Acórdão nº 27/07.1PACSC.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Março de 2016
Magistrado Responsável | CONCEI |
Data da Resolução | 09 de Março de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.
I.
RELATÓRIO: 1.
No processo comum com intervenção de Tribunal Singular procedente da Comarca de Lisboa Oeste -... -Instância Local - Secção Criminal -J..., com o número supra identificado, foi proferida sentença em 5/06/2015 que condenou, além de outro, o arguido JM...
, melhor identificado nos autos, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artº 347º do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, e como autor material de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artº 153º, nºs. 1 e 2 do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico o arguido JM... foi condenado na pena única de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, cuja execução foi declarada suspensa por igual período.
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O arguido não se conformando com esta decisão dela veio interpor recurso, terminando a motivação com a formulação das seguintes conclusões (transcrição): “1.
Por sentença proferida na 1ª instância foi o recorrente condenado como autor material de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artº 347º do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão, e como autor material de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artº 153º, nºs. 1 e 2 do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão.
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Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, foi o recorrente condenado na pena única de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na execução pelo mesmo período.
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A convicção do tribunal, no que aos factos provados respeita, assentou no depoimento das seis testemunhas do arguido CB..., todos, tal como o próprio, agentes da PSP que nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas na acusação seguiam na mesma viatura policial.
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Atendeu-se ainda, segundo decisão condenatória “ao auto de detenção de fls. 3 e vº, cujo teor foi corroborado em audiência de julgamento pela testemunha AC..., responsável pela sua elaboração”, ou seja, ao auto elaborado na noite dos factos por um dos agentes da PSP e testemunha em sede de julgamento e ainda ao visionamento feito em audiência de julgamento, das imagens contidas no CD, referido na acusação, serviu de base à firmação da convicção do tribunal.
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Encontrando-se o arguido acompanhado de um amigo na noite da ocorrência, como é bom de ver, as únicas testemunhas dos factos, além do próprio e do seu amigo, eram precisamente as 6 testemunhas apresentadas pelo arguido CB....
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Todavia, as declarações prestadas em audiência de julgamento pelo recorrente não mereceram credibilidade, nem as declarações do amigo que naquela noite o acompanhava, tendo o tribunal considerado que “na ausência de qualquer elemento probatório adicional que permita dilucidar o que, na realidade, se terá passado, o tribunal permanece numa situação de dúvida insanável, dúvida essa que, em obediência aos princípios in dubio pro reo e de presunção de inocência, terá de ser valorada a favor do arguido Carlos Borges.
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Considera o recorrente que a sentença recorrida enferma de erro notório na apreciação da prova nos temos do artº 410º, nº 2, al. c) do artº 410º do CPP.
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Em sede de audiência de julgamento, as testemunhas do arguido CB... apresentaram a mesma versão dos factos ocorridos, sendo que, o recorrente, ao apresentar a sua versão dos factos, apenas apresentou uma testemunha directa o amigo que o acompanhava que presenciou parte dos factos, sendo que após a sua detenção o recorrente passou a estar sozinho com os agentes da PSP, aqui testemunhas.
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A prova feita em sede de audiência só se entende que tenha sido valorada da forma como foi, atendendo ao número de testemunhas, ou seja, o arguido CB..., por ter maior número de testemunhas directas, foi absolvido, sendo o recorrente, pela especificidade da sua situação (nunca poderia ter apresentado outras testemunhas dos factos porque, reitera-se -se encontrava sozinho com os agentes da PSP), condenado.
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O tribunal vem escusar-se da correcta apreciação da prova produzida com base no princípio in dubio pro reo.
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O que não se pode aceitar que o princípio in dubio pro reo é a consagração da presunção de inocência e destina-se precisamente a não permitir que o réu possa ser condenado culpado de algum ilícito enquanto restarem dúvidas sobre a sua inocência.
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E como refere o acórdão, "(...) na ausência de qualquer elemento probatório adicional que permita dilucidar o que, na realidade, se terá passado, o tribunal permanece numa situação de dúvida insanável ( ... )".
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Esta afirmação sempre teria que ter levado à absolvição do Recorrente.
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O único amigo e também testemunha do recorrente que presenciou os factos, apresentou uma versão totalmente diferente e em consonância com a versão apresentada pelo Recorrente, que não foi corroborada por mais nenhuma testemunha porque não podia ser - o Recorrente não podia apresentar mais nenhuma testemunha dos factos porque se encontrava sozinho com os agentes da PSP.
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Acabando o recorrente condenado e o arguido CB... absolvido.
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Sucede que, não pode a interpretação da norma vinculá-la ao facto concreto, não restando, na opinião do recorrente, outro caminho senão acolher a interpretação mais benéfica para ambos os arguidos.
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Entende o recorrente que o tribunal, em face de prova para o condenar, não sendo esta suficiente, restando-lhe dúvidas, como afirma a sentença "(...) na ausência de qualquer elemento probatório adicional que permita dilucidar o que, na realidade, se terá passado, o tribunal permanece numa situação de dúvida insanável ( ... )", não restariam opções senão absolve-lo.
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Ainda que se considere, apesar das dúvidas, que o Recorrente é culpado, este sempre teria que ser absolvido, até porque a sua culpa, a existir, é de tal modo diminuta e as possibilidades de reincidência praticamente inexistentes, que o tribunal, ademais assumindo a dúvida do que "na realidade, se terá passado" sempre teria que ter absolvido ambos os arguidos.
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Ora, se o tribunal assume que se encontra numa situação de dúvida insanável, não se entende porque decide como decidiu, absolver um arguido e condenar o outro.
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Decidindo o tribunal em clara violação do Princípio in dubio pro reo".
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Por outro lado, como se explicitará, os tipos de crime alegadamente cometidos pelo Recorrente nem sequer se encontram preenchidos.
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Ainda que se considere que o Recorrente agiu numa das duas situações, preenchendo-se assim o tipo objectivo, este crime só pode ser cometido através do emprego de violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física.
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O que não sucedeu, pois ameaça grave - é a forma mais grave de violência psíquica sendo que o bem jurídico protegido pela incriminação é a liberdade de decisão e acção de outra pessoa, e, como discorre dos factos provados, não foi esta ameaça apta a tal efeito.
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Ademais, a mensagem tem de ser adequada a provocar medo ou inquietação ou prejudicar a liberdade da determinação do destinatário.
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Como já se disse, o Recorrente encontrava-se sob o efeito do álcool tendo alegadamente vociferado alguns impropérios - que nem se lembra se assim foi mas acredita não ter dito metade do que consta nos factos provados - contra agentes da PSP.
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E, no caso, o agente ameaçou o destinatário com um meio inapto! Sendo o meio inapto, a tentativa é inidónea! 27.
Ademais, o crime de ameaça é consumido pelo crime de coacção sobre funcionário.
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Devendo pelo exposto o Recorrente ser absolvido pelos crimes pelos quais vem acusado.
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Relativamente à escolha da pena aplicável o Recorrente não se conforma com a escolha do tipo de pena em concreto aplicada, por entender que é desajustada à sua culpa bem como às necessidades de prevenção, seja geral seja especial.
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No caso em apreço não nos parece que as necessidades de prevenção geral imponham uma pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução. Parece-nos, sim, que a pena alternativa ou de substituição mais conforme com as necessidades de prevenção especial de socialização seria a pena de multa ou a prestação de trabalhos a favor da comunidade.
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Não queremos com isto dizer que o tipo de conduta alegadamente levada a cabo pelo Recorrente não é merecedora de censura, ou que não é relevante que o julgador transmita e demonstre à sociedade o desvalor deste tipo de crime, o que entendemos é que as necessidades de prevenção geral e especial se bastam com a aplicação ao Recorrente de uma pena de multa.
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Acreditamos que o tribunal ao criar a sua convicção não teve em conta vários factores, nomeadamente o facto de o Recorrente ser primário, se encontrar bem inserido social e profissionalmente e ser pai de uma criança menor.
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Por outro lado, atendendo ao percurso pessoal/familiar e profissional do arguido, mesmo considerando os factos provados, é por demais evidente que na noite em que os factos ocorreram este se encontrava sob o efeito do álcool, razão pela qual se encontrava dentro do táxi onde se espoletou a situação em questão nos autos.
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O Recorrente tinha acabado de sair de um espaço de diversão nocturna onde havia consumido algumas bebidas alcoólicas, razão pela qual não empreendeu na condução da sua viatura, que demonstra que o arguido é um indivíduo responsável.
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O que sucedeu a seguir, nomeadamente as palavras por si proferidas contra os agentes da autoridade, as quais nem sequer se recorda, mais não foram que o reflexo do estado de embriaguez em que se encontrava.
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Não podendo deixar de se considerar como desculpabilizante o facto de o Recorrente se encontrar sob o efeito do álcool.
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O arguido não se conforma com a pena de prisão aplicada, pela devastação que sabe provocará na sua vida.
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Há que atender ao facto de o Recorrente, primário, se encontrar desalentado com a pena que lhe foi aplicada - uma pena de prisão, entendendo que a sua vida profissional, pessoal e social ficarão afectadas para todo o sempre pois entende esta pena como um estigma que, no ambiente...
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