Acórdão nº 78/15.2T8VFC-A.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução29 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados: O Banco - SA, requereu uma execução contra E e mulher, ME,, com base num requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória.

O executado veio opor-se à execução, mediante embargos de executado, a que foi dado seguimento com base na inconstitucionalidade do art. 857 do CPC (o tribunal invocou o acórdão do Tribunal Constitucional 264/2015, o executado tinha invocado os acs. 714/2014 e 828/2014); excepcionou a ineptidão do requerimento de injunção e a nulidade do contrato celebrado com o Banco, por inobservância, por parte deste, dos deveres de comunicação e informação previstos nos artigos 5 e 6 do Decreto-Lei 446/85, de 25/10, e a usura dos juros pedidos; e impugnou o direito do Banco ao montante peticionado, por não serem devidos os juros remuneratórios.

O Banco contestou, impugnando quer os factos alegados como base das excepções quer os efeitos de direito que o executado quer retirar deles; alegou ter cumprido os deveres legais de comunicação e informação; e excepcionou o abuso de direito por parte do executado ao excepcionar a nulidade do contrato; Realizado o julgamento, os embargos foram julgados improcedentes, mantendo-se a execução.

O executado recorre desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que julgue procedente a excepção de nulidade do contrato e em consequência extinga a execução, ou para que seja anulada por contradição insanável entre a fundamentação e a decisão [sic] -, terminando as alegações do recurso com as seguintes conclusões (em síntese deste acórdão): 1. A decisão recorrida é nula porque os seus fundamentos estão em oposição com ela (sendo inclusivamente uma decisão surpresa atendendo ao teor das declarações das testemunhas): art. 615/1-c do CPC, já que tendo entendido que o Banco não cumpriu os deveres de comunicação e de informação dos arts. 6 e 8 do DL 446/85 se impunha que considerasse o contrato nulo.

2. O executado juntou, com os embargos, o contrato de mútuo, a ficha de informação normalizada e as condições gerais e especificas do mútuo, como documentos 6 e 7.

3. Alegou e provou que a assinatura de tais documentos não foi simultânea, que nunca esteve na presença do mutuante ou seu funcionário e que não lhe foram explicadas as cláusulas do contrato, tão pouco o que concerne aos seus elementos essenciais.

4. A ficha de informação normalizada, o contrato de mútuo e condições gerais do mútuo foram assinados a 16/07/2009 pelos executados.

5. Contudo, o contrato de mútuo e condições específicas foi redigido a 17/07/2009, ou seja, um dia depois da assinatura do contrato, o que é manifestamente impossível! 6. Ainda, as condições gerais do contrato, assinadas a 16/07/09, foram redigidas a 15/07/09, tudo conforme documentos 6 e 7.

7. O executado alegou e demonstrou que o Banco, para além de não o ter informado convenientemente das cláusulas e condições do contrato firmado entre ambos, ainda o enganou pois o executado assina os documentos todos a 16/07/2009, mas estes ora são redigidos a 15/07/09 ou a 17/07/2009.

8. O Banco não conseguiu explicar tal situação, de onde o tribunal a quo tenha dado como provado que “não foram comunicadas e esclarecidas aos executados as condições a que estavam a aderir, nomeadamente taxas de juros praticadas, comissões e cláusula penal inserta no documento assinado” e tenha dito que não se provou o cumprimento desses deveres de comunicação e informação.

9. Diga-se que nenhuma parte do contrato foi efectivamente discutida, informada ou negociada, retirando-se do testemunho do vendedor (chamado à lide pelo tribunal a quo) que apenas foi dito ao executado qual o preço da viatura e montante pecuniário da mensalidade a pagar.

10. Quanto a estes factos o tribunal a quo formulou a sua convicção dando por provados os factos sob 14 e 24.

11. Dos factos provados resulta igualmente a condição de analfabetismo dos executados à data dos factos e inclusivamente após a citação.

12. A sentença recorrida vai exactamente no sentido contrário da jurisprudência dominante, pois que, sendo dados por provados os mesmos factos - para além de falecer a necessária comunicação das CCG aos executados, também as assinaturas não foram apostas em simultâneo, em que a assinatura do exequente corresponde a uma digitalização da assinatura, impressa no contrato de mútuo -, o ac. do STJ [de 30/10/2007] processo n.º 07A3048, confirmou o ac. do TRL, no qual se decidiu pela absolvição dos réus.

13. Naquele ac. do STJ diz-se que: “Nos contratos de crédito ao consumo em que intervêm, além do comprador, o financiador e o vendedor, não sendo simultâneas as assinaturas das três partes contratualmente envolvidas, sai afrontada a defesa do consumidor e o seu direito a ser informado, se o financiador, usando de CCG comete a terceiro (a entidade vendedora do bem) o dever de informação, como que numa delegação de competência que viola um seu dever pessoal, mais a mais, sendo o consumidor analfabeto (…)”. “Importa considerar que qualquer contrato só se considera perfeito se a proposta for aceite e, concedendo que no caso dos autos porque três são os intervenientes no contrato, as assinaturas não [sejam simultâneas parece-nos que trai a defesa do consumidor cometer a terceiro] o dever de informação; no caso teria sido a entidade vendedora do veículo cuja aquisição foi financiada pela recorrente quem procedeu à informação como que numa informal delegação de competência deferida pela ora recorrente […].

14. No mesmo sentido, vai o ac. do TRL de 15/03/2012, proc. 1693/2002.L1-6: ”Não tendo a contratante proponente provado que foi cumprido o dever legal de comunicação e informação, devem ser excluídas do contrato todas essas cláusulas nos termos do artigo 8 do DL 446/85 e deverá o contrato ser declarado nulo ao abrigo do art. 9/2 do DL 446/85, por se verificar uma indeterminação insuprível dos elementos essenciais do contrato.

15. A acolher a sentença recorrida, fica assente que o Banco infringiu a lei no que toca à protecção do executado enquanto consumidor, porém sem qualquer cominação.

16. A razão pela qual o Banco não cumpriu com a lei no que toca à fase pré-contratual, é precisamente para levar o executado a vincular-se a um contrato que não conhece, controlando a sua decisão deste modo no sentido de aderir ao que lhe é proposto, sem reservas, negociação ou explicações.

17. O Banco não reúne presencialmente com o executado, não lhe explica ou faz entender os contornos do contrato que apresenta, leva-o a assinar toda a documentação e depois de assinado o contrato e devidamente vinculado, é que se predispõe a esclarecer eventuais dúvidas. Que dúvidas poderia ter o executado, se nada lhe foi dado a conhecer? Este procedimento devia ser efectuado antes de celebrado o contrato e não depois.

18. O Banco agiu em abuso de direito ao vir exigir o cumprimento de obrigações às quais tinha obrigação legal de explicar e informar em detalhe para que o executado aderente tomasse uma decisão fundamentada, pois que lhe pede o pagamento uma quantia exorbitante a título de juros remuneratórios, abusivamente fixados sem que o executado conhecesse a sua taxa ou sequer tivesse oportunidade de a negociar. O mesmo se dirá quanto à cláusula penal por incumprimento contratual.

19. Quanto a esta matéria, decidiu o já referido ac. do TRL 1693/2002.L1-6 que: “A arguição da nulidade do contrato com este fundamento não constitui abuso de direito” […] 20. No mesmo sentido, vai o já referido ac. do STJ 07A3048: “Quanto à ponderação de abuso do direito por parte do consumidor que invoca vícios do contrato, após o início da sua execução, o tribunal deve actuar com particular prudência, já que, na relação de financiamento à aquisição de bens de consumo, é patente a desigualdade de meios entre o fornecedor dos bens ou serviços e o consumidor, sendo de equacionar se, ao actuar como actuou, a entidade financiadora da aquisição, prevalecendo-se de superioridade negocial em relação a quem recorreu ao crédito, não infringiu ela mesmo, em termos censuráveis, os deveres cooperação, de lealdade, e informação, em suma os princípios da boa fé”.

21. Não deve a pretensão do executado de ver declarada a nulidade do contrato de mútuo ser indeferida, por abuso de direito, se a Banco violou os deveres de cooperação, lealdade e informação, usando de má-fé contratual.

22. A clamorosa violação dos limites da boa fé, bons costumes ou fim do direito deve ser avaliada caso a caso, consoante as circunstâncias, sendo que, no caso do contratante que adere às cláusulas contratuais gerais, a violação dos limites da boa fé terá ser muito grave para se concluir pelo abuso do direito, face à especial protecção que a lei lhe concede e sob pena de esta protecção ser neutralizada (cfr neste sentido ac. do STJ de 28/04/2009, proc. 2/09.1YFLSB).

23. Ora, não se provou nos autos uma acção do executado que fosse contrária aos limites impostos pela boa fé e, naturalmente, o entendimento perfilhado na decisão recorrida falece em demonstrá-lo.

24. Neste sentido, vai o ac. do TRP de 04/10/2011, proc. 1341/08.4TJVNF.P1: “Na verdade, o facto de já ter decorrido um período de tempo durante o qual o contrato foi cumprido não significa necessariamente que o sujeito criou no proponente uma expectativa de que não irá impugnar a validade do contrato e de que prescindiu de se defender invocando a protecção que a lei lhe atribui, acontecendo que, frequentemente, só depois de decorrido algum tempo, quando ocorre uma situação de incumprimento, é que o contratante aderente se apercebe do sentido de algumas cláusulas.” O Banco contra-alegou, dizendo que: (também em síntese deste acórdão) 1. Contrariamente ao que o executado pretende e, também, ao que o tribunal a quo entendeu, o Banco não só cumpriu efectivamente com os referidos deveres de comunicação e informação, como tal resulta até inequívoco da matéria de facto provada nos...

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