Acórdão nº 13157/14.4T2SNT.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelPAULA SANTOS
Data da Resolução11 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–Relatório: AAA instaurou a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma de processo especial emergente de acidente de trabalho, contra a BBB, S.A.

, pedindo a condenação desta a pagar-lhe: a)-Os períodos de ITA, descontado o valor recebido pela Segurança Social, que à data da propositura da acção ascendia a 5.424,88€; b)-A quantia de €1.058,25, a título de despesas medicamentosas, consultas, exames de diagnóstico e tratamento; c)-A pensão devida pela IPP e eventual IPATH, a definir em sede de apenso de verificação e incapacidade.

Alega para tanto que, no dia 26 de Abril de 2016, pelas 7h30, preparava-se para se deslocar para o seu local de trabalho, quando, após fechar a porta da entrada da sua residência e descer os degraus de acesso ao logradouro, para se dirigir ao seu veículo, escorregou nos mesmos, tombando no logradouro, tendo de imediato sentido fortes dores na zona lombar.

Após se ter deslocado ao seu local de trabalho, e porque não conseguiu exercer a sua actividade profissional, dirigiu-se ao hospital da área, onde foi assistida.

Até 30-05-2014 foi assistida nos serviços da Ré.

A partir dessa data a Ré não mais se responsabilizou pela assistência médica à Autora por entender que o evento participado não é de caracterizar como acidente de trabalho.

Como consequência directa e necessária do acidente sofreu lesões que a incapacitaram temporária e permanentemente para o exercício da sua actividade profissional e teve despesas médicas e medicamentosas.

A Ré não pagou qualquer montante relativo a tais incapacidades nem com as despesas médicas e medicamentosas suportadas.

*** Regularmente citada, a Ré contestou, impugnando parcialmente os factos alegados pela Autora, e declarando, no essencial, não aceitar a caracterização do acidente como de trabalho.

*** Foi proferido despacho saneador, o qual conheceu da validade e regularidade da instância.

Foram fixados os factos assentes e os que constituíram a base instrutória.

*** Foi realizado julgamento com observância do legal formalismo.

*** A sentença julgou[1] “ a ação parcialmente procedente e, consequentemente: I–Condena-se a ré BBBB, S.A., a pagar à autora: - a quantia de €1.620.81 (mil seiscentos e vinte euros e oitenta e um cêntimos) correspondente à indemnização por ITP; - a quantia de €993,55 (novecentos e noventa e três euros e cinquenta e cinco cêntimos) a título de despesas médicas e medicamentosas; -o capital de remição da pensão anual e vitalícia de €1.188,71 (mil cento e oitenta e oito euros e setenta e um cêntimos), devido desde 15-03-2015; - a quantia de €8.637,42 (oito mil seiscentos e trinta e sete euros e quarenta e dois cêntimos), correspondente à indemnização por ITA; quantias estas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento.

II–Absolve-se a ré do demais contra si peticionado.

* Custas a cargo de autora e ré na proporção do respectivo decaimento, fixando-se 1/5 a cargo da autora e 4/5 a cargo da ré.

” *** A Ré, inconformada, interpôs recurso, concluindo, nas suas alegações, que “1.

–A douta Sentença proferida pela MM.ª Juiza do Tribunal “a quo”, ao concluir que o evento dos presentes autos deve ser considerado acidente de trabalho in itinere, viola o disposto no artigo 9º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea b) da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.

  1. –O evento ocorreu quando a Sinistrada se dirigia ao seu veículo e escorregou nos degraus de acesso ao logradouro.

  2. –A Sinistrada reside no r/c de uma moradia bi-familiar, enquanto no primeiro andar reside a sua irmã.

  3. –Os andares da moradia são totalmente independentes e têm acessos distintos, sendo o logradouro comum a ambas as residências.

  4. –O evento ocorreu em propriedade privada da Sinistrada, pelo que não pode ser considerado acidente de trabalho in intinere.

  5. –Dispunha o artigo 6º, n.º 2, alínea a) Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, que se considerava acidente de trabalho “o acidente ocorrido no trajecto de ida e regresso para e do local de trabalho, nos termos em que vier a ser definido em regulamentação posterior”.

  6. –Remetia aquela disposição legal para o disposto no artigo 6º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 143/99, de 30 de Abril, onde podia ler-se que “Na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º da lei estão compreendidos os acidentes que se verifiquem no trajecto normalmente utilizado e durante o período de tempo ininterrupto habitualmente gasto pelo trabalhador entre a sua residência habitual ou ocasional, desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública, até às instalações que constituem o seu local de trabalho;” 8.

    –No caso do trabalhador que reside numa moradia, o percurso apenas se inicia após ser transposta a porta de acesso à via pública.

  7. –A Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, no artigo 9º, n.º 2, veio alterar a extensão do conceito de acidente de trabalho, suprimindo a expressão “desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública”.

  8. –O legislador não afastou, com esta alteração, a razão de ser da limitação patente no anterior artigo 6º, pelo que deve entender-se que o trajecto se inicia numa zona já fora do controle directo do trabalhador, por contraposição ao domínio exclusivo do proprietário, mantendo-se no todo o que se contemplava no referido artigo 6º da Lei n.º 100/97.

  9. –Dispõe a Norma Regulamentar do Instituto de Seguros de Portugal n.º 1/2009-R, publicada em DR, 2ª série, n.º 16, 23.01.2009, que aprova a Parte Uniforme das Condições Gerais da Apólice de Seguro Obrigatório de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem, bem como as respectivas Condições Especiais, a adoptar pelos Seguradores, na sua cláusula 2ª, alínea b) ii) que é considerado acidente de trabalho “o acidente ocorrido normalmente utilizado e durante o período de tempo ininterrupto habitualmente gasto pelo trabalhador de ida e de regresso para e do local de trabalho, entre a sua residência habitual ou ocasional, desde a porta de acesso para as áreas do edifício ou para a via pública, até às instalações que constituem o seu local de trabalho.” 12.

    –Caso assim não se entenda, sem conceder, o conceito de acidente trabalho, tal como previsto no artigo 9º da Lei n.º 98/2009, comporta uma extensão altamente injusta, desvantajosa e desproporcionada para o empregador, pois, reduzindo ao absurdo o conceito, atendendo apenas ao critério temporal [“durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador”] do trajecto [“entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho”], qualquer acidente ocorrido desde que o trabalhador acorde, independentemente do local, será considerado acidente de trabalho.

  10. –É, por conseguinte, impreterível atender aos critérios da ligação ao trabalho e da autoridade do empregador.

  11. –A Sinistrada ainda não se encontrava “ligada ao serviço que prestava ao empregador, nem aos actos subsequentes ligados à prestação laboral”.

  12. –A Sinistrada tão pouco se encontrava “sujeita à autoridade patronal, elemento essencial para se exigir a responsabilidade do empregador pelos acidentes ocorridos ao seu serviço”.

  13. –O evento em causa nos presentes autos, por ter ocorrido em propriedade privada da Sinistrada, não deve ser considerado como acidente de trabalho in itinere, nos termos do artigo 9º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea b) da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, e, por conseguinte, o mesmo não se afigura indemnizável.

    Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Sentença recorrida, e consequentemente absolvendo-se a Recorrente do pedido formulado pela Autora, fazendo-se assim A COSTUMADA JUSTIÇA” *** A Autora não contra alegou.

    [2] *** O Exmo Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal da Relação, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

    *** Os autos foram aos visto às Exmas Desembargadoras Adjuntas.

    Cumpre apreciar e decidir *** II–Objecto A única questão a decidir consiste em determinar se o acidente de que a Autora foi vítima é ou não um acidente de trabalho.

    *** III–Fundamentação de Facto.

    São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância: 1.

    –No dia 26 de Abril de 2014, a Autora trabalhava por conta e sob a direcção da (…) com o NIPC 500 745 471, no Hospital (…), Parede.

  14. –Exercendo neste Hospital a função de Enfermeira Especialista em Reabilitação.

  15. –E auferindo, como compensação pelo seu trabalho, a retribuição anual de €24.610,92.

  16. –Após participação feita pela entidade empregadora da Autora à Ré, aquela iniciou consultas na clínica médica (…)., por conta da Ré.

  17. –Tendo sido sujeita a exames complementares de diagnóstico, nomeadamente Ressonância Magnética Nuclear onde se observava uma Hérnia Discal entre a L4 e L5, e uma pequena hérnia discal foraminal direita entre a L3 e L4.

  18. –Na sequência do resultado do supra mencionado exame médico, em 30-05-2014, considerou o médico assistente indicado pela Ré que a Autora sofria de Sacro-Ileite, uma lesão inflamatória das articulações sacroilíacas, que correspondem à ligação da parte inferior da coluna com a bacia.

  19. –Tendo-lhe prescrito 20 sessões de Hidroterapia, 5 vezes por semana.

  20. –Não obstante, as sessões de hidroterapia não chegaram a ser agendadas pela Ré.

  21. –Por carta data de 12 de Junho de 2014, a Ré informou a Autora que não considerava que o evento participado se pudesse caracterizar como um acidente de trabalho.

  22. –Ré não pagou à Autora qualquer quantia a título de ITA e ITP.

  23. –No dia 26 de Abril de 2014, pelas 7h30, a sinistrada preparava-se para se deslocar para o seu local de trabalho quando, ao sair da sua residência para se dirigir ao seu veículo no qual para aí se fazia transportar, escorregou nos degraus de acesso ao logradouro, ficando tombada no logradouro.

  24. –Tendo a sinistrada sentido de imediato fortes dores na zona lombar.

  25. –Não obstante as dores...

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