Acórdão nº 2170/13.9TVLSB.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 02 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelRIJO FERREIRA
Data da Resolução02 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juizes, no Tribunal da Relação de Lisboa.

* PARTES: João Manuel ... ...

E Francisco Manuel ... ...

E Manuel Eduardo ... ...

E Ana Maria ... ... ... ... ...

E Maria Manuela ... ... ... ...

E Manuel de Oliveira ... ... .../Autores/Apelantes CONTRA: Paulo Fernando ... ... ...

e mulher Maria da Redenção ... ... ... ...

E Manuel Eduardo ... ... ... ...

E Maria do Carmo ... ... ...

E Tiago Manuel ... ... ... / Réus/Apelados ****** I–Relatório: Os Autores intentaram a presente acção pedindo se declare nulo o testamento datado de 25MAI2011 e assinado por ... Elisa Maria ... ... ... no Cartório Notarial de Ana Rita ... ..., lavrado a fls. 129 e 129 verso do livro de notas para testamentos públicos número um daquele Cartório, de que são beneficiários os Réus, alegando que quando o fez a testadora se encontrava incapacitada de entender o sentido das suas declarações, sendo que na ausência desse testamento seriam eles, Autores, os herdeiros da testadora.

Os Réus contestaram por impugnação, impetrando pela improcedência da acção.

A final veio a ser proferida sentença que, considerando não só não terem os Autores logrado provar factos integradores da invocada incapacidade acidental (ainda que considerando que eles lograram provar padecer a testadora de doença incapacitante ela não se mostrou em estádio capaz de pôr em causa a capacidade da testadora) como poder ter-se por segura a capacidade da testadora em função da qualificada garantia conferida pela intervenção notarial na outorga do testamento, julgou a acção improcedente, não declarando a invalidade do testamento.

Inconformados, apelaram os Autores, começando por invocar a falta de independência e imparcialidade do juiz e concluindo, em síntese, por erro na decisão de facto.

Houve contra-alegação onde se propugnou pela improcedência do recurso.

No despacho de admissão do recurso a Mmª Juiz visada respondeu à invocação de imparcialidade afirmando a sua extemporaneidade e afirmando não se ter sentido minimamente constrangida pela situação ou ter tido qualquer comportamento susceptível de colocar em causa a sua imparcialidade.

II–Questões a Resolver.

Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.

De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.

Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal: - da (in)dependência / (im)parcialidade do juiz; - do erro na decisão de facto (e suas eventuais repercussões no aspecto jurídico da causa).

III–Da (In)Dependência / (Im)Parcialidade do Juiz O artigo 20º, nº 4, da Constituição da República estabelece como direito fundamental que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão (…) mediante processo equitativo”.

Igualmente determina o artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (a Convenção) que “qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativa”(mente)[1].

Os preceitos constitucionais respeitantes a direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis, vinculando as autoridades públicas e privadas (artº 18º da Constituição), devendo os juízes recusar a aplicação de normas que infrinjam a Constituição e reprimir os actos que a violem (artigos 204º e 202º, nº 2, da Constituição).

De há muito que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH)[2] estabeleceu que da Convenção não resultam para os Estados Membros apenas obrigações de não ingerência mas também, porque a Convenção visa proteger direitos não teóricos ou ilusórios mas concretos e efectivos, obrigações positivas de adoptar as medidas adequadas a assegurar a efectividade os direitos garantidos pela Convenção. A Convenção impõe aos Estados Membros uma tripla obrigação: de respeito (não violar o direito), de acção (tomar as medidas necessárias para assegurar a efectividade do direito) e de garantia (tomar as medidas adequadas para impedir que terceiros violem o direito).

Pelo que se entende, por um lado, ser do conhecimento oficioso a violação do direito a um julgamento equitativo e a sua eventual reparação[3] e, por outro lado, que os meios processuais de reacção contra as violações desse direito fundamental não se esgotam nos institutos tipicamente previstos para o efeito (designadamente o impedimento e suspeição), em particular quando a percepção dessa violação ocorre em função de conhecimento superveniente das circunstância que fundam aquela percepção (como é expressamente invocado no caso concreto).

O conceito de processo equitativo é um conceito amplo, susceptível de diversificada concretização, cuja densificação decorre sobretudo da jurisprudência sobre a matéria, em particular a do TEDH relativamente ao artigo 6º da Convenção. Mas tem como significado básico a “conformação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva”[4].

O conceito de processo equitativo é um princípio fundamental de qualquer sociedade democrática[5], profundamente imbricado com o Estado de Direito (rule of law)[6], não havendo fundamento para qualquer interpretação restritiva[7] e que visa, acima de tudo, defendendo os interesses das partes e os próprios da administração da justiça, que os litigantes possam apresentar o seu caso ao tribunal de uma forma efectiva[8]; tem como significado básico que as partes na causa têm o direito de apresentar todas as observações que entendam relevantes para a apreciação do pleito as quais devem ser adequadamente analisadas pelo tribunal, que tem o dever de efectuar um exame criterioso e diligente das pretensões, argumentos e provas apresentados pelas partes[9] e que a justeza (fairness) da administração da justiça, além de substantiva, se mostre aparente (justice must not only be done, it must also be seen to be done)[10].

Nos alicerces do processo equitativo encontra-se a independência e imparcialidade do tribunal/juiz, conforme decorre da formulação do referido artigo 6º, nº 1, da Convenção ao estabelecer que a causa deve ser examinada equitativamente “por um tribunal independente e imparcial”[11].

A independência e a imparcialidade do juiz/tribunal encontram-se interrelacionadas (tal como as duas faces de Jano ou as duas faces da mesma moeda) de tal modo que comummente essas duas características são tratadas em conjunto[12].

A independência consiste na situação de o tribunal/juiz se encontrar exclusivamente sujeito à lei (ou equidade), sendo insusceptível de subordinação a ordens ou instruções (externas ou internas à ordem judicial), sendo que a eficácia da decisão proferida não fica sujeita a acto exterior ao tribunal nem essa mesma decisão pode ser impedida, modificada ou anulada por acto externo à ordem judicial; e no estabelecimento de um regime legal que não permita que se possam exercer ou exerçam pressões sobre o juiz, quer do exterior da ordem judiciária, quer do interior dessa mesma ordem quer das próprias partes.

Por seu turno a imparcialidade deriva do facto de o juiz compor interesses alheios, sendo o seu único interesse o de buscar uma solução correcta, e consiste na equidistância relativamente ao litígio a resolver e na ausência de predeterminação ou preconceito[13].

Na aferição da independência e da imparcialidade a aparência pode também desempenhar um papel importante na medida em que tais atributos se devem considerar comprometidos quando as concretas circunstâncias envolventes sejam de modo a, segundo o ponto de vista de um observador objectivo, criar um justificado receio de falta de independência ou imparcialidade[14].

Não obstante, a independência e a imparcialidade do tribunal/juiz devem ter-se por presumidas até prova em contrário[15].

Em face do que vem dito, e ao entrar na análise do caso concreto, importa salientar que na aferição da (in)dependência e (im)parcialidade do juiz, não importa tanto considerar a capacidade subjectiva do juiz visado para não ser afectado ou se libertar das circunstâncias ou ligações que são invocadas como susceptíveis de afectar a sua independência e imparcialidade, mas antes se as invocadas circunstâncias ou ligações são susceptíveis de criar justificado receio de falta de independência ou imparcialidade aos olhos do público, tendo como padrão o cidadão medianamente informado, atento e circunspecto, agindo segundo a normalidade dos padrões comportamentais e culturais comuns na sociedade em que se insere (bonus pater familia).

Estamos numa matéria em que a aparência (o “parecer”) se sobrepõe à realidade (ao “ser”). Mais prosaicamente, onde tem plena aplicação o velho provérbio acerca da ‘mulher de César’.

Não é, no entanto, qualquer aparência que é susceptível de afectar a independência ou imparcialidade do juiz, mas apenas aquela que resulta de circunstâncias concretas que criem um justificado receio de tal afectação; circunstâncias que se consubstanciem numa forte, séria, grave probabilidade, capaz de elidir a presunção de independência e imparcialidade que, por natureza, é atribuída a quem se encontra segundo os ditames da Lei...

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