Acórdão nº 341/17.8YHLSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelCRISTINA NEVES
Data da Resolução19 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO: J... Lda, pessoa colectiva n.º ..., com sede …, veio intentar o presente procedimento cautelar contra a sociedade F… Lda.

, pessoa colectiva n.º ..., com sede …, pedindo que sejam decretadas as providências cautelares de inibição da Requerida de qualquer violação iminente bem como a proibição da continuação da violação do modelo n.º 3223 de que é titular; que seja apreendida toda a mercadoria produzida e que constitua imitação do seu desenho ou modelo nacional n.º 3223; e ainda que seja decretado o arresto de bens móveis, imóveis e contas bancárias da Requerida para assegurar o pagamento da indemnização que peticionará na acção principal.

Alega em síntese que que é titular do registo do desenho ou modelo n.º 3223 de bonecos, que a Requerida viola ao imitar a boneca que consta da figura 1, comercializando-a por toda a ilha da Madeira, o que lhe tem causado prejuízos, tanto patrimoniais como morais, diminuindo o prestígio dos seus produtos.

A Requerida deduziu oposição, alegando a falta de mandato da requerente, a ineptidão da petição inicial, a litispendência pela dedução de pedido civil no âmbito de processo-crime contra si movido pela requerente, pelos mesmos factos, bem como a sua ilegitimidade passiva por a própria requerente alegar que outros comerciantes na Madeira, que identifica, comercializam esta boneca.

Sustenta ainda a improcedência do procedimento, alegando para o efeito que as bonecas por si comercializadas já o eram há muito na Madeira, antes do registo do desenho ou modelo da titularidade da Requerente e que, na sequência de queixa apresentada pela Requerente foi contra si instaurado um processo-crime no qual veio a ser absolvido dos crimes por que foi pronunciado.

Mais alega que não comercializa as bonecas em causa desde o início daquele processo, nem pretende fazê-lo até que tudo esteja definitivamente decidido.

A Requerente veio entretanto pedir a inversão do contencioso, ao que a Requerida se opôs.

Por despacho de 2.06.2017 foi admitido o pedido de inversão de contencioso e julgadas improcedentes as excepções e questões prévias invocadas pela Requerida na sua oposição: falta de mandato, ineptidão da petição inicial, litispendência e ilegitimidade passiva.

Tendo a requerida vindo requerer a suspensão da instância por prejudicialidade com o processo-crime, foi este pedido indeferido.

Realizou-se a audiência final com produção de prova, finda a qual foi proferida a seguinte “IV. Decisão Pelo exposto, tudo visto e ponderado, julgo este procedimento cautelar parcialmente procedente, nos termos expostos, e em consequência: a)- intimo a Requerida F... Lda. a abster-se de mandar fabricar, importar, exportar, distribuir, vender, comprar, ou por qualquer forma comercializar, a boneca b)- fixo uma sanção pecuniária compulsória no montante de €100,00 por cada dia de incumprimento do determinado em a); c-) determino a apreensão de todas as bonecas onde quer que se encontrem, nomeadamente nos locais indicados no art. 38 da petição inicial, ou nas instalações da Requerida e não se mostrem actualmente apreendidas á ordem de outro processo judicial, devendo neste caso ser apreendidas logo que cesse essa situação; d)- absolvo a Requerida dos demais pedidos contra si formulados; e)- indefiro o pedido de inversão do contencioso formulado pela Requerente.” Não conformada com esta decisão, impetrou a requerida recurso da mesma, impugnando a matéria de facto e de direito, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: “CONCLUSÕES: I –Nota prévia e consideração geral 1.- A requerente, ora recorrida, depois de ter comercializado o modelo de boneca com o trajo regional da Madeira, de 2008 a 2013, quando se sentiu concorrenciada por outros comerciantes do ramo, foi, consciente de que por força dessa divulgação, destruíra ou comprometera o requisito da “novidade” e “singularidade” de tal modelo proceder ao seu registo no Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

  1. - Não acompanhando os comerciantes do mesmo ramo, da Madeira, a publicação do Boletim da Propriedade Industrial, não reclamaram nos prazos legais da ilegalidade de que enfermava a pretensão de registo por parte da requerente, e do seu objectivo de, por via dele, criar, como criou, uma situação de concorrência desleal, com violação do disposto no nº 5., do artº 197º do CPI.

  2. - Obtido o registo em causa, a requerente intimidou a requerida e outros comerciantes do Funchal, através da apresentação de queixas-crime no âmbito das quais foram apreendidas as bonecas comercializadas pela requerida.

  3. - Declarada improcedente a acusação crime e ordenado o levantamento da apreensão, a requerente, ora recorrida, para obstar aos efeitos da decisão proferida no processo-crime junta por certidão aos autos e que reconheceu a nulidade do registo, lançou mão da presente providência cautelar, o que, por si só, constitui motivo bastante para que a mesma tivesse sido declarada improcedente.

    II–Da impugnação da matéria de facto a)-Quanto aos factos dados como provados 5.- “A F... com sede no Funchal, desde, pelo menos, 2010, manda fabricar, importa e comercializa – apondo-lhe uma etiqueta colocada no corpo da boneca com a sua denominação social e as palavras MADEIRA-FUNCHAL – a boneca:” (V. certidão da sentença penal e depoimento da testemunha R... – CD 13-07-2017 – entre 0:15:26.1 e 0:15:16.3) 6.- O ponto 6 dos factos assentes deve passar a ter a seguinte redacção: “As bonecas comercializadas pela requerida, e por outras empresas que as importam directamente, em vários estabelecimentos comerciais da Madeira, são fabricadas na China e têm um preço de venda ao público de € 7,00 (tamanho médio), menos de € 3,00 do que as bonecas (tamanho médio) comercializadas pela requerente em vários estabelecimentos comerciais da Madeira e também fabricadas na China”. (V. sentença penal e depoimento da testemunha R... – CD 13-07-2017 – entre 0:15.26.1 e 0:15:16.3 e entre esta e 0:05:55.2).

  4. - O ponto 11 dos factos provados deve passar a ter a seguinte redacção: “As bonecas comercializadas pela requerida e por outros comerciantes que as importam directamente da China, são vendidas em lojas por toda a ilha da Madeira, com especial incidência no Funchal” (V. os mesmos elementos de prova referidas na conclusão anterior).

  5. - O ponto 2 dos factos dados como provados regista um lapso de escrita relativamente à data do despacho que concedeu o registo do modelo em causa à requerente, devendo mencionar-se “28-08-2013” onde, por erro, se refere “28-03-2013”. b) Dos factos que também devem ser dados como provados 9.- Face ao referido, devem ser aditados aos factos provados, sob os números 12, 13 e 14, o seguinte: “12 -Que a requerida, actualmente, e desde a apreensão efectuada no âmbito do processo-crime, não comercializa a boneca referida no ponto 3 dos factos provados” (V. depoimento da testemunha R... - CD 13-07-2017, entre 0:05:04.2 e 0:15:16.3).

    “13 -Que existe, pelo menos, um outro retalhista, na Madeira, contra quem a requerente apresentou também queixa-crime, que importa directamente da China e fornece, aos lojistas da Região, boneca similar ao modelo registado pela requerente” (V. depoimento da testemunha R... e comentário da Meritíssima Juíza “a quo” ao mesmo – CD 13-07-2017, entre 0:15:16.3 e 0:20:21.4, e certidão da sentença criminal que refere processo de inquérito criminal contra outra empresa, de onde foi extraída certidão comprovativa de que não existe registo de propriedade industrial do trajo regional da Madeira).

    “14 -Que a requerente comercializa, desde 2008, boneca da Madeira a que respeita o modelo a que se refere o registo 3223 do INPI” (V. depoimento da testemunha Sofia Santos – CD 13-07-2017, entre 0:10:20.0 e 0:15:00.6, bem como certidão da sentença penal – se não for dado este facto como provado tal afigura-se contraditório com o ponto 10 do factos assentes e torna incompreensível a quebra de vendas a partir de 2013, com base na comparação a que a própria requerente faz relativamente às vendas por elas realizadas nos anos 2009, 2010, 2011 e 2012).

    III– Do Direito 10. -A douta sentença recorrida enferma de grave deficiência e nulidade por insuficiência na motivação e fundamentação da matéria de facto e deficiente análise crítica da prova, seja no tocante à certidão da sentença penal junta aos autos, seja dos depoimentos prestados pelas testemunhas no âmbito dos presentes autos.

  6. -A técnica de dar por reproduzida a sentença penal não corresponde ao legalmente exigido, no sentido de retirar de tal documento a prova dos factos que deles se pode e deve extrair, violando designadamente o artº 422º do CPCivil, bem como o disposto no artº 607º, nºs 3, 4 e 5 do mesmo Código, e enfermando a sentença recorrida da nulidade por violação das alíneas b) e c) do nº 1., do artº 615º do CPCivil.

  7. -A douta sentença recorrida, apesar da Meritíssima Juíza “a quo” ter referido que iria conhecer do alegado pela requerida na Oposição quanto à ilegalidade do registo e dos fundamentos quer o consubstanciam, não se pronunciou sobre os mesmos e, não obstante estarem sobejamente provados não os incluiu no elenco da matéria dada como assente, enfermando assim a sentença recorrida de nulidade por omissão de pronúncia (alínea d), do nº 1., do artº 615º do CPCivil).

  8. -Toda a actuação da requerente, ora recorrida, desde a efectivação do registo em causa até à presente providência, actuou sempre de má-fé, visando prejudicar e condicionar, em verdadeira concorrência desleal, os demais comerciantes do mesmo ramo, sendo inaceitável que a sentença recorrida não a tenha condenado como litigante de má fé.

  9. -Toda a actuação da requerente, ora recorrida, incluindo a presente providência, envolve um manifesto abuso de direito, importando um venire contra factum proprium – a divulgação a que procedera do modelo em causa durante cinco anos anteriores ao registo –...

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