Acórdão nº 354/14.1T8CSC.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelDINA MONTEIRO
Data da Resolução17 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.–RELATÓRIO: António ... ... instaurou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra José João da ... ..., pedindo a condenação deste a reconhecer que o A. é o proprietário da fração autónoma melhor descrita em 12 da petição inicial, e a entregar-lha livre de pessoas e bens.

Pediu ainda que o Réu fosse condenado a pagar-lhe uma indemnização pelos prejuízos decorrentes da ocupação ilegítima daquele imóvel, no valor de € 1.000,00 mensais desde a data de citação e até efetiva entrega do imóvel.

Para o efeito alegou, em resumo, que é legítimo proprietário da fração autónoma, destinada a habitação, melhor descrita em 12 da petição inicial, que lhe adveio por morte da sua irmã Maria Manuela ..., anterior proprietária do imóvel.

Mais referiu que o Réu reside na fração sem qualquer título e recusa-se a sair dela bem como a entregar as respetivas chaves, sendo certo que não celebrou com aquele qualquer contrato ou negócio que legitime tal situação.

A atuação do Réu impede-o de usar e dispor do bem que é seu, estando este impossibilitado de obter pelo menos € 1.000,00 mensais caso arrendasse a fração. Conclui pela detenção ilícita que o Réu vem fazendo do aludido imóvel e pela procedência dos pedidos.

Em contestação o Réu referiu, no essencial, que desde 1982 vive em união de facto com a irmã do A. na fração que este reclama nos autos, da qual era a sua proprietária, residência que manteve até ao falecimento da companheira, ocorrido em 30-08-2008, e após este.

Por esse facto assiste-lhe o direito real de habitação na fração por igual período ao da união de facto, ou seja nos próximos dezoito anos.

Com base em tal factualidade, o Réu deduziu ainda reconvenção onde requer seja “declarado e reconhecido o direito a habitar a casa de morada de família”.

Conclui pela improcedência da ação quanto à restituição do imóvel ao A. e ao pedido de condenação em indemnização, e pela procedência da reconvenção.

O A. apresentou resposta pugnando pela nulidade da reconvenção uma vez que entende que quer esta, quer o pedido reconvencional, são ineptos. A assim não se entender, pugnou pela improcedência do pedido reconvencional.

Foi proferido despacho de aperfeiçoamento da contestação, com vista à concretização do conceito «união de facto», o que o Réu cumpriu mediante articulado de fls. 79.

Dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador, foram verificados os pressupostos processuais da instância, e foi admitida a reconvenção, julgando-se improcedente a exceção de ineptidão.

Delimitou-se o objeto do litígio e os temas da prova, sem reclamações.

Após procedeu-se à realização de Audiência de Julgamento tendo sido proferida sentença com o seguinte teor: “Nos termos vistos, julgando a ação parcialmente procedente, bem como a reconvenção parcialmente procedente, decide-se: A)–Reconhecer o Autor António ... ... como proprietário, e condenar-se o R. José João da ... ... a reconhecer tal direito, sobre a fração autónoma destinada a habitação, designada pela Letra “R” correspondente ao 9º andar, lado direito do Bloco A, do prédio urbano situado na Rebelva, Rua do Lima, n.º 75, inscrito na ficha n.º 195/19850626 da 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, e inscrito sob o art. 2273 da matriz predial urbana da freguesia da Parede.

B)–Absolver o R. dos pedidos de restituição da fração ao A., bem como do pagamento do valor de 1.000,00 euros desde a data de citação até efetiva entrega do imóvel; C)–Reconhecer ao R. José João da ... ... o direito de habitar a fração identificada em A) pelo período de dezasseis anos, contados de 30-08-2008.

Custas a cargo do Autor e do Réu, na proporção de 70% para o 1º e 30% para o segundo, atento o vencimento e decaimento”.

Inconformado com o assim decidido, o Réu interpôs recurso de Apelação no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões: 1.–(A)-Consta do Relatório da Sentença Recorrida (Aqui 8°) que o Réu apresentou pedido reconvencional nos seguintes termos: “Por esse facto assiste-lhe o direito real de habitação na fração por igual período ao da união de facto, ou seja por 18 anos.” 2.–(B)-Todavia, tal como consta no pedido, em sede de Contestação, aquilo que foi requerido sim foi: «Nestes termos, e nos demais de Direito que o Douto Tribunal suprirá, deve: –O pedido do Autor ser declarado improcedente por manifestamente desadequado e violador do pressuposto processual de Interesse em Agir; –Ser declarado e reconhecido o Direito a Habitar a Casa de Morada de Família.» 3.–(C)–Para mais, no artigo 22° da Contestação, consta: “22º.–Deste modo, e por todo o exposto, deve assim o douto Tribunal vir reconhecer o Direito a Habitar a Casa de Morada de Família nos próximos 18 anos.” (Sublinhado nosso) 4.–(D)–Pelo que deve ser alterada e corrigida a Douta Sentença nesta parte, ficando sim a constar que: “Por esse facto assiste-lhe o direito real de habitação na fração por igual período ao da união de facto, ou seja, nos próximos 18 anos.” Isto pelo seguinte: 5.–(E)–Consta da Sentença Recorrida que ficou provado que pelo menos desde 1992 o Réu viveu com a irmã do Autor, Maria Manuela ... O... ..., na fração descrita em 19°, da qual era proprietária, até ao falecimento desta.

  1. –(F)–Sucede que não pode o Recorrente conformar-se com a presente decisão uma vez que: 7.–(G)–Como ficou claro pelas gravadas Declarações do Autor, quando questionado sobre factos pessoais e íntimos, que foram prestadas de forma espontânea e objetiva, este respondeu que começou a viver com Maria M... O... ... em 1978, ainda em Torres Vedras, e depois, na casa objeto do litígio, desde 1980.

    (Gravação 20160524152217_3548759_2871329 – Minutos: 01:45 – 03:20) 8.–(H)–A própria testemunha Maria do S... M..., porteira há 24 anos à data do julgamento (Desde 1992), confirmou que eles já lá se encontravam a residir quando foi morar no prédio descrito em 19°.

  2. –(I)–Não disse a testemunha Maria do S... M... em sede de audiência de discussão e julgamento que o Réu e Maria Manuela... O... ... começaram a viver no imóvel desde 1992.

    (Gravação 20160524142702_3548759_2871329 – Minutos: 00:01 – 01:44; 02:00 – 04:27; 13:25 – 13:40; 14:30 – 15:55) 10.–(J)–Sobre a factualidade em causa, declara o tribunal ad quo que sopesou ainda a certidão de fls. 133 e seguintes referente à sentença proferida no proc. N.° 950/09.9TBCSC do extinto 4° juízo cível do tribunal de Cascais, transitada em julgado 10-09-2010, tendo sopesado quanto aos factos provados o que ali se apurou quanto à união de facto do Réu e da falecida Maria Manuela.

  3. –(K)–Todavia, não justifica o tribunal ad quo os motivos que levaram a desconsiderar o ponto n° 3 dos Factos Provados da Sentença identificada supra que diz o seguinte: “3.

    –Pelo menos desde o ano de 1982, o autor viveu com a falecida Maria Manuela de O... ..., até à data da morte desta, na mesma habitação, sita na Rua do L..., B...-A, T... 4, 9º DTO, Rebelva, Parede.” 12.–(L)–Limitou-se apenas, de forma simplista e omissa, o tribunal ad quo a dizer que a mesma sentença foi valorada ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova; não cumprindo, nesta parte o Douto Dever de Fundamentação (Cfr. 607° n° 2, 3 e 4).

  4. –(M)–E este Dever de Fundamentação do Poder Judicial não se esgota numa mera referência a qualquer princípio de direito, por mais essencial ou fundamental que este seja para a nossa sociedade de direito. Mal andaria a Justiça se assim fosse, uma vez que só necessitaria de fundamentar qualquer decisão sua com base no princípio da livre apreciação da prova, promovendo assim obscuras e ininteligíveis decisões – algo intolerável num estado de direito como o nosso.

  5. –(N)–Ao não precisar o tribunal ad quo o porquê de afastar o mesmo facto, violando assim o Dever de Fundamentação que lhe é essencial, violou também o valor e o alcance de sentença transitada em julgado (Cfr. 619°, 621° e 622° do CPC).

  6. –(O)–Senão vejamos, ainda que as partes sejam diferentes no presente processo e no processo N.° 950/09.9TBCSC do extinto 4° juízo cível do tribunal de Cascais, transitada em julgado 10-09-2010, o pedido do aqui Recorrido à data consubstanciava-se no seguinte: a.- Reconhecimento da situação de união de facto entre o aqui Recorrente e Maria Manuela de O... ... desde Março de 1980 até 30 de Agosto de 2008; b.- E, em consequência, atribuição das prestações por morte da referida beneficiária Maria ..., no âmbito do regime de segurança social, previsto no D.L. n° 322/90, de 18/10.

  7. –(P)–Ora, resulta da mesma Sentença identificada supra que ficou provado nos autos que “3. Pelo menos desde o ano de 1982, o autor viveu com a falecida Maria Manuela de O... ..., até à data da morte desta, na mesma habitação, sita na Rua do Lima, Bloco-A, Torre 4, 9º DTO, Rebelva, Parede.” 17.–(Q)–Estamos, pois, perante uma situação que, transitada em julgado, se encontrava ao abrigo do alcance dos efeitos do caso julgado; sendo, in casu, este efeito a oponibilidade perante terceiros de uma decisão judicial.

  8. –(R)–O mesmo entendimento tem o Supremo Tribunal de Justiça que declarou por Acórdão, em 27/01/2005 (Proc. 04B4286.dgsi.Net) o seguinte: “I–O tribunal está vinculado à solução adotada por decisão judicial anteriormente transitada. II – As questões que constituem antecedente lógico da decisão judicial estão abrangidas pelo caso julgado.” 19.–(S)–Em 14/03/2006, no processo 05B358.dgsi.Net, declarou também em Acórdão o STJ que: “A força do caso julgado abrange não só as questões diretamente decididas na parte dispositiva da decisão, mas, outrossim, as preliminares que, decididas expressamente na fundamentação da sentença, constituem antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado.” 20.–(T)–Nestes termos, deve também esta parte decisória da sentença ser alterada e corrigida; declarando o Venerando Tribunal Ad Quem que: a)-O Réu viveu durante 26 anos em união de facto com a falecida Maria Manuela de O...

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