Acórdão nº 348/16.2YHLSB.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Maio de 2017
Magistrado Responsável | MANUEL MARQUES |
Data da Resolução | 02 de Maio de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Decisão em texto integral Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa I. ... ... ... da ... ...
, ao abrigo do art. 210-G do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos (adiante CDADC), intentou procedimento cautelar comum contra ... e ... Editores, S.A.
pedindo que, sem audiência da requerida, se decida: 1.“Suspender de imediato a edição da obra cujos direitos pertencem ao requerente, no ponto em que se encontrar, com a apreensão dos exemplares à guarda do Tribunal; 2.Ordenar que todos os actos da requerida com vista à publicação da obra em apreço sejam anulados até ao momento em que o titular do direito, ora requerente, possa exercer os seus direitos, procedendo posteriormente a requerida à necessária tramitação.
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Caso se verifique o incumprimento da ordem prevista nos números 1 e 2 anteriores, e caso a obra em questão seja publicada sem a autorização prévia do Requerente, uma sanção pecuniária compulsória não inferior a € 500,00 por cada dia de publicação da mesma.
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Ordenar a expensas da requerida e no meio de comunicação a indicar pelo requerente, a publicitação da decisão final, nos termos peticionados.” Alegou para o efeito, em síntese, que é filho do marechal ... ..., sendo seu sucessor; que a requerida, de acordo com as notícias publicadas na comunicação social, prepara-se para publicar uma obra póstuma (com o título “...”), inédita até agora, da autoria do pai do requerente; que desconhece se a obra é efect...mente da autoria de seu pai; que a obra em causa, confirmando-se a sua autoria, encontra-se protegida pela lei, cabendo aos sucessores do marechal ... ... decidir sobre a utilização da obra; que os direitos de autor são direitos absolutos; e que ainda que se conclua que a obra não é de seu pai, tal representa uma violação à memória e bom nome deste.
Após foi indeferido o pedido de dispensa de audição da requerida.
Esta apresentou oposição, na qual alegou, em síntese, que o requerente não é o detentor, em exclusivo, dos direitos de autor de seu pai, tendo aquele duas irmãs; que é a irmã do requerente, ... ..., quem tem publicamente praticado todos os actos inerentes à titularidade dos direitos de autor; que o requerente é parte ilegítima, por não estar acompanhado pelas irmãs; que estava convencida que os direitos autorais teriam ficado para a filha ... ..., de quem teve autorização expressa para a publicação da obra; e que o requerente não podia desconhecer a obra em causa, podendo a requerida beneficiar do disposto no n.º 3 do art. 70º do C. Civil.
Conclui pela absolvição dos pedidos. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se julgou improcedente o procedimento cautelar e foram indeferidas as providências requeridas.
Não se conformando com tal decisão, interpôs o requerente o recurso agora sob apreciação, apresentando as seguintes conclusões: 1. O Recorrente propôs o presente procedimento cautelar contra a Recorrida com vista a impedir a publicação, por parte desta, da obra ... – Romance de Costumes Políticos Portugueses (a “Obra”), alegando ser filho do Marechal ... ... – e, como tal, nos termos da lei, seu sucessor –, e não ter a Recorrida contactado o Recorrente, nem, sobretudo, obtido da parte deste a autorização que, de acordo com a lei, seria necessária para levar a cabo a publicação da Obra.
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O Tribunal Recorrido não deu provimento ao requerimento do Recorrente, assentando porém a sua decisão apenas na análise do aspecto patrimonial do direito de autor relativo à Obra, não tomando assim em consideração os aspectos de cariz moral ou pessoal subjacentes ao presente procedimento cautelar.
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Decorre do artigo 56.º do Código de Direito de Autor e dos Direitos Conexos (“CDADC”) que os direitos morais de autor são independentes da titularidade dos direitos de carácter patrimonial, estabelecendo o art.º 57.º que, após a morte do autor, o exercício daqueles direitos compete aos seus sucessores.
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O art.º 70.º, número 1, do CDADC dispõe que cabe aos sucessores do autor decidir sobre a utilização das obras deste ainda não divulgadas nem publicadas, salientando a doutrina mais autorizada que se trata de uma “faculdade que se considera abrangida no aspecto moral do direito de autor” (LUIZ FRANCISCO REBELLO).
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Estando demonstrado que o Recorrente é um dos sucessores do Marechal ... ..., o primeiro momento em que o Tribunal Recorrido não aplicou correctamente a lei foi no de desconsiderar a dimensão moral do pedido do Recorrente, cuja procedência é independente de qualquer consideração sobre a titularidade do direito patrimonial de autor.
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O segundo momento em que o Tribunal Recorrido não aplicou correctamente a lei foi no de não ter em consideração, na resolução do caso sub iudice, as normas que regulam o exercício de direitos de titularidade plural ou colect..., e em particular as normas (subsidiariamente aplicáveis a qualquer situação de contitularidade) que regulam a compropriedade.
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Assumindo, sem porém conceder, que foi de facto o Marechal ... ... que escreveu a Obra, o direito de autor a ela respeitante – depois de, em vida do seu autor, lhe ter pertencido –devolveu-se, em termos sucessórios, aos seus sucessores, nos termos do art.º 31.º do CDADC e do art.º 2024.º do Código Civil.
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Assumindo que o direito patrimonial de autor relativo à Obra não foi de facto objecto de partilha, teríamos que o referido direito se integra na herança do Marechal ... ..., na qual cada um dos seus sucessores –incluindo o Recorrente –participa, através do competente quinhão.
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Existem, pois, a respeito da Obra, dois direitos de titularidade e exercício conjuntos: o direito moral, nomeadamente o de decidir sobre a publicação da Obra (art.º 70.º do CDADC), e o direito patrimonial, por integrado no acervo hereditário do Marechal ... ....
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Dispõe o art.º 2091.º do Código Civil que os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.
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Os termos em que tal exercício conjunto deve ocorrer resultam das normas sobre compropriedade, aplicáveis subsidiariamente às situações de contitularidade de direitos, nos termos do art.º 1404.º do Código Civil.
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Compulsando o regime da compropriedade, conclui-se –nomeadamente dos artigos 1405.º, 1407.º, 985.º e 1408.º do Código Civil –que (i) a disposição da coisa comum só é lícita com o consentimento de todos os consortes (art.º 1408.º), (ii) que a administração da coisa comum deve ser decidida pela maioria dos contitulares(artigos1407.º e 985.º), e que (iii) qualquer dos comunheiros pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que ao demandado seja lícito alegar que a coisa não pertence por inteiro ao reivindicante (art.º 1405.º, número 2).
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Do art.º 1405.º, número 2 – aplicado aos presentes autos mutatis mutandis –, resultaria já a procedência da pretensão do Recorrente: a Recorrida pretende publicar a Obra sem para tal ter obtido o consentimento de todos os sucessores do Marechal ... ..., sendo por conseguinte lícito ao Recorrente opor-se a que tal ocorra, e não podendo a Recorrida defender-se de tal pedido dizendo que o Recorrente não é o único titular do direito respeitante à Obra.
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De todo o modo, a razão do Recorrente decorre também dos demais preceitos acima citados, em particular porquanto a cada poder de exercício necessariamente unânime – v. g., a disposição da coisa comum (art.º 1408.º) – ou pelo menos maioritário – v. g., a administração da coisa (art.º 1407.º) – corresponde, por consequência lógica, um contra-poder de exercício isolado: o de obstar a que o acto carecido de unanimidade ou de maioria seja levado a cabo sem o consentimento do interessado.
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Por outras palavras: se um acto só pode ser praticado com o consentimento de um conjunto de pessoas, segue-se que nenhuma destas tem o poder de praticar tal acto isoladamente, mas também, e em contrapartida, que qualquer delas goza isoladamente do poder de se opor a que qualquer das demais – e, por maioria de razão, a que qualquer terceiro – pratique o acto em questão sem o seu consentimento.
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Isto significa, no caso sub iudice, que, se é certo que o Recorrente não poderia decidir sozinho pela publicação da Obra, é inequívoco que lhe cabe o poder de, isoladamente, impedir tal publicação.
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E se o Recorrente poderia actuar tal poder de oposição em face de qualquer dos co-sucessores do Marechal ... ..., por maioria de razão poderá exercer tal faculdade perante um terceiro – como é a Recorrida.
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Isto é: se o Recorrente se pode opor a que os seus co-sucessores levem a cabo, sem o seu consentimento, a publicação da Obra, ou a que autorizem um terceiro a fazê-lo, por maioria de razão pode opor-se a que a Recorrida, que nenhum direito (concreto ou abstracto, integral ou parcial) tem sobre a Obra, a publique.
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O Tribunal Recorrido considerou que – apesar de estar provado que (i) o Recorrente é sucessor do Marechal ... ..., que (ii) o Recorrente não recebeu qualquer contacto da Recorrida, nem a autorizou a publicar a Obra, e que (iii) a Recorrida apenas obteve autorização de uma das sucessoras do autor da Obra para proceder à sua publicação – ainda não teria ocorrido, na presente data, uma violação do direito de autor respeitante à Obra .
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Não é, todavia, assim: houve já uma violação do direito, em particular no momento em que a Recorrida acertou (apenas) com uma das sucessoras do Marechal ... ... a publicação da Obra, sem ter procurado obter a autorização da parte do Recorrente – cuja existência e qualidade de sucessor, de resto, nunca poderia ignorar, sendo certo que o Recorrente usou da palavra, em nome da família de ... ..., na cerimónia de atribuição do nome deste ao aeroporto de Lisboa, em cujo contexto, aliás, se terá dado a descoberta da Obra.
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Assim, se a publicação da Obra só poderia ser decidida com o consentimento de todos os sucessores do Marechal ... ..., entre os quais o Recorrente, e se este não foi sequer ouvido pela...
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