Acórdão nº 6395/14.1T8ALM.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Janeiro de 2017
Magistrado Responsável | MARIA DO ROS |
Data da Resolução | 24 de Janeiro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.
1-Relatório: A autora, Isabel ... dos ... ... ... intentou acção declarativa, contra a ré, ... ... ... de Jesus ... ..., peticionando que: -Se valide e reconheça a resolução contratual invocada, considerando que esta operou efeitos e cessou o contrato de arrendamento, desde a entrada em juízo da acção; -E, se assim não se considerar, quanto ao tempo da produção de efeitos da resolução, que a valide e reconheça, considerando que esta operou efeitos e cessou o contrato de arrendamento em causa desde a citação; -Cumulativamente, reconheça e confirme o direito de retenção da Autora sobre o locado, confirmando a legalidade da não entrega deste à Ré, em concomitância com a validação e reconhecimento da resolução contratual, mantendo-o na sua posse e fazendo uso do seu direito de retenção até ao integral pagamento de todos os valores aqui demandados; -Cumulativamente, condene a Ré a pagar, à Autora, a quantia €17.618,15 (dezassete mil seiscentos e dezoito euros e quinze cêntimos), discriminados em €15.618,15 (quinze mil seiscentos e dezoito euros e quinze cêntimos) mais €2.000,00 (dois mil euros), a título de compensação e reembolso pelas reparações e benfeitorias realizadas no locado; -Cumulativamente, condene a Ré a pagar, à Autora, a quantia de €2.168,80 (dois mil cento e sessenta e oito euros e oitenta cêntimos), a título de prejuízos patrimoniais que lhe causou em virtude do incumprimento contratual; -Cumulativamente, condene a Ré ao pagamento, à Autora, de €4.000,00 (quatro mil e quinhentos euros), a título de danos morais que esta sofreu; -Por consequência, condenando a Ré ao pagamento da quantia indemnizatória global de €23.786,95 (vinte e três mil setecentos e oitenta e seis euros e noventa e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos à taxa legal em vigor para os juros civis, contabilizados desde a citação da presente acção até ao seu efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou a autora que é inquilina da ré há longos anos e que esta de forma reiterada, incumpre a obrigação de realizar obras no locado, o que obrigou a autora a suportar os custos de tais obras, dada a sua urgência.
A situação descrita cria medos incómodos e problemas de saúde na autora.
E face à manifestação de vontade da ré em actualizar a renda do locado pretende a autora resolver o contrato de arrendamento e ser indemnizada pelas benfeitorias que fez no imóvel e indemnizada pelos danos não patrimoniais que o incumprimento contratual da ré lhe causou.
Citada contestou a ré, alegando que a habitabilidade do imóvel nunca esteve em causa, que as obras que a autora supostamente executou tenham sido necessárias e urgentes, bem como, imputou à autora uma conduta integrável no conceito de abuso de direito, dada a desproporção entre o valor das rendas que paga e o valor das obras que reclamava.
A autora exerceu o seu contraditório no concernente à excepção de abuso de direito invocada, pugnando pela sua improcedência.
Foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do processo e organizados os temas de prova.
Prosseguiram os autos para julgamento, vindo a final a ser proferida sentença, com o seguinte teor na sua parte decisória: «Nestes termos, e face ao exposto, julga-se a ação parcialmente procedente, por provada, e consequentemente, decide-se: a)-considerar resolvido o contrato de arrendamento existente entre autora e ré; b)-condenar a ré a pagar à autora a importância de €15.618,15, pelas benfeitorias necessárias que esta efetuou no locado, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento; c)-reconhecer que, nos termos do disposto no art. 754º do CC, à autora existe o direito de retenção sobre o locado, enquanto a ré não pagar a importância referida na al. anterior; d)-absolver a ré do demais peticionado pela autora.
Custas por autora e ré, na proporção do vencimento».
Inconformada recorreu a ré, concluindo as suas alegações: 1ª.-A ora Recorrente entende que os pontos 8 e 37 dos factos dados como provados foram incorrectamente julgados, tendo o Tribunal a quo ficado aquém na sua decisão atenta a prova documental e testemunhal produzida.
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-Assim, no que respeita ao ponto 8, deveria ter sido dado como provado que em 1995, a fachada frontal do prédio foi pintada por iniciativa da Ré, bem como substituída a porta da rua e arranjado o telhado.
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-Em face do exposto, no que tange ao ponto 37 da matéria de facto deveria ter sido dado como provado que a Ré efectuou obras no prédio, reparou o esgoto e procedeu à ligação das canalizações à prumada geral de esgotos em 1995.
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-Entende a Apelante que o fundamento de resolução aplicado pelo Tribunal a quo - a perda do interesse da ora Apelada à luz das circunstâncias do caso e de um critério de razoabilidade - não se coaduna com os factos provados.
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-A Apelada nunca interpelou a Apelante no sentido de lhe conceder um prazo certo para a execução das obras pelo que não poderá considerar-se existir mora.
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-O ónus da prova da perda do interesse, nos termos da lei substantiva, recai sobre o credor, neste caso sobre a Apelada, enquanto facto constitutivo do seu direito de resolução.
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-Diga-se, ainda, em abono da verdade, nunca a Apelada interpelou judicialmente ou extrajudicialmente a Apelante para o pagamento de quaisquer obras que tenham sido realizadas no locado.
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-Sendo que toda e qualquer reparação urgente realizada pela Apelada tinha de ser autorizada pela aqui Apelante conforme previsto no nº 2 do artigo 1036.° do CC, ou quando não autorizada teria de ser a Apelante avisada ao mesmo tempo da realização das obras, ou seja, interpelada para pagamento de quaisquer despesas.
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-A Apelada, no sentido de ultrapassar o diferendo, teria duas soluções: ou procurava demonstrar a perda automática do seu interesse na concretização do contrato - o que não fez -, ou, entendendo que à Apelante ainda era lícito o seu cumprimento, interpelava-a, para o efeito, de acordo com o preceituado pelo artigo 808°, nº 1, 2ª parte, do CC.
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-A actuação da Apelada, neste particular, consubstancia um claro exercício de abuso de direito nos termos e para os efeitos do artigo 334.° do CC.
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-O tribunal a quo considerou que as obras realizadas pela Apelada consubstanciam benfeitorias necessárias, com as legais consequências decorrentes da referida qualificação: o reconhecimento de um direito a compensação por benfeitorias e do direito de retenção da Apelada sobre o locado.
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-Dos documentos juntos pela Apelada na petição inicial não resulta que as obras em causa tenham sido efectivamente realizadas no locado e que se tenham revelado indispensáveis a evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa.
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-Só o senhorio pode fazer obras no locado ou o arrendatário com autorização escrita do senhorio.
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-Ressalvam-se apenas as reparações urgentes, previstas no artigo 1036.°do CC, pois não se compadecem com as delongas de um procedimento judicial.
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-Quando o locatário faça reparações urgentes no locado é-lhe atribuído direito a compensação do seu crédito, cfr. artigo 1074.° nº.4 do CC, nas seguintes condições: i) aquando da execução da obra; ii) juntando os comprovativos das despesas; iii) até à data do vencimento da renda seguinte.
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-Fora dos casos previstos o locatário não poderá fazer obras não autorizadas, devendo recorrer à via judicial, o que a Apelada não fez e agora pretende fazer valer em juízo um direito a compensação e um alegado direito de retenção.
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-As obras que a Apelada executou não integram o conceito de benfeitoria previsto no artigo 216° do Código Civil, porque não contribuíram para melhorar ou conservar o local dos autos.
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-De facto, resultou provado que o locado carece de obras de reparação - ponto 39 e 40 - e que o estado de conservação em geral se deteriorou. Mesmo que assim não seja, 19ª.-O direito de indemnização que a Apelada alega tem como factos constitutivos o seguinte: -a alegação e prova da execução da obra; -a alegação e prova de que a obra constitui uma benfeitoria; -a alegação e prova de que as benfeitorias foram necessárias - ou seja -que foram executadas para evitar a perda, destruição ou deterioração do prédio.
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-Ora, a Apelada não alega um único facto que permitisse qualificar as obras executadas como benfeitorias necessárias.
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-Pelo que, a Apelada não cumpriu o ónus da alegação e da prova que sobre eles recai, conforme resulta do disposto no artigo 342°, nº 1 do Código Civil.
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-O facto de terem sido executadas diversas obras não constitui matéria suficiente para qualificá-las como benfeitorias necessárias.
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-São também constitutivos do direito de reembolso por execução de benfeitorias: o enriquecimento do proprietário decorrente da execução das benfeitorias; - o empobrecimento dos réus com a execução das benfeitorias.
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-Ora, também no que respeita a estes factos, a Apelada nada alegou.
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-Tendo ficado demonstrado nos autos que o património da Apelante em nada se enriqueceu com as obras executadas pela Apelada, uma vez que o locado encontra-se num estado de conservação que demonstra que as obras executadas em 2005 em nada valorizaram o locado.
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-De facto, a douta sentença recorrida ignorou por completo as regras que devem estar subjacentes à indemnização do arrendatário.
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-A obrigação de indemnizar que recai sobre o senhorio, tem de obedecer às regras do enriquecimento sem causa, conforme resulta do artigo 1273°, nº 2 do Código Civil.
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-Acresce também que a douta sentença não aplicou o disposto no artigo 1043° do Código Civil, do qual resulta que o arrendatário tem o dever de manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvando as deteriorações inerentes a uma prudente utilização.
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-Pelo que, as referidas obras integram-se no dever de manutenção do locado que recai sobre o arrendatário.
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-Donde, a autora não têm qualquer direito a ser indemnizada.
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-Não obstante o seu dever de execução de obras...
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