Acórdão nº 78/14.0PTLRS.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelVASCO DE FREITAS
Data da Resolução15 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO: No termo do inquérito que, com o nº 78/14.0PTLRS correu termos nos serviços do DIAP de Loures, Comarca de Lisboa Norte, o MºPº proferiu despacho de arquivamento, ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 277º do C.P.P., quanto ao crime de homicídio negligente, com fundamento, na impossibilidade de estabelecer um nexo de causalidade adequada entre a violação do dever de cuidado na condução exercida por J.M.S. e a morte de G.O.B. tendo concluído, assim, pela inexistência de indícios suficientes da prática de um ilícito criminal.

C.C.C., assistente constituída nos autos e neles devidamente identificada, veio requerer a abertura da instrução, pretendendo que o arguido J.M.S. seja pronunciado pelo crime de homicídio negligente p. e p. pelo art. 137.º do Código Penal.

Tal requerimento veio, porém, a ser rejeitado, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 287º do C.P.P., por o Sr. Juiz de Instrução ter considerado que o mesmo não contém a descrição dos factos susceptíveis de preencherem os elementos típicos daquele ilícito criminal.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso a assistente, pretendendo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que admita a abertura da fase processual requerida, formulando para tanto as seguintes conclusões: 1.Veio o douto tribunal a quo proferir despacho que rejeitou o requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal que veio por termo ao processo, nos termos do disposto nos 286°, n° 1, 287°, n° 2, a contrario sensu, e 3 do C.P.P.; 2.Entendeu o Tribunal a quo que o requerimento de abertura de instrução apresentado pela ora Recorrente não contém a descrição, lógica e cronológica, da factualidade conjunta de todos os elementos que, provados, pudessem integrar-se nos elementos objectivo e/ou subjectivos dos tipos de ilícito pelos quais se pretende a prolação de despacho de pronuncia.

  1. Decisão com a qual a ora Recorrente não se conforma, isto porque, entende que o requerimento de abertura de instrução por si apresentado preenche os requisitos legais.

  2. Conforme consta do seu requerimento de abertura de instrução foram identificados o dia, hora, local e veículos intervenientes no acidente de viação que vitimou G.O.B. .

  3. Consta igualmente do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo Assistente, a descrição da conduta ilícita do Arguido, designadamente, que o mesmo efectuou uma manobra de mudança de direcção à esquerda da Rua Major J.M.S. Luís de Moura para a Rua Feliciano António Carvalho, em Famões, Pontinha, sem dar a esquerda ao centro de intersecção das duas vias e sem entrar na Rua Feliciano António Carvalho pelo lado direito da via.

  4. A trajectória efectuada pelo veículo conduzido pelo Arguido demonstra que o mesmo não terá feito o devido abrandamento da sua marcha, nem utilizou o espelho retrovisor esquerdo que lhe permitisse visualizar a aproximação do motociclo conduzido por G.O.B. , não tendo sinalizado a sua manobra com o "pisca".

  5. Nestes termos, é imputado ao Arguido o facto da manobra por si não ter obedecido aos critérios fundamentais para a realização de uma condução segura, na medida em que não se posicionou correctamente na via para proceder à mudança de direcção à esquerda, chegando mesmo a invadir a hemi-faixa contrária da artéria onde estava a entrar, não realizando a devida perpendicular.

  6. É ainda imputado ao Arguido o facto de não ter prestado a devida atenção ao ambiente que o rodeava, caso em que o tivesse feito, não teria arrastado o condutor do motociclo ao longo de 20 metros, como ocorreu, resultando inclusivamente do relatório de autópsia que o mesmo não sofreu qualquer traumatismo pela colisão, com excepção do esmagamento do crânio, em consequência do seu arrastamento.

  7. Mais consta do requerimento de abertura de instrução que a culpa do Arguido, decorrente da inobservância das regras estradais quanto à mudança de direcção para a esquerda, agrava-se também pela violação do dever geral de cuidado que deve presidir a toda a condução e à prevenção de acidentes, porquanto o condutor que pretende executar tal manobra quando está a ser - ou está prestes a ser - ultrapassado é o único que tem a derradeira oportunidade de evitar o acidente (olhando para trás ou para o lado).

  8. Mais requer a Assistente a realização de diligências probatórias com vista a resultar provado que o Arguido, in casu, na sequência das manobras que efectuou, acima descritas, não adoptou um comportamento conforme a um dever que podia e devia ter tido, de modo a evitar o acidente, porque não o previu (negligência inconsciente) e a culpa pode resultar não só da indevida violação de uma norma estradal, como ainda de simples, mas censurável, falta de atenção, de prudência e de cuidado.

  9. Sendo os factos descritos no requerimento de abertura de instrução e imputados ao Arguido são susceptíveis de integrar a prática pelo mesmo do tipo legal do crime de homicídio por negligência, previsto e punido nos termos do art.137.° do Código Penal, dando assim a Assistente, cumprimento ao disposto no art. 283, n° 3 alínea b) e 287°, n° 2, in fine, do C.P.P.

  10. Nestes termos, tendo a Assistente dado cumprimento ao estabelecido nos art. 287° e 283°, n°3, ambos do C.P.P., deverá o seu requerimento de abertura de instrução ser admitido e ordenadas as diligências probatórias nele requeridas.

  11. O Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou o disposto nos art. 287° e 283°, n° 3, ambos do C.P.P.

  12. Por conseguinte, deverá o presente recurso ter provimento e a decisão de rejeição do requerimento de abertura de instrução proferida pelo Tribunal a quo alterada e substituída por outra que ordene a abertura de instrução, seguindo os autos os seus ulteriores termos.

Nestes Termos Farão V. Exªs. Ilustres Juízes Desembargadores a Sã, Serena e Acostumada Justiça” * Na resposta, o MºPº pugnou pela manutenção da decisão recorrida e consequente improcedência do recurso * O recurso foi admitido.

* A Exmª Procuradora-geral Adjunta junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, subscrevendo os termos e os fundamentos da resposta do MºPº junto da 1ª instância * Cumpriu-se o artº 417º nº 2 do CPP * Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

Cumpre decidir.

* II-FUNDAMENTAÇÃO.

É o seguinte o teor do requerimento que o assistente apresentou para abertura da instrução: 1º- Na sequência do Inquérito realizado no âmbito dos presentes autos, foi proferido despacho de arquivamento baseado na insuficiência de indícios no que concerne à verificação dos pressupostos que imputem ao Arguido a prática do crime de homicídio por negligência, previsto e punido nos termos do art.º 137.°, n.° 1 do Código Penal.

  1. - Fundamentando, o douto M.P., a sua decisão na cópia da queixa apresentada, nas declarações prestadas pelo Arguido e na inquirição de testemunhas e nos exames médicos e peritagens realizadas; 3º- Com base nas investigações levadas a cabo, conclui o douto despacho que não resulta suficiente indiciado a prática da agressão denunciada, isto porque, 4.°- Os factos denunciados na queixa apresentada, não foram corroborados por qualquer outro meio de prova.

  2. - Doutro passo sustenta que não resulta da prova que o embate tenha ocorrido na sequência de conduta negligente do Arguido, nem se vislumbra qualquer violação de regra de cuidado.

  3. - Na medida em que resulta da prova testemunhal que o veículo conduzido pelo Arguido já se encontrava a efectuar a manobra de mudança de direcção à esquerda quando foi embatido pelo motociclo, que efectuava uma ultrapassagem proibida.

  4. - Em suma, sustenta que considerando a queixa apresentada e a negação da mesma por parte das testemunhas inquiridas, não foi possível reunir indícios suficientes daprática pelo Arguido de uma qualquer violação de regra de cuidado.

  5. - Recaindo assim a responsabilidade na produção do acidente sobre a vitima que conduzia o motociclo.

  6. - Ora, salvo o devido respeito, não concorda a Assistente com tal entendimento pois o douto despacho de arquivamento parece ignorar alguns factos que muito contribuíram para a produção do sinistro e consequente morte do sinistrado.

  7. - Ou seja, no dia 22 de Março de 2014, pelas 8H25, ocorreu um acidente de viação no entroncamento entre a Rua Major J.M.S. Luís de Moura e a Rua Feliciano António Carvalho, em Famões, Pontinha, em que interveio o veículo pesado de limpeza urbana de matrícula 32-24-FL (propriedade dos Serviços Municipalizados de Loures), conduzido por J.M.S. José Martins da Silva e o motociclo de matrícula 75-EL-24, conduzido por G.O.B. , vítima mortal.

  8. - Ambas as viaturas circulavam no mesmo sentido da artéria (sentido sul-norte da Rua Major J.M.S. Luís de Moura), quando o veículo pesado efectuou uma mudança de direcção à esquerda (para a Rua Feliciano António Carvalho), tendo dado origem a colisão com o motociclo que o ultrapassava pela esquerda.

  9. - O douto despacho do M.P. dá por provado que o condutor do veículo pesado de limpeza efectuou a devida sinalização de mudança de direcção (vulgo "pisca"), posição com a qual a Assistente não concorda.

  10. - A ora Assistente na sequência do acidente que vitimou o seu companheiro solicitou à empresa "PRESTIREASON - Peritagem Sinistros Unipessoal, Lda.", empresa especializada na averiguação e apuramento da...

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