Acórdão nº 786/15.8JDLSB.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelNUNO COELHO
Data da Resolução11 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 3.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

–RELATÓRIO: Nestes autos foi o arguido J.G.S. absolvido da imputação da prática, em autoria material, e em concurso real, de dez crimes de abuso sexual de criança, previstos e puníveis pelo Art.º 171.º, n.º 1 do Código Penal, assim como do pedido de indemnização civil formulado pela assistente/demandante Maria de M.F.C..

Não se conformando com este acórdão absolutório recorreu a identificada assistente M.F.C., concluindo da seguinte forma: a)-Inconformada com o Douto acórdão, interpõe a assistente/demandante o presente recurso, por considerar que o acórdão ora recorrido padece do vício de erro notório da apreciação da prova, porquanto se entende que foi desvalorizada a prova produzida contra o arguido em sede de audiência e julgamento; b)-Bem como, por discordar com o direito aplicado; c)-Por outro lado, considera-se que o Tribunal “a quo” valora inadequada e erroneamente as declarações do arguido em detrimento da demais prova produzida, nomeadamente as declarações para memória futura prestadas pela menor, os testemunhos prestados por SE e MHC, o relatório social e outras declarações prestadas pelo arguido ao longo do processo; d)-Versando o presente recurso, também, na impugnação da decisão proferida sobre a matéria de fato, tal terá repercussões no direito que lhe foi aplicado; e)-Sendo certo que, não se vislumbrando o número de vezes que o arguido abusou sexualmente da menor, não restam quaisquer dúvidas que este praticou actos sexuais de relevo com a menor; f)-Compulsada a prova, é manifesto que a mesma impõe outra decisão que não a proferida no Douto acórdão; g)-Jamais, poderá o arguido beneficiar do princípio do in dúbio pro reo; h)-Considera-se que a decisão “a quo” deverá ser objeto de reparo e censura no que respeita a apreciação da prova; i)-Pelo que, deverá ser julgada procedente, por provada, a acusação deduzida contra o arguido e vir este a ser condenado pelos crimes que lhe são imputados; j)-Bem como, ser julgado procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente/demandante contra o arguido, nos exatos termos em que foi deduzido.

Termos em que, e sempre com o mui Douto suprimento de V. Exas., Venerandos Desembargadores, devem conceder provimento ao presente recurso, vindo à final, a ser alterado o Douto acórdão pela condenação do arguido pela pratica dos fatos que lhe são imputados, com o que se fará inteira JUSTIÇA.

O Ministério Público e o arguido, nas suas alegações de resposta, pronunciaram-se pela improcedência do recurso apresentado, dizendo que se deve confirmar o acórdão absolutório impugnado, também no que respeita ao pedido de indemnização deduzido. No mesmo recurso, em passo prévio, defende a rejeição liminar do recurso uma vez que a assistente/recorrente não especificou devidamente os elementos a que alude o n.º 3 do Art.º 412.º do CPPenal (a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e c) as provas que devem ser renovadas).

Nesta sede a Ex.ma Procuradora-geral adjunta remete para a resposta do Ministério Público formulada em 1.ª instância, sendo que na resposta a assistente relembra também todos os fundamentos do recurso por si interposto.

*** II.

–QUESTÕES A DECIDIR Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. Art.º 119.º, n.º 1; 123.º, n.º 2; 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPPenal, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/6/1998, in BMJ 478, pp. 242, e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

Tendo em conta este contexto normativo e o teor das conclusões efectuadas pela recorrente e pelo Ministério Público na sua resposta, as questões que importa decidir sustentam-se: (i.) na questão prévia suscitada pelo Ministério respeitante à ausência de indicação pela recorrente, nas conclusões da sua motivação, dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa, nem as provas que devem ser renovadas; (ii.) na impugnação estrita da matéria de facto, na qual se invoca erro notório na apreciação dos meios de prova; (iii.) na impugnação alargada da matéria de facto, com análise destacada e especificada dos meios de prova; e (iv.) na apreciação jurídica dos factos que teriam de ser dados como provados.

*** III.

–FUNDAMENTAÇÃO.

Tendo em conta as questões objecto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar o saneamento do processo e a fundamentação da matéria de facto e de direito desse acórdão que é a seguinte: “II–FUNDAMENTAÇÃO FACTOS PROVADOS: Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão da mesma: Da acusação: 1–A.C.E. nasceu em 20 de Dezembro de 2007, e é filha de S.E. e de M.F.C..

2–M.F.C. e P.V.D. vivem como se de marido e mulher se tratassem, pelo menos desde Agosto de 2014, tendo fixado a sua residência, em data não concretamente apurada do mês de Setembro de 2014, na Avenida ………………., em Alenquer.

3–A.C.E. vive com a mãe e P.V.D. desde data não concretamente apurada do mês de Outubro de 2015.

4–Na mesma morada, residiu também o arguido J.G.S., pai de P.V.D..

* Mais se provou: 5–O processo de socialização do arguido decorreu no agregado de origem, apresentando uma vivência estável até à idade adulta.

6–O arguido iniciou actividade laboral após a conclusão do 4º ano de escolaridade, com cerca de 13 anos de idade, como aprendiz de serralheiro, profissão que desenvolveu durante o seu percurso de vida de forma contínua e investida, com a preocupação de criação de condições de vida mais favoráveis.

7–O arguido contraiu matrimónio aos 20 anos de idade, tendo desta união dois filhos, um deles já falecido, tendo a vivência conjugal decorrido com alguma instabilidade após o arguido ter emigrado para Angola, em 1970, onde permaneceu cerca de trinta anos, e de nesse País ter estabelecido outras ligações afectivas, das quais veio a ter outros descendentes.

8–Há cerca de 16 anos o arguido regressou a Portugal, voltando a residir com o cônjuge até a mesma ingressar no Lar de idosos há cinco anos, onde faleceu, passando o arguido a integrar o agregado dos filhos.

9–Desde 16-01-2017 o arguido encontra-se no Lar de Idosos ……………., beneficiando do apoio e visitas regulares de alguns filhos e netos, tendo um grau de autonomia reduzido face às actividades diárias, apresentando algumas dificuldades sobretudo a nível da locomoção e da diminuição das capacidades cognitivas.

10–Do certificado de registo criminal do arguido J.G.S. nada consta.

* FACTOS NÃO PROVADOS: Com relevância para a presente decisão não resultaram provados quaisquer outros factos. Designadamente, não se provou: Da acusação: 1–Que no período compreendido entre os meses de Setembro e o dia 06 de Novembro de 2015, quando se encontrava sozinho com A.C.E. no quintal da residência, pelo menos por dez vezes, em circunstâncias de tempo não concretamente apuradas, o arguido tenha beijado A.C.E. na boca e que tenha tocado com os seus dedos na vagina da menor, por baixo da roupa de A.C.E..

2–Que o arguido tenha agido livre, deliberada e conscientemente, com intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos, sabendo que a sua conduta era susceptível de pôr em causa o são desenvolvimento e liberdade de determinação da menor, aproveitando-se da circunstância de ter com a mesma uma relação familiar, o que o animou a satisfazer os seus instintos libidinosos, não ignorando que A.C.E. contava com apenas sete anos de idade, ciente da proibição e punição da sua conduta.

Do pedido de indemnização civil: 3–Que em consequência da actuação do arguido a menor A.C.E. apresente um comportamento envergonhado e perturbador no que respeita a situações íntimas, ainda que em meras conversas e abordagens subtis.

* MOTIVAÇÃO: O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados, com base na análise conjugada e crítica: 1–das declarações do arguido J.G.S., manifestando evidentes dificuldades em expressar-se, devido ao seu estado físico e de saúde débil, limitou-se a negar a prática dos factos imputados na acusação.

2–das declarações para memória futura da menor A.C.E., nos termos infra mencionados, a cuja audição se procedeu em audiência de julgamento.

3–das declarações da assistente M.F.C., progenitora da menor A.C.E..

No essencial mencionou que está casada com P.V.D., filho do arguido, desde 13-05-2016, vivendo em união de facto com o mesmo pelo menos desde Agosto de 2014, na morada mencionada na acusação, tendo passado a tomar conta do seu sogro desde o início do ano de 2015, vivendo a sua filha menor consigo, na mesma habitação, desde pelo menos Novembro de 2015.

Referiu que a sua filha menor costumava brincar no quintal da vivenda onde residem, sendo hábito o arguido ir também para o quintal brincar com a menor; e que, numa sexta-feira à noite, notou a sua filha tristonha, tendo-lhe perguntado o que se passava, ao que a menor respondeu que o «senhor J.G.S. anda a mandar-me beijos e eu não gosto».

Mencionou que falou a respeito da situação com o cônjuge, que por seu turno «ralhou» com o pai; e que, no sábado, a menor foi de manhã visitar o progenitor; e, quando regressou, o ex-marido disse-lhe que a sua filha lhe tinha contado que o arguido «lhe tinha dado beijos na boca e apalpado», mencionando que, confrontado com tal relato, o arguido referiu que era mentira.

Confrontou a menor com o que o ex-marido lhe tinha contado, referindo que A.C.E. começou a chorar, não tendo insistido mais; e que, mais tarde, a menor disse-lhe que tinha acontecido na cozinha, mais do que uma vez, nunca tendo acontecido no quintal.

Após esse fim-de-semana o...

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