Acórdão nº 31947/15.9T8LSB.L2-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelPAULA SANTOS
Data da Resolução08 de Novembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–Relatório: AAA instaurou a presente acção especial de tutela da personalidade do trabalhador, contra BBB, SA, pedindo a condenação da Ré a atribuir-lhe todas as funções profissionais correspondentes à categoria de empregado de mesa de 1ª, conforme disposto no IRCT, ou, no caso de manter o actual sistema de divisão de empregados de mesa em “áreas” e “runners”, a atribuir-lhe a posição de “área”, bem como abster-se de praticar actos discriminatórios, hostis, humilhantes, vexatórios, ou persistir directa ou indirectamente nos praticados, e dar-lhe o mesmo tratamento que confere aos demais empregados de mesa nas mesmas circunstâncias em que exercem as funções dessa categoria profissional, e também pagar-lhe a importância de 60.000€ a título de danos não patrimoniais, quantia a que acrescem juros de mora à taxa legal , desde a data da citação até efectivo pagamento.

Alega que - foi admitido ao serviço da Ré em 17 de Junho de 1982 para desempenhar a sua actividade profissional; - tem a categoria profissional de empregado de mesa de 1ª, pelo menos desde Outubro de 2007; - desde Abril de 2014 que a Ré o impede de desempenhar as funções da sua categoria profissional; - esse impedimento tem natureza persecutória e discriminatória e constitui assédio moral.

*** Citada, a Ré contestou arguindo a excepção de ilegitimidade, e impugna a matéria factual alegada pelo Autor.

Conclui pela procedência da excepção e, caso assim se não entenda, pela improcedência da acção. Pede a condenação do Autor como litigante de má fé.

*** Foi proferida decisão que julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva da Ré, com a sua absolvição da instância, decisão que foi revogada por este Tribunal da Relação, que declarou a Ré parte legítima e determinou o prosseguimento dos autos.

[1] *** Baixados os autos à primeira instância foi fixado o objecto do litígio e foi dispensada a enunciação dos temas da prova.

*** Foi realizado julgamento com observância do legal formalismo.

*** Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, por não provada, absolvendo a Ré do pedido.

*** Inconformado, o Autor interpôs recurso, concluindo nas suas alegações, (…) Termos em que, e com o mais de douto suprimento, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, anulada a douta sentença e proferido douto Acórdão que, decidindo pela ilegalidade do impedimento de desempenho pelo A. das suas funções de Empregado de Mesa, considere procedente a acção e condene a Rda de acordo com o pedido formulado pelo A.

” *** A Ré contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

*** A Mma Juíza a quo pronunciou-se sobre a arguida nulidade da sentença, no sentido da sua improcedência.

*** O Exmo Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

*** Os autos foram aos vistos às Exmas Desembargadoras Adjuntas.

Cumpre apreciar e decidir.

*** II–Objecto do Recurso Sendo pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir - se a sentença é nula; - se o tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto, quanto aos factos impugnados; - se o Autor é discriminado pela Ré relativamente aos demais colegas, no que respeita às funções que exerce; - se a Ré incumpre a sua obrigação contratual em relação ao Autor, ao atribuir-lhe funções de “runner”; - acerca dos danos não patrimoniais.

*** III–Fundamentação de Facto São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância.

  1. – O requerente foi admitido ao serviço da requerida em 17/06/1982 para, sob autoridade e direcção dela, desempenhar a sua actividade profissional, sob o regime de contrato individual de trabalho.

  2. – A matéria aqui descrita é matéria de direito[2], razão pela qual se decide eliminá-la do elenco dos factos provados.

  3. – O local de trabalho do requerente é o estabelecimento da Ré, (…) em Lisboa.

  4. – O período de trabalho do requerente é de 40 horas semanais, por turnos fixos da seguinte forma: segunda-feira: 12,00h-15,00h/18,00-01,00; terça-feira: 17,00h-01,00; quarta-feira e quinta-feira: folga; sexta-feira: 18,30h-01,30h; sábado: 17,30h-01,30h, e domingo: 18,00h-01,00h.

  5. – A retribuição base mensal do requerente é de € 897,53, acrescida de "comissão de vendas" e do trabalho nocturno referente às horas nocturnas de cada turno.

  6. – O requerente tem a categoria profissional de empregado de mesa de 1ª, pelo menos desde Outubro de 2007.

  7. – À data de 24/03/2009 o requerente era delegado sindical do (…).

  8. – Até 24/03/2009 o requerente sempre desempenhou na requerida funções profissionais próprias da categoria profissional de empregado de mesa de 1ª, constantes do IRCT, e que são as seguintes: serve refeições e bebidas a clientes, é responsável por um turno de mesas, executa e colabora na preparação das salas e arranjo das mesas para as refeições, das bandejas e dos carros destinados às refeições e bebidas das mesas do seu turno, acolhe e atende os clientes, apresenta-lhes a ementa ou lista do dia, dá-lhes explicações sobre os diversos pratos e bebidas e anota os pedidos; serve os alimentos escolhidos, elabora e emite a conta dos consumos ( antecedida da "consulta de mesa" ), efectua a respectiva cobrança com a recepção do pagamento e efectivação dos trocos, no final procede à arrumação da sala na zona do seu turno.

  9. – Em 24/03/2009 a requerida suspendeu preventivamente o requerente do desempenho das suas funções, instaurou-lhe um processo disciplinar e, em 13/07/2009, despediu-o com invocação de justa causa.

  10. – O requerente impugnou judicialmente esse despedimento através do proc.° n.° 3437/09.6TTLSB, tendo, por sentença do 1° Juízo, 1ª Secção, do Tribunal do Trabalho de Lisboa confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, sido julgada procedente a acção e declarado ilícito o despedimento.

  11. – O requerente foi reintegrado na requerida em 4/03/2014.

  12. – Entre 3 e 13 de Abril de 2014 o requerente desempenhou as suas funções de Empregado de Mesa de 1ª, conforme descritas em 8, mas com recurso à caixa de colegas, em concreto dos colegas (…) e (…), uma vez que a requerida argumentava que o requerente não constava do registo de pessoal e, consequentemente, não tinha caixa própria no sistema de registos e contabilização em vigor para os empregados de mesa.

  13. – Nesse período temporal o requerente desempenhou as suas funções normais e, no final do trabalho, entregava o dinheiro ou talões de pagamento ao seu colega de turno, que o registava como se fosse dele embora num turno diferente daquele.

  14. – O requerente era o único empregado de mesa da empresa que não constava dos registos.

  15. – A requerida tinha despedido o requerente em 2009 com a acusação de furto e abuso de confiança, por alegadamente ele se ter apropriado de quantias das receitas dos seus serviços.

  16. – A requerida fez queixa-crime contra o requerente, imputando-lhe a prática de dois crimes de abuso de confiança, por se ter apropriado de quantias entregues por clientes para pagamento de produtos consumidos no restaurante.

  17. – Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido sobre recurso do despacho de pronúncia, foi decidido não pronunciar o requerente, por falta de indícios suficientes da prática dos crimes imputados pela requerida.

  18. – Quando a requerida voltou a colocar o requerente no registo de pessoal, alterou o seu número de empregado, que deixou de ser o 13.200 e passou a ser o 15.658.

  19. – A indumentária usada pelos "áreas" é diferente da que é usada pelos "runners", sendo que primeiros usam uma capa com capuz e os segundos têm um avental.

  20. – Entre 3 e 13 de Abril de 2014 o requerente usou a mesma indumentária que usava antes de Março de 2009, mas em 14/04/2015, por ordem da requerida, passou a usar a farda de "runner".

  21. – No dia 14/04/2014 a requerida implementou na Cervejaria (…) um sistema de trabalho em que divide os empregados de mesa em duas "classes" - os "áreas" e os "runners".

  22. – Essas duas "classes' desempenham funções completamente diferentes: os "áreas" atendem e servem os clientes e os "runners" são carregadores de comida e/ou de bebidas da cozinha ("controle") para as mesas e/ou dos "aparadores" para a copa.

  23. – O "área": toma nota dos pedidos das refeições e bebidas dos clientes, é responsável por um turno de mesas, executa e colabora na preparação das salas e arranjo das mesas para as refeições, das bandejas e dos carros (quando era o caso) destinados às refeições e bebidas das mesas do seu turno, acolhe e atende os clientes, apresenta-lhes a ementa ou lista do dia, dá-lhes explicações sobre os diversos pratos e bebidas e anota os pedidos; serve os alimentos escolhidos, elabora e emite a conta dos consumos (antecedida da "consulta de mesa"), efectua a respectiva cobrança com a recepção do pagamento e efectivação dos trocos, no final procede à arrumação da sala na zona do seu turno.

  24. – O "runner" transporta a comida e as bebidas da cozinha ("controle") para as mesas e/ou dos "aparadores" para a copa, de acordo com as indicações quantitativas que lhe dão, sem qualquer contacto com as mesas, a não ser para "descarregar" os pratos, nem com os clientes.

  25. – A partir de 14/04/2014 o autor passou a desempenhar as funções de "runner", nunca tendo desempenhado as funções de "área".

  26. – Já em 2013 a requerida tinha implementado esse sistema de funcionamento na Cervejaria Trindade durante um determinado período.

  27. – De todos os empregados de mesa ao serviço da requerida, o requerente é o segundo mais antigo (apenas o Colega (…) foi admitido antes dele).

  28. – Os empregados de mesa ao serviço da requerida desde data anterior a Março de 2009 são (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), e todos exercem as funções de "áreas".

  29. – Entre os "runners" há os das "comidas" e os das "bebidas e entradas", sendo que os primeiros são os que carregam mais peso.

  30. – O requerente foi sempre "runner" das comidas até 9 de Janeiro...

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