Acórdão nº 2764/16.0YLPRT.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelCRISTINA COELHO
Data da Resolução23 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam nesta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO.

.... & .... ...., Lda.

intentou o presente procedimento especial de despejo, contra .... – Actividades Hoteleiras, Lda.

, com vista ao despejo do imóvel sito na Rua da Palma, 277 (loja), em Lisboa, destinada a comércio.

Fundamentou a sua pretensão na cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação pela senhoria.

Notificada do requerimento de despejo, a R. deduziu oposição, invocando que, é uma microempresa, do que fez prova, estando reunidos os requisitos previstos no art. 51º, nº 5 do NRAU, pelo que o contrato só se deve considerar submetido ao NRAU no prazo de 5 anos a contar da iniciativa da senhoria, tendo outorgado o aditamento ao contrato de arrendamento em erro, que lhe foi criado dolosamente pela representante legal da requerente, pelo que o mesmo é anulável, sendo a conduta da requerente contrária à boa fé.

Termina pedindo que se declare anulado e de nenhum efeito o aditamento de 1.6.2014 outorgado entre as partes em consequência do invocado erro e abuso de direito, seja julgada a manutenção do contrato de arrendamento pelo prazo mínimo legal de 5 anos, em virtude da requerida explorar no locado um estabelecimento que é uma microempresa, e seja julgada inválida e ineficaz a denúncia/oposição à renovação do contrato de arrendamento sub judice.

Os autos foram remetidos à distribuição.

Convidada a pronunciar-se sobre a oposição, propugnou a A, pela sua improcedência e pediu a condenação da R. como litigante de má fé, em indemnização correspondente ao reembolso das despesas a que obrigou a A. a suportar, incluindo os honorários da mandatária, e nos prejuízos sofridos como consequência da má fé com que litiga.

Pronunciou-se a R., terminando como na oposição.

Realizou-se julgamento, vindo a ser proferido sentença que julgou improcedente a oposição e válida a denúncia do contrato de arrendamento, condenando a R. a entregar locado livre de pessoas e bens, bem como a condenou como litigante de má fé, no pagamento das custas processuais e honorários que a A. suportou com a presente acção.

Inconformada com a decisão, dela apelou a R.

, formulado, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: I – A sentença recorrida julgou improcedente a oposição apresentada pela .... – Actividades Hoteleiras, Lda.

ao Procedimento Especial de Despejo contra si formulado e procedente e válida a denúncia do contrato efectuada pela .... e .... ...., Lda.

no dia 21.12.2015, condenando a Requerida à entrega do locado livre de pessoas e bens e, ainda, como litigante de má-fé.

II - O «thema decidendum» do presente recurso cinge-se às duas seguintes questões de direito: “I – Da inconstitucionalidade material das normas extraídas dos nºs 1 e nº5 do artigo 54º e nºs 6 e 7 do artº 31º ex vi do nº7 do artº 51, todos do NRAU (Lei 6/2006 de 27.02 na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14/08) e da consequente invalidade da denúncia e aditamento efectuados.

II – Da condenação como litigante de má-fé.” III- Na matéria carreada nos presentes autos, foi na vigência da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei 31/12 de 14 de Agosto, que a Senhoria lançou mão da iniciativa de transição para o NRAU prevista no respectivo artº 50º, por carta registada com aviso de recepção datada, como se viu, de 21.03.2014.

IV - A Requerida, por seu turno, na qualidade de arrendatária e no prazo de 30 dias, poderia ter-se oposto ao prazo proposto e comprovar que é uma microentidade, caso em que o contrato só ficaria submetido ao NRAU mediante acordo das partes ou, na falta deste, no prazo de cinco anos a contar da recepção, pela Senhoria, da resposta da arrendatária, tudo nos termos do disposto nos nºs 1, 3 al. c), 4 al. a), 5 e 6 do artº 51º e nº1 do artº 54º todos do NRAU.

V - Sem prejuízo de a Requerida, no prazo legal, não ter adoptado tal procedimento, verdade é que se nos afigura que a interpretação de que o comportamento/omissão da mesma, interpretado no sentido de preclusão do exercício dos direitos que lhe são conferidos pelos artigos 51º nº4 a) e 54º nº1 do NRAU é manifestamente inconstitucional.

VI – Isto porque, é público, notório e está comprovado, que a Requerida é uma microentidade (nos termos definidos no nº5 do art. 51º do NRAU), tendo-o, inclusivamente, invocado e demonstrado junto da Senhoria, ainda que tardiamente, por carta registada com aviso de recepção datada de 03.05.2016.

VII - Além disso, já no decurso da presente demanda, por Requerimento com refª 23786933 datado de 12.10.2016, a Requerida juntou comprovativo da declaração anual (2015) da Informação Empresarial Simplificada (IES), uma vez mais demonstrando ser microentidade.

VIII - Sobre matéria intrinsecamente relacionada com a presente, foi já proferido um recente Acórdão do Tribunal Constitucional, com o nº 277/2016 de 4/5, publicado no DR 122/2016 Série II, de 2016/06/14, o qual decidiu “Julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 30º, 31º e 32º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei nº31/12, de 14 de Agosto, segundo a qual «os inquilinos que não enviem os documentos comprovativos dos regimes de excepção que invoquem (seja quanto aos rendimentos, seja quanto à idade ou grau de deficiência) ficam automaticamente impedidos de beneficiar das referidas circunstâncias, mesmo que não tenham sido previamente alertados pelos senhorios para a necessidade de juntar os referidos documentos e das consequências da não junção», por violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição”.

IX - Se assim foi decidido para o arrendamento habitacional, por maioria de razão, o mesmo racioncínio deverá ser empregue também para o arrendamento não habitacional, no sentido de ser considerada inconstitucional a norma extraída dos artigos 51º e 54º do NRAU segundo a qual os arrendatários que não invoquem e comprovem ser uma microentidade, ficam impedidos de se fazerem valer da referida circunstância, e consequentemente, de beneficiarem do facto de o contrato de arrendamento apenas ficar submetido ao NRAU no prazo de cinco anos (Cfr. nº1 do art. 54º), quando, ainda que extemporaneamente (fora do prazo previsto no nº1 do artº 51), venham a provar tal circunstância, tal como sucedeu nos autos.

X - Ora, é concebível que, possuindo, de facto, as características exigidas pelos artºs 51º nº4 a) e 51º nº5 do NRAU, e tendo-as demonstrado, não possa a Requerida beneficiar do estatuído nesses mesmos artigos e no nº1 do art. 54º do NRAU? Parece-nos que não.

XI - Em casos como o presente, em que a Arrendatária demonstra, inequivocamente, ser uma microentidade, a cominação de que a sua falta de resposta tempestiva invocando tal circunstância à iniciativa do senhorio, implica a aceitação, quer da renda, quer, sobretudo, do tipo e duração do contrato proposto (cominação prevista nos nºs 6 e 7 do artigo 31º ex vi do nº7 do artigo 51º do NRAU), é manifestamente gravosa, excessiva, desproporcional e prejudicial à Arrendatária, padecendo de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, concretizadores do Estado de Direito democrático.

XII - A omissão de a Requerida não ter respondido à iniciativa da Senhoria comprovando, em tempo, ser uma microentidade, fê-la perder o direito de se falar valer da circunstância prevista no nº1 do artigo 54º do NRAU, ou seja, de o contrato apenas ficar submetido ao NRAU dali a cinco anos, tendo passado, de imediato, ao regime de denúncia livre por parte da Senhoria, a qual veio, efectivamente, a suceder.

XIII - E tal não se deveu ao facto de não se verificar a circunstância substantiva que pressupõe esse direito (o facto de ser uma microentidade, aliás, já demonstrado), mas apenas à falta de resposta da Requerida, que, em face da então recente alteração legislativa, desconhecia como deveria actuar para evitar tal cominação.

XIV - Bem sabemos que a ignorância da lei não aproveita a ninguém (Cfr. art. 6º do Código Civil), porém, dúvidas não restam de que a falta de resposta é gravemente penalizadora para a Inquilina, com grande disparidade entre a posição de Senhorio e Arrendatário.

XV - As normas da Lei 31/2012 invocadas pela Apelante (nº1 e nº5 do artigo 54º e nºs 6 e 7 do artº 31º ex vi do nº7 do artº 51, todos do NRAU Lei 6/2006 de 27.02 na redacção que lhe foi introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14/08), pelo menos na interpretação acolhida na sentença de que se discorda, violam frontalmente direitos e princípios constitucionalmente protegidos, nomeadamente o princípio da igualdade perante a lei estatuído no nº 1 do artigo 13º do CRP, pois é intoleravelmente desequilibrada a solução legal de valorizar o silêncio do arrendatário – possivelmente mal esclarecido até face à radical alteração do regime de denúncia dos arrendamentos - impondo que este (silêncio) corresponda à aceitação de solução manifestamente prejudicial.

XVI - Violam, ainda, os...

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