Acórdão nº 1870/15.3T8BRR.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelCELINA N
Data da Resolução25 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: AAA, nascido a (…), residente na Rua (…) Caparica, com o patrocínio do Ministério Público, veio instaurar acção especial emergente de acidente de trabalho contra BBB, S.A, com sede na Av. (…), Lisboa, pedindo que a acção seja julgada procedente e condenada a Ré a pagar-lhe as indemnizações referentes ao período de ITA (230dias), no valor de 30.176 Euros (131,20x230), a indemnização referente ao período de ITP 20% (24 dias), no valor de 629,76 Euros (131,20x0,2x24) e a pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, no valor de 4.310,16 Euros.

Invocou para tanto, em resumo, que: – exerce funções de vendedor de material ortopédico e que concretiza fazendo divulgação e venda directa junto de entidades hospitalares e clínicas, tudo por conta e sob ordem, instruções e fiscalização da empresa “(…), Lda”.

– a empregadora tinha a responsabilidade por reparação de acidentes de trabalho transferida para a R. seguradora pela apólice nº (…); – atentas as suas funções, procedia a deslocações em viatura cedida pela empresa com matrícula (…) e desempenhava as suas funções com isenção de horário face à necessidade de deslocação da sua residência para os clientes indicados por parte do director geral e retorno à sua residência, bem como tinha um computador cedido pela sua entidade patronal o qual se encontrava na residência do A. e de onde desempenhava funções, nomeadamente trabalho administrativo; – não tinha local de trabalho fixo, sendo decorrente das suas funções a deslocação entre a residência, local onde trabalhava no desempenho de funções administrativas, e os clientes nos locais onde estes se encontravam de modo a proceder ao processo e concretização das vendas; – No dia 21 de Janeiro de 2015, o A. deslocou-se, na parte da manhã, ao Hospital (…), em Almada, para exercer as suas funções e pelas 13H saiu do Hospital e dirigiu-se à sua residência com vista a almoçar em casa, sendo que; – Após o almoço, saiu da residência para regressar ao Hospital (…) para continuar o processo de venda dos produtos que iniciara de manhã quando escorregou e caiu no chão embatendo com o joelho no chão de pedra da varanda coberta contígua à porta da residência; e – Em consequência de tal queda sofreu as lesões que descreve e que lhe determinaram incapacidade e que, qualificando-se o acidente que sofreu como de trabalho, tem direito às quantias que peticiona.

Citada a Ré para, querendo, contestar veio fazê-lo invocando, em síntese, que não aceita a responsabilidade pelo episódio em discussão nos autos, na medida em que este não consubstancia um acidente de trabalho, pois a queda ocorreu na varanda do 1.º piso da casa do Autor, ou seja, o Autor encontrava-se na sua residência, logo, não chegou a iniciar o percurso para o local de trabalho, que a responsabilidade por acidentes de percurso não abrange situações em que trabalhador se encontre num espaço cujo risco seja por si controlado, como sucede com a varanda da moradia do Autor que é um espaço directamente controlado pelo mesmo uma vez que sendo este o seu proprietário, é responsável pelo seu estado de conservação, limpeza e segurança.

Concluindo que, no caso, não está demonstrado o elemento espacial do conceito legal de acidente in itinere pediu que a acção seja julgada totalmente improcedente e, em consequência, a Ré absolvida do pedido.

Proferido o despacho saneador, fixados os factos assentes e os que integram a base instrutória, realizou-se o julgamento com observância do legal formalismo conforme decorre da acta que antecede.

Foi elaborada a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo: “Face ao exposto determina-se: A)– A condenação da Ré Seguradora no pagamento ao Autor das seguintes pensões calculadas da seguinte forma: - ITA de 21 de Janeiro de 2015 a 07 de Setembro de 2015 (230 dias) €68.415,27: 365 x 70% x 230 = € 30.177,69.

- ITP de 20% de 08 de Setembro de 2015 a 01 de Outubro de 2015 (24 dias) €68.415,27: 365 x 70% x 20% = € 26,24 x 24 = € 629,79.

- IPP de 9% desde a data da alta ocorrida em 01 de Outubro de 2015.

€68.415,27 x 70% x 9% = € 4.310,16 ( a qual não é remível nos termos do art. 75.º n.º 1 a contrário da LAT).

B)–Juros de mora vencidos e vincendos sobre todas as antecedentes prestações, à taxa anual legal, desde a data dos respectivos vencimentos até integral pagamento e deduzidas as quantias eventualmente já pagas pela Ré a título de incapacidades temporárias.

Custas pela Seguradora (cfr. art. 527.º n.º 1 do CPC).

Valor da causa: o do capital de remição.

Registe e notifique.” Inconformada, a Ré seguradora interpôs recurso, sintetizando as suas alegações nas seguintes conclusões: “A.- Emerge o presente recurso da douta sentença do tribunal “a quo” que julgou procedente a presente acção, considerando ter ocorrido acidente de trabalho no trajecto entre residência e o local de trabalho.

B.- Entende a Recorrente que o Exmo. Juiz do tribunal “a quo” interpretou erradamente o Direito.

C.- Com efeito, a responsabilidade relativa aos acidentes de trabalho assenta no risco económico, ou seja, do benefício que o empregador retira da prestação de trabalho e da inclusão do trabalhador na empresa.

D.- No caso dos acidentes de trabalho in itinere está em causa uma extensão desse risco, alargando-se, por via de excepção, o campo de aplicação desta responsabilidade.

E.- Com base nestes princípios, os acidentes ocorridos na própria residência não são tutelados, por se situarem numa esfera de risco do próprio trabalhador, num espaço por este controlado e a cujos perigos sempre se exporia, mesmo sem o trabalho F.- Assim, não temos dúvidas que a exclusão da responsabilidade opera nos casos em que o acidente ocorra num espaço cujo risco é controlado pelo trabalhador.

G.- No caso em apreço, tal elemento resulta demonstrado, uma vez que a varanda onde ocorreu o acidente trata-se de um espaço privado do sinistrado, integrante da própria habitação.

H.- Só o sinistrado, na qualidade de residente da habitação, pode garantir, entre outros aspectos, o bom estado de conservação, segurança e limpeza do local.

I.- Em suma, tendo ocorrido o acidente num espaço privado do sinistrado, não restam dúvidas que o sinistro dos autos não consubstancia um acidente de trabalho in itinere, pois, ao contrário do que dispõe o Tribunal “a quo”, o Recorrido não havia acedido à via pública, nem, como tal, iniciado o trajecto da sua residência para o local de trabalho.” Termina pedindo que o recurso seja julgado totalmente procedente, devendo, nesta conformidade, ser a Recorrente absolvida, assim se fazendo Justiça! O Autor contra alegou e apresentou as seguintes conclusões: “1.

– A recorrente invoca, em síntese, que a varanda onde ocorreu o sinistro é espaço privado do trabalhador pelo que integra habitação do próprio e assim deve ser excluído do âmbito do conceito de acidente de trabalho “in itinere”, não tendo o trabalhador acedido à via pública nem tendo iniciado o trajecto entre a sua residência e local de trabalho.

  1. – Com base nos factos dados como provados pelo Tribunal “a quo”, o que distingue as posições em confronto ao longo do processo são as de saber se, no caso concreto do A., o local onde ocorreu a queda é “residência” para efeitos de afastamento da extensão do conceito de acidente “in itinere” e, além disso, se no contexto de isenção de trabalho e desvio habitual de almoço, o percurso realizado era o habitual para o A.

  2. – Entendeu o STJ e o A. acompanhou na sua PI que “Há no entanto lacuna legal relativamente às situações em que a porta de acesso da habitação dá para uma área exterior, própria ou particular, antes de atingir a via pública a caminho do local de trabalho, ou o local de trabalho se situe nessa mesma área adjacente à habitação, e que deve ser resolvida lançando mão da analogia.” 4.

    – Entendeu o Tribunal “a quo” que a actual LAT em vigor não faz distinção entre o início do trajecto e a distinção entre estar ou não na via pública.

  3. – Considerou, assim, que o acidente ocorreu no trajecto habitualmente realizado pelo A.

  4. – O A. considera que, atenta a sua situação particular como trabalhador com isenção de horário de trabalho, e com percurso habitual realizado entre os clientes e a sua residência, nomeadamente para toma da...

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