Acórdão nº 584/15.9TDLSB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelVIEIRA LAMIM
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em Conferência, os Juizes no Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: Iº-1.

–No Processo Comum (Tribunal Singular) nº584/15.9TDLSB, da Comarca de Lisboa Lisboa- Inst. Local - Secção Criminal - J13, o arguido, A., foi pronunciado por três crimes de injúria, p.p., pelo art.181, nº1, do Código Penal.

O tribunal, após julgamento, por sentença de 19Out.16 (fls.551 e segs.), decidiu: “...

a)-condenar o arguido, pela prática, em autoria material, e na forma consumada de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181, n°1 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz o montante global de € 640,00 (seiscentos e quarenta euros), a que corresponde, nos termos do disposto no artigo 49, do C.P., 53 (cinquenta e três) dias de prisão subsidiária, caso a multa não seja paga voluntária ou coercivamente ou substituída por trabalho a favor da comunidade, do demais imputado criminalmente se absolve o arguido.

b)-...

c)-Mais decido julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização cível deduzido nos autos pela assistente e, em consequência, condeno o demandado no pagamento à demandante, a título de indemnização pelos danos morais sofridos decorrentes da conduta do arguido, a quantia de € 600 (seiscentos euros), quantia a que acrescem os juros de mora, à taxa legal contados da notificação do pedido civil até efectivo e integral pagamento, do mais peticionado se absolve o demandado- arguido.

.....”.

2.

–Desta sentença recorre o arguido, A., tendo apresentado motivações, das quais extraiu as seguintes conclusões: 2.1–Emerge o presente recurso da discordância em relação à sentença, douta aliás, que condenou o arguido pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo art. 181° do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz a quantia total de € 640,00 (seiscentos e quarenta euros), a que corresponde, nos termos do artigo 49° do Código Penal, 53 (cinquenta e três) dias de prisão subsidiária, caso a multa não seja paga voluntariamente ou coercivamente ou substituída por trabalho a favor da comunidade e ainda ao pagamento à demandante, a título de indemnização pelos danos morais sofridos decorrentes da conduta do arguido, a quantia de € 600 (seiscentos euros), quantia a que acrescem juros de mora, à taxa legal contados desde a notificação do pedido civil até integral e efetivo pagamento.

2.2–Tal discordância transparece, em primeiro lugar, nos factos que foram indevidamente dados como provados, pugnando-se pelo reconhecimento da insuficiência para a decisão de facto provada, entendendo-se ter sido violado o Princípio da Livre Apreciação da Prova, vertido no art. 127° do Código de Processo Penal e o Princípio "in dúbio pro reo", corolário da presunção constitucional de inocência (art. 32° n° 2 CRP e art. 6o n° 2 CEDH).

2.3–Discorda ainda o recorrente do enquadramento jurídico-penal dos factos, pugnando pela falta de verificação dos elementos objetivos e subjetivos do crime.

2.4–Por outro lado, e sem prescindir da argumentação anterior, o arguido impugna ainda a medida de pena, por considerar não terem sido observadas as disposições constantes dos artigos 70°, 71º e 72° n° 1 e 2 do Código Penal e o quantitativo fixado a título de indemnização cível.

2.5–Os concretos pontos de facto dos "Factos Provados" na decisão recorrida que o recorrente considera incorretamente julgados são os pontos 2, 8, 9,10 e 14.

2.6–Sendo que os meios probatórios que impõem esta modificação decisória, quanto aos pontos supra são os depoimentos da assistente, das testemunhas P.A. e G.G. e e-mail datado de 20 de Novembro de 2014, enviado pela assistente ao arguido.

2.7–O arguido vem condenado por proferir uma expressão que não consta dos factos dados como provados, violando assim o preceituado no art. 410° n° 2 alínea a) do Código de Processo Penal.

2.8–O arguido vem ainda condenado por ter proferido uma outra expressão, sem que tal facto tenha sido descrito ou confirmado pelas testemunhas que, segundo a assistente, estiveram presentes nesse momento, não sendo possível aferir do raciocínio lógico que permitiu ao Tribunal a quo aferir de tal juízo, pelo que se encontra violado o princípio da livre apreciação da prova, vertido no art. 127° do C.P.P.

2.9–As expressões no caso sub judice têm necessariamente que ser contextualizadas para aferir do seu carácter injurioso.

2.10–Apesar do Tribunal a quo admitir «que a utilização destas expressões de foram descontextualizada da conversa que se manteve pelo menos durante duas a quatro horas não permite com segurança aferir do carácter injurioso de tais expressões (...)», existindo uma dúvida razoável, ainda assim condena o arguido, violando o princípio in dúbio pro reo, previsto no art. 32° n° 2 CRP e art. 60 n° 2 CEDH.

2.11–O Recorrente, analisando a semântica das expressões em causa, pugna pela ausência de características que possam ofender a honra e consideração da assistente.

2.12–As considerações efetuadas pelo arguido versavam sobre a pessoa da assistente enquanto trabalhadora da sociedade comercial em que o assistente era diretor e não na pessoa da assistente no seu todo, como ser humano na sua globalidade, faltando assim o preenchimento do elemento objetivo do crime.

2.13–O arguido e assistente conheciam-se já há sete anos e encontravam-se numa fase de conflito laboral, pois a assistente queria cessar o seu contrato de trabalho com aquela empresa, e o arguido queria que a assistente continuasse a desempenhar as suas funções, predispondo-se até a alterar as suas condições de trabalho para que isso fosse possível. E foi nesse âmbito, nesse contexto específico, durante reuniões em que estavam a ser discutidas questões profissionais, nomeadamente as funções da assistente, que arguido e assistente se desentenderam e, nas palavras desta, se gerou "esta enorme confusão'.

2.14–Embora se conceda que o arguido não foi propriamente polido na forma como se dirigiu à assistente, a realidade é que tal facto apenas seria suscetível de gerar censura penal, não atingindo os bens merecedores de tutela penal.

2.15–O arguido nunca quis ofender a assistente, nem nunca considerou sequer que as palavras que lhe dirigiam seriam hábeis a produzir tal fim, pelo que nem em termos teóricos colocou a possibilidade de que tal expressão seria ofensiva, não estando por isso preenchido o elemento subjetivo do crime.

2.16–Além do mais, as expressões alegadamente proferidas foram-no de boa-fé, ou seja, sustentadas na análise factual que o arguido fazia do exercício das funções da trabalhadora, tendo fundamento sério para crer que tal valoração da prestação da ofendida correspondia à realidade, não sendo, por isso, excessivas, não podendo, assim, perder a proteção do seu direito à liberdade de expressão, consagrado no art.37° da Constituição da República Portuguesa, nem por isso ser passíveis de integrar qualquer ilícito criminal.

2.17–Sem prescindir da anterior argumentação, não se conforma ainda o ora recorrente com a medida da pena em que foi condenado, por considerar que analisando a moldura penal aplicável ao crime em questão, a gravidade, já amplamente dissecada neste recurso, publicidade e antecedentes criminais, não se compreende a aplicação de uma pena equivalente a dois terços da moldura penal máxima, devendo a mesma ser substancialmente reduzida.

2.18–Acresce ainda que tanto o valor do quantitativo diário aplicado, como da indemnização cível fixada se encontram completamente desajustados da sua situação socioeconómica.

Nestes termos, ... deve a sentença proferida em 1ª instância ser revogada e substituído por outro que absolva o Recorrente do crime de injúria ...

3.

–O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, a que respondeu o Ministério Público, concluindo pelo seu não provimento.

4.

–Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-geral Adjunto aderiu à resposta do Ministério Público em 1ª instância.

5.

–O objecto do recurso, reconduz-se à apreciação das seguintes questões: -vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; -impugnação da matéria de facto; -qualificação jurídica dos factos; -medida da pena; -indemnização civil; IIº–A decisão recorrida, no que diz respeito aos factos provados, não provados e respectiva fundamentação, é do seguinte teor: Factos provados.

1.

–No dia 1 de Novembro de 2008, a Assistente celebrou contrato de trabalho com a sociedade comercial B.G.F., Lda.

2.

–Em virtude do contrato de trabalho celebrado, a assistente passou a comunicar frequentemente com o arguido, gerente da referida sociedade empregadora e hierarquicamente superior à Assistente. 3.

–Em 23 de Setembro de 2014, o Arguido convocou a assistente a uma colega desta, P.A., para uma reunião urgente. 4.

–Nessa reunião, ocorrida entre as 17h e as 20h, o Arguido acusou a assistente, em frente da colega, de não ter uma relação próxima consigo, de "ser uma pedra de gelo , de "criar mau ambiente ", "ser arrogante ", "ser ingrata, por não lhe agradecer convenientemente o que ganhava" e afirmar que "Você parece a minha filha, que acha que não é mais do que a minha obrigação dar-lhe as coisas e nunca me agradece". 5.

–No dia 20 de Novembro de 2014, o arguido e a assistente estiveram em reunião no período da tarde. 6.

–O arguido e a assistente voltaram a reunir no dia 21 de Novembro de 2014, entre as 16h00 e as 17h00, tendo estado presentes nessa reunião as testemunhas P.A. e G.G.. 7.

–Numa dessas reuniões sem que se tenha apurado qual, o arguido dirigindo-se à assistente, chamou-lhe "ingrata " "criança" nulidade de pessoa" "omissão de pessoa", iluminada" "omissão de ser humano " múmia", a afirmou "é má pessoa e por isso vai acabar sozinha" 8.

–Num dos dias referidos em 5 e 6, o arguido chegou ao escritório e exclamou: "C., já sabe que eu gosto de plateia e, por isso, vamos ter que voltar a falar" 9.

...

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