Acórdão nº 141/13.4GCALQ.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelCALHEIROS DA GAMA
Data da Resolução14 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. No âmbito do processo comum n.º 141/13.4GCALQ, do Juízo Local Criminal de Alenquer do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, foi submetido a julgamento, com intervenção de Tribunal Singular, o arguido A...

, (…) , acusado da prática dos factos descritos no libelo acusatório de fls. 88-89, ex vi de fls. 112, suscetíveis de integrar, em autoria material e na forma consumada, um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.

Viria o arguido a ser condenado, por sentença proferida e depositada em 2 de março de 2017, pela prática do crime pelo qual estava acusado na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros), perfazendo o montante global de € 240 (duzentos e quarenta euros). Logo sendo, determinado, nos termos do artigo 80º, n.º 2 do Código Penal, o desconto da detenção sofrida pelo arguido à ordem dos presentes autos na correspondente pena aplicada, devendo A... cumprir 39 (trinta e nove) dias de multa, à taxa diária € 6 (seis euros), perfazendo o montante global de € 234 (duzentos e trinta e quatro euros). Mais foi o arguido condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 (três) meses, nos termos do artigo 69º, n.º 1, alínea a) do Código Penal.

  1. O arguido, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: “1º A pena acessória de proibição de conduzir veículos por três meses deve ser extinta por o recorrente já ter cumprido essa pena na suspensão provisória do processo.

    1. Destarte não existir norma a prever o desconto, o legislador não quis criar uma situação de injustiça, obrigando o agente a repetir a sanção acessória anteriormente cumprida.

    2. Pelo exposto o tribunal recorrido violou o art. 29 nº 5 CRP na medida em que duplicou a mesma punição.

    3. Mais: o tribunal recorrido também violou o art. 281 nº 3 CPP na medida em que não considerou a inibição de conduzir imposta na suspensão provisória uma verdadeira pena.

    4. Por fim, o tribunal recorrido violou o princípio da confiança na medida em que o arguido ao cumprir os três meses de inibição de conduzir na suspensão provisória acreditou que a mesma iria valer como cumprimento efectivo da sanção.

    TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO, E EM CONSEQUÊNCIA SER EXTINTA A PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS POR TRÊS MESES.

    FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA! ” (fim de transcrição).

  2. Foi proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança de fls. 269.

  3. Respondeu o Ministério Público extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: 1.

    Recorreu o arguido por entender que o período de inibição de condução de veículos a motor fixada, a título de injunção, no âmbito da suspensão provisória do processo, e que cumpriu, deve ser descontado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados imposta na sentença condenatória e, em consequência, considerar-se extinta esta pena, pelo cumprimento.

  4. Tal questão foi já vastamente analisada pela jurisprudência das Relações, perfilando-se duas correntes: uma no sentido de que deve ser negado o desconto considerando que são perfeitamente distintos a natureza, os pressupostos de aplicação, os fins visados e o regime de cumprimento próprios da injunção, por um lado, e da pena acessória, por outro; e uma segunda no sentido de que deve ser permitido o desconto por elementares razões de justiça material e de equidade.

  5. Tal divergência jurisprudencial virá a culminar com o acórdão uniformizador prolatado em 27 de Abril de 2017, no Processo nº 821/12.1PFCSC.L1-A.S1, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Souto de Moura, (ainda não transitado e publicado), que fixou a seguinte jurisprudência: “tendo sido acordada a suspensão provisória do processo, nos termos do art. 281º do Código de Processo Penal, com a injunção da proibição da condução de veículo automóvel, prevista no nº 3 do preceito, caso aquela suspensão termine, prosseguindo o processo, ao abrigo do nº 4, do art. 282º, do mesmo Código, o tempo em que o arguido esteve privado da carta de condução não deve ser descontado, no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, aplicada na sentença condenatória que venha a ter lugar.” Assim, se conclui no sentido de ser negado provimento ao recurso e, consequentemente, ser mantida a sentença recorrida.

    Porém, Vossas Excelências farão, como sempre, o que melhor for de JUSTIÇA!" (fim de transcrição).

  6. Subidos os autos, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação apôs apenas o seu “Visto”, pelo que não careceu de ser dado cumprimento ao disposto no art. 417.°, n.° 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP) (cfr. fls. 285).

  7. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

    II – Fundamentação 1.

    Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respetivamente, nos BMJ 451.° - pág. 279 e 453.° - pág. 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403.° e 412.°, n.° 1, do CPP).

    A questão suscitada pelo recorrente, que deverá ser apreciada por este Tribunal Superior, é, em síntese e nas suas palavras a de que “a pena acessória de proibição de conduzir veículos deve ser extinta por o recorrente já ter cumprido essa pena na suspensão provisória do processo” ou, dito de outro modo, tendo sido acordada a suspensão provisória do processo, nos termos do art. 281.º do CPP, com a injunção da proibição da condução de veículo automóvel, prevista no n.º 3 do preceito, e tendo aquela suspensão terminado e prosseguido o processo, ao abrigo do n.º 4, do art. 282.º, do mesmo Código, o tempo em que o arguido esteve privado da carta de condução deve ser descontado, no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, aplicada na sentença condenatória que veio a ter lugar 2.

    Passemos, pois, ao conhecimento da alegada questão. Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, no que concerne a matéria de facto:

    1. O Tribunal a quo declarou provados os seguintes factos (transcrição): " A) No dia 04.08.2013, pelas 01:32 horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula xx-xx-xx, numa localidade de Casais de Fonte Pipa, na Merceana, após ter ingerido bebidas alcoólicas.

      1. Submetido, no circunstancialismo de tempo e lugar referido em A), a exame de pesquisa de álcool expirado, o arguido acusou uma Taxa de Alcoolemia Sanguínea (TAS) de 1,49g/l.

      2. O exame referido em B) foi efectuado através do aparelho analisador quantitativo “Drager” modelo 7110 MKIII P, com o nº ARZN-0039, aprovado, em primeira verificação, para efeitos de utilização na fiscalização pela Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária em 13.03.2013.

      3. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que antes de iniciar a condução daquele veículo havia ingerido bebidas alcoólicas em quantidade superior ao legalmente permitido, não se tendo abstido, mesmo assim, de o conduzir.

      4. Sabia igualmente que a condução de veículos na via pública, nas condições em que o fez, é proibida e punida por lei.

        Mais se provou que: F) O arguido não foi interveniente em qualquer acidente de viação.

      5. Encontrava-se acompanhado da namorada, pretendendo efectuar um percurso de cerca de 7 a 8 quilómetros.

      6. O arguido trabalha como auxiliar de acção directa, na Santa Casa da Misericórdia (…), desde Agosto de 2016, auferindo € 600 mensais.

      7. Vive com a namorada (aufere € 800 mensais) e o filho comum, com 3 meses.

      8. Tem um outro filho com 9 anos, que reside com a progenitora.

      9. O seu agregado familiar suporta as seguintes despesas médias mensais: € 420 com a prestação do empréstimo contraído para aquisição de habitação; € 150 com a pensão de alimentos devida ao seu filho, a que acrescem as normais despesas correntes.

      10. O arguido não tem antecedentes criminais registados." (fim de transcrição).

    2. Factos declarados não provados: "Inexistem factos por provar com relevância para a boa decisão da causa." (fim de transcrição).

    3. Em sede de motivação da decisão de facto, escreveu-se na sentença recorrida: "A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou da avaliação englobante do contexto probatório dos autos, designadamente, os documentos que deles constam e a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Concretizando.

      No que concerne aos factos imputados ao arguido, bem como as circunstâncias em que estes ocorreram, foi relevante a sua confissão integral e sem reservas, tendo demonstrado, perante o Tribunal uma postura séria. Ademais, a prova da concreta TAS apresentada pelo arguido decorre do teor do talão junto a fls. 9, sendo que os elementos referidos na alínea C) dos factos provados decorrem do referido talão, em conjugação com o auto de notícia de fls. 2 e o certificado de verificação de fls. 186.

      Quanto às condições pessoais, familiares e profissionais do arguido, foram ponderadas as declarações por si prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, as quais se mostraram sérias e não foram contrariadas por qualquer outro meio de prova, antes sendo corroboradas quanto às condições económicas pelo teor da informação prestada pelo Instituto de Segurança Social constante a fls. 159-163.

      Relativamente à ausência de antecedentes criminais do arguido, atendeu-se ao teor do Certificado de...

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