do Montijo, factos estes que indiciam uma consciente intenção de, através da referida venda e das circunstâncias ali previstas, beneficiar a ora Autora, empresa cujo objecto social é a prestação de serviços e consultoria no âmbito do sector imobiliário (…) e que a Autora, conhecedora da iminência da insolvência, e perante a enorme discrepância entre o preço de venda e o preço real de mercado, não podia desconhecer a prejudicialidade daquela venda.

Termos em que concluiu pela improcedência da acção e absolvição da Ré do pedido, declarando-se a eficácia da resolução e condenando-se a Autora a restituir o imóvel em causa à Ré Massa Insolvente.

A Autora respondeu à contestação, mantendo a posição assumida na petição inicial.

A audiência prévia realizou-se na ausência da Ré, aqui Recorrente, e do seu mandatário, por não terem comparecido ao acto, apesar de regularmente convocados para o efeito, tendo, então, sido facultado ao mandatário da Autora, aqui Recorrida, a discussão de facto e de direito por se tencionar conhecer imediatamente do mérito da causa - cf. acta de fls. 52-53 (referência 366671939) e item I. do saneador-sentença, a fls. 54 e segs. (referência 366707051).

Posteriormente, 07-06-2017, foi proferido saneador-sentença onde se decidiu julgar a acção totalmente procedente, por provada, e declarar inválida e ineficaz a resolução em benefício da massa insolvente operada pelo Administrador de Insolvência.

  1. –Inconformada, a Ré Massa Insolvente recorreu para este Tribunal da Relação, e, alegando, formulou as seguintes conclusões: A.- Na sua análise, o Tribunal a quo cometeu os erros evidentes de conceptualização, que originou uma visão errónea sobre a actuação da Apelante nos presentes autos.

    B.- Designadamente, na sua análise desatendeu as datas, dos factos provados: “3.- A insolvência de P... CRL foi requerida em 13 de Abril de 2016, tendo a requerida sido citada em 3 de Junho de 2016.

  2. -No âmbito do processo executivo n.º 2194200901030884, instaurado pelo Serviço de Finanças do Montijo, contra P… CRL, foi penhorado o prédio misto, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 2173 e na matriz cadastral rústica sob o artigo 2 da secção G, da união das freguesias de Baixa da Banheira e Vale da Amoreira, concelho da Moita, e procedeu-se, em 18 de Abril de 2016, à venda do mesmo, na modalidade de leilão electrónico.

  3. - O título de transmissão do imóvel em causa foi emitido em 3 de Maio de 2016.” C.-Nos presentes autos, existem duas questões essenciais a “limitação do escopo da resolução a actos praticados pelo insolvente”, com esta conexionada “a resolução dos actos omissivos pelo insolvente” e a necessidade de preencher o requisito da má-fé na resolução condicional.

    D.-Nos termos do n.º 1 do art.º 120º do CIRE são resolúveis todos os actos ou omissões que sejam prejudiciais à Massa Insolvente nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.

    E.-O negócio resolvido consiste na alienação de um imóvel no âmbito de uma execução fiscal, entendendo o Tribunal a quo que tal alienação constitui um acto de terceiro, logo irresolúvel.

    F.-Nos termos do ordenamento jurídico nacional, designadamente do art.º 834º do CC, apesar da natureza coactiva da venda, o vendedor é o executado/insolvente e não o tribunal ou o exequente/Autoridade Tributária.

    G.-O vendedor, como sujeito material do negócio, é o executado e o tribunal/ Autoridade Tributária é apenas o sujeito formal, que actua, não como representante do executado, mas no uso do seu poder de jurisdição executiva, sem qualquer modificação na natureza do contrato de compra e venda.

    H.-Na verdade, na execução, o tribunal/Autoridade Tributária não vende no exercício do poder originariamente pertencente ao credor ou ao devedor, mas no exercício de um poder autónomo imanente à própria essência da função judiciária.

    Acresce que, no acto de resolução não estando em causa a legalidade do acto de disposição, mas a protecção dos credores do insolvente, nada obsta que um acto de disposição por via judicial seja, prejudicial para os credores do insolvente, e como tal objecto de resolução, na condição que este obedeça aos requisitos do art.º 120º do CIRE, seja prejudicial e haja má-fé do adquirente.

    I.-Pelo que ao excluir os actos praticados pelo Serviço de Finanças, no âmbito da execução fiscal, o Tribunal a quo compromete a capacidade resolutiva dos Administradores da Insolvência, mesmo quando os mesmos são prejudiciais e existe má-fé dos seus intervenientes.

    J.-Aliás, tal fundamento originaria que um bem vendido pelo insolvente poderia ser objecto de resolução, e uma venda judicial nas mesmas condições não poderia ser objecto de igual medida.

    K.-Mesmo que assim não se entendesse, o acto de alienação, prejudicial aos credores da insolvente, produziu-se por uma conduta omissiva da insolvente, que não defendeu o valore real do bem.

    L.-Na resolução em benefício da Massa Insolvente permite-se a “destruição de actos prejudiciais a esse património” para que os bens se mantenham na titularidade do insolvente e para reintegrar aqueles que nela se manteriam não fossem determinados actos omitidos pelo insolvente, como resulta do n.º 4 do art.º 120º do CIRE M.-A venda impugnada não teve a oposição do insolvente, pelo que, o património da insolvente viu-se reduzido pela omissão da insolvente ao permitir que o seu único imóvel fosse vendido por um valor simbólico em prejuízo dos demais credores sociais.

    N.-Pelo que também aqui, atendendo à grave conduta omissiva da insolvente, o negócio era resolúvel pela omissão praticada, atendendo ao disposto no art.º 120º do CIRE.

    O.-Da conjugação do estabelecido nos artigos 120.º e 121.º do CIRE decorre que, no plano dos pressupostos, a resolução em benefício da massa insolvente pode reconduzir-se a uma de duas modalidades, sendo que a resolução condicional, quando o acto visado tenha ocorrido mais de um ano e até dois anos antes do início do processo de insolvência, cujos pressupostos gerais, previstos no artigo 120.º, consistem na prejudicialidade do acto para a massa insolvente e na má fé do terceiro beneficiado.

    P.-Nos termos do n.º 1 do art. 120.º do CIRE, “podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência”, acrescentando o n.º 4 do mesmo artigo que a resolução pressupõe a má-fé do terceiro.

    Q.-Quanto à má-fé, nos termos do n.º 5, o legislador fez correspondê-la ao conhecimento, à data do acto, pela pessoa com quem o mesmo foi praticado, de qualquer das seguintes circunstâncias: iii) do início do processo de insolvência.

    R.-A tendência maioritária da jurisprudência é no sentido de entender que o ónus da prova dos pressupostos da resolução (a prejudicialidade e a má fé) recai sobre a ré massa...

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