Acórdão nº 180/16.3PJOER.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução25 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: 1.

– Nestes autos de processo especial abreviado nº 180/16.3PJOER do Juízo Local Criminal de Oeiras Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, o arguido I.R.M., sofreu condenação pelo cometimento em autoria material de um crime de detenção para o consumo, previsto e punível pelo artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-C, que lhe é anexa, na pena de oitenta e cinco dias de multa, à razão diária de seis euros.

Inconformado, o arguido interpôs recurso desta decisão e da motivação extraiu as seguintes “conclusões” (transcrição): “1-O recorrente considera como incorrectamente julgados os factos constantes nos pontos 1, 3, 4, 5, 6 e 21 da matéria de facto dada como provada na Sentença recorrida.

2-O recorrente considera os factos supra referidos incorrectamente julgados, impugnando-os, impondo-se decisão diversa através da seguinte prova: -Relatório de exame de toxicologia, fls. 36 dos autos; -Declarações do arguido em sede de audiência de julgamento; -Depoimentos dos agentes RV e PA.

-não se sugere renovação da prova 3- Especificando: 4- Decorre da douta sentença ora em crise que o arguido no dia 4 de Dezembro de 2016, entre as 12:15 e as 12:40, na Rua ……………….., na área do município de Oeiras, trazia consigo resina de canábis com o peso de 5,493 gramas, com o grau de pureza de 11,4 % THC.

5-Mais referindo que tal substância seria correspondente a 12 doses diárias individuais, atento o consumo médio individual.

6-Mais se deu como provado que o arguido conhecia as características e natureza estupefaciente do produto que detinha, bem como pretendia ter em sua posse canábis e nas quantidades supra indicadas.

7-Que agiu de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida pela lei penal.

8-Mais entendeu o Tribunal a quo dar como provado que o arguido não tem rotinas actuais estruturadas, mantém um quotidiano de ociosidade, com diminuta supervisão da família, desenvolvendo pontualmente alguns trabalhos indiferenciados, dependendo da oferta existente.

9-Considerando os factos provados e a ausência de factos não provados, entende o recorrente, que não foram tomadas em consideração as suas declarações, nomeadamente, no que respeita à sua actividade laborai e supervisão da família.

10- Das declarações do arguido I.R.M.

(CD gravação áudio de 27-04-2017 15:28:49 a 15:41:35, minutos 10:34 até 11:02) Juiz: O senhor estava a dizer então que é ajudante de cabeleireiro, mas aonde? Arg: No cabeleireiro do meu irmão lá ao pé de casa.

Juiz: Trabalha quantos dias para (... não termina questão) Arg: Só folgo um, só folgo um dia por semana.

Juiz: Deixe-me adivinhar só folga à terça-feira.

Quanto é que ganha por dia? Arg: Dez ou quinze euros.

11-De acordo com as declarações do arguido, está actualmente empregado no cabeleireiro do seu irmão, o que põe de parte o referido quotidiano de ociosidade, facto do qual não existiu prova em contrário, pois nem mesmo o relatório social elaborado continha informação sobre a sua actual actividade laborai, fazendo menção a entrevista com o arguido (não existindo referência à data da referida entrevista e o arguido na verdade não se recorda de ter prestado qualquer informação recente junto dos serviços de reinserção social).

12-Estando a desempenhar funções no estabelecimento do seu irmão, durante o horário de trabalho está acompanhado por este, o que necessariamente obriga a que exista maior supervisão sobre o arguido, facto igualmente desconsiderado no âmbito da fundamentação da Sentença.

13-Inexistindo prova em contrário, entende o ora recorrente que as suas declarações no que a esta questão se referem deveriam ter sido valoradas positivamente e serem parte integrante da Fundamentação, mais concretamente dos factos provados.

14-Por outro lado, o recorrente entende que a douta sentença recorrida padece do vício a que se reporta a al. c) do n° 2 do art° 410° do Cod. Proc. Penal.

15-Uma vez que da análise do libelo acusatório verifica-se ser impossível condenar o arguido pelo crime de consumo quando o produto apreendido ao arguido apenas e tão somente continha 11,4% de THC.

16-A sentença recorrida ignorou o grau de pureza da substância submetida a exame pericial no LPC, uma vez que a percentagem do princípio activo encontrado na substância examinada é de 11,4%, o que corresponde a menos de 1/5 do peso total da substância.

17-A substância ilícita apreendida ao recorrente corresponde a 0,626 gramas de princípio activo (5,493/L x 11,4% = 0,626) e a (0,626 x 0,5 = 1,252), ou seja, a menos de duas doses médias individuais diárias.

18-O princípio activo da canabis, que é o responsável pela maioria dos seus efeitos psicotrópicos é o tetrahidrocabinol (THC) existente no produto, a que se faz referência nas tabelas anexas, enquanto “droga pura”.

19-Só perante a percentagem do princípio activo constante da substância apreendida, o produto “puro”, seja canábis, seja qualquer outra substância, mormente heroína ou cocaína é que podemos avaliar se a quantidade detida é superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.

20-O produto "puro" apreendido ao arguido corresponde a 0,626 gramas de princípio activo.

21-Se o tribunal a quo tivesse atendido ao grau de pureza da substância submetida a exame, teria chegado à conclusão de que o produto “puro” apreendido ao arguido corresponde a 0,626 gramas de canábis o que corresponde a menos de 1,000 grama.

22-Ou seja, dos 5,493/L do produto apreendido, apenas 0,626 gramas do produto se refere ao THC, o princípio activo cuja posse é proibida.

23-Os adicionantes ou misturas para aumentar a quantidade do produto não são proibidas ou punidas por lei.

24-Nos termos do artigo 71° do Decreto-Lei n° 15/93 a dose média individual diária é calculada com base na quantidade de produto activo presente no produto estupefaciente que esteja em causa (cfr. alínea c)).

25-A Portaria n° 94/96 de 26 de Março, para que remete o corpo do citado artigo 71°, indica no seu mapa a quantidade máxima de princípio activo para cada dose média individual diária. No caso de canabis-resina essa quantidade máxima é de 0,5.

26-Tendo em conta o provado, que o arguido detinha 5,493 gramas de canabis-resina com 11,4% de princípio activo, corresponde essa quantidade a (5,493 x 11,4%) 0,626 gramas de princípio activo e a (0,626: 0,5=1,252) menos de duas doses médias individuais diárias! 27-Entende ainda o recorrente que se impunha apurar o consumo médio individual do arguido, para que se pudesse concluir se excedia ou não a quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.

28-Porém, não foi apurado o consumo médio individual do arguido.

29-De todo o modo, ainda que assim não se entenda, ou seja, que o conceito de quantidade necessária superior para o consumo médio individual durante o período de 10 dias encontrado segundo vários critérios a ponderar em cada caso concreto, como seja o modo de consumo do arguido, deve sempre ser tomado em conta o grau de pureza da substância submetida a exame.

30-O princípio activo é a substância de estrutura química responsável por produzir uma alteração no organismo que pode ser de origem vegetal ou animal, no caso dos autos essa substância de estrutura química corresponde a 0,626 gramas, pelo que é imperioso concluir que tal quantidade não é superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.

31-Inexiste pois fundamento legal para a condenação do arguido.

32-A este respeito, não poderemos deixar de citar o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no processo n.° 209/16.5PBCTB.C1 datado de 29/03/2017 - disponível em http://www.dqsi.pt (...) “Apreciando: O recorrente alega que o haxixe (resina) que detinha, tendo em conta a percentagem de princípio activo nele contida, não era suficiente para ultrapassar o consumo médio individual de 10 dias, pelo que a sentença recorrida viola o disposto nos artigos 40°, n° 2 do Decreto-Lei n° 15/93, o artigo 2ºda Lei n° 30/2000 e o artigo 9° da Portaria 94/96.

Tendo sido considerado provado na decisão recorrida que o produto estupefaciente detido excedia o necessário para o consumo médio individual durante 10 dias e que correspondia a 18 doses, escusou-se o recorrente a qualificar qual o vício que vislumbrava na decisão recorrida; se erro de julgamento (artigo 412°, n°s 3 e 4 do CPP) se erro notório na apreciação da prova (cfr. artigo 410°, n° 2, alínea c) do CPP) o que, como veremos, não impede este Tribunal de recurso de extrair as necessárias consequências do eventual vício.

Antes de qualquer outra abordagem devem ser esclarecidos os conceitos de base, cuja incompreensão parece estar na origem de vícios de raciocínio da decisão recorrida (e antes da acusação manifestamente infundada).

Assim, comete o crime previsto no artigo 40°, n° 2 do Decreto-Lei n° 15/93 de 22.1 quem, nomeadamente, detiver para seu consumo canabis que exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, cometendo a contraordenação prevista no artigo 2o da Lei n° 30/2000 de 29 de Novembro, se a quantidade detida for inferior.

Importa, por consequência, precisar como se determina a quantidade de estupefaciente necessário para o consumo médio individual durante 10 dias.

Nos termos do artigo 71° do Decreto-Lei n° 15/93 a dose média individual diária é calculada com base na quantidade de produto activo presente no produto estupefaciente que esteja em causa (cfr. alínea c)).

A Portaria n° 94/96 de 26 de Março, para que remete o corpo do citado artigo 71°, indica no seu mapa a quantidade máxima de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT