Acórdão nº 1080/14.7T8BRR.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelEDUARDO AZEVEDO
Data da Resolução18 de Maio de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: AA, SA, propôs acção com processo comum contra BB.

Pediu: “a)Ser declarado que o horário de trabalho requerido pela Ré não é um horário flexível, na aceção do artigo 56.º do Código do Trabalho.

Subsidiariamente, caso assim não se entenda, deve: b)Ser declarado que o artigo 56.º do Código do Trabalho não confere à Ré o direito de exigir que o seu horário de trabalho seja fixado “com folga fixa ao fim de semana, coincidente com o Sábado e Domingo”.

c)Ser declarado que existem exigências imperiosas da Autora que legitimam a recusa do horário de trabalho pretendido pela Ré.

d)Ser declarada a inconstitucionalidade dos art. 56.º e 57.º do Código do Trabalho.

E, em consequência da procedência de qualquer um dos pedidos acima formulados, deve: e)Ser declarado que a Autora não está obrigada a conceder à Ré um horário de trabalho compreendido entre as 08H00 e as 19H30, com folgas fixas ao fim de semana, coincidentes com o Sábado e Domingo, até o filho da Ré perfazer 12 anos; f)Ser declarado que a Autora mantém o direito de fixar o horário de trabalho da Ré”.

Alegou, em síntese: a R. é sua trabalhadora, com a categoria profissional de operadora de loja, afecta ao serviço pós-venda, cabendo-lhe fixar o horário de trabalho, dentro do período de funcionamento da loja (entre as 9h e as 24h/7 dias por semana); a R. requereu a atribuição de horário de trabalho flexível, entre as 8h e as 19h30m, com folgas fixas aos Sábados e Domingos, sem indicação de limite temporal; o horário pretendido não se enquadra na noção de horário de trabalho flexível e comunicou-o à R. disponibilizando-se para lhe atribuir, pelo período de um ano, um horário entre as 8h e as 19h30m, sem folgas fixas; a CITE emitiu parecer (nº 320/CITE/2014), opondo-se à sua pretensão de indeferimento do pedido da R., entendendo que o mesmo deveria ser concedido até o filho da R. perfazer 12 anos de idade; o deferimento da pretensão da A. causaria prejuízos, pois os fins-de-semana e os finais de dia, alturas em que a R. pretende não trabalhar, correspondem exactamente aos momentos de maior afluência de clientes à loja e também aos horários menos desejados pelos outros trabalhadores; dos doze trabalhadores com as mesmas funções da R., sete têm também filhos menores; o deferimento do pretendido, para mais durante 12 anos, sobrecarregaria os demais trabalhadores e poderia causar conflitos laborais; é ao empregador que compete fixar o horário de trabalho, mesmo tratando-se de horário flexível, no qual o trabalhador pode escolher o horário de trabalho tão só dentro dos limites previamente fixados pelo empregador; o trabalhador não pode de forma alguma escolher os dias da prestação de trabalho; ainda que assim não fosse, o horário pretendido não poderia ser atribuído devido a exigências imperiosas para si; e, são inconstitucionais os artºs 56º e 57º do CT, se impuserem o seu regime durante 12 anos, impondo um limite severo à livre iniciativa económica do empregador e, assim, violando os artºs 18º, nº 2 e 61º, nºs 1 e 5 da CRP.

Ocorreu audiência de partes sem que houvesse conciliação.

A R. contestou, reconvindo, assim, invocando uma excepção, impugnando factos alegados e alegando que o comportamento da A. lhe causa transtornos e angústia.

Termina pedindo a condenação “da A. a cessar a fixação de horários em violação do direito da R., conforme decisão da CITE e ainda a pagar àquela a importância de indemnização a fixar em liquidação de sentença”.

A A. respondeu em matéria de tal exceção, manteve a sua posição inicial e concluiu pela inadmissibilidade ou improcedência da reconvenção.

Foi proferido despacho saneador, não se admitindo a reconvenção, julgando-se improcedente a excepção e dispensando-se a enunciação dos temas da prova.

Entretanto, a A., notificada do processo administrativo da CITE, requereu nos seguintes termos: “(…) vem expor e requerer o seguinte: I–A VALIDADE E A EFICÁCIA DO PARECER Nº (…)/2014 COMO QUESTÃO PREJUDICIAL AO PRESENTE DO LITÍGIO 1.º- A Autora intentou a presente ação judicial com o propósito de obter o reconhecimento judicial do seu direito de fixar o horário de trabalho da Ré, na sequência de um parecer proferido pela CITE, no qual esta entidade concluiu que o horário de trabalho solicitado pela Ré era um «horário flexível» e que a Autora não tinha motivos para o recusar.

  1. - Assim, na presente ação a Autora peticionou que o douto Tribunal declarasse que horário de trabalho solicitado pela Ré não é um «horário flexível» e, subsidiariamente, peticionou ainda que o douto Tribunal declarasse que o art. 56.º do C.T. não concede à Ré o direito a exigir que o seu horário de trabalho seja fixado com folga fixa ao fim de semana coincidente com o sábado e domingo, que declarasse que o art. 56.º e 57.º do C.T. são inconstitucionais, e que declarasse que existem exigências imperiosas da Autora que legitimam a recusa do horário de trabalho pretendido pela Ré.

  2. - Caso o Tribunal venha a entender que o horário de trabalho solicitado pela Ré é um «horário flexível» (o que não se consente), então importa verificar se o parecer da CITE é válido e eficaz, antes sequer de se apreciar os fundamentos de recusa do empregador.

  3. - Com efeito, da leitura conjugada dos n.ºs 6 e 7 do artigo 57.º do CT resulta que a entidade empregadora só terá de propor uma ação judicial para reconhecimento da existência de motivo justificativo para a recusa de horário flexível se tiver sido notificada, no prazo de 30 dias, de um parecer desfavorável da CITE.

  4. - A contrario, se o parecer da CITE: (i) não for proferido dentro daquele prazo; ou (ii) embora emitido naquele prazo, não puder produzir os seus efeitos (por ser nulo ou, até mesmo, por inexistir), considera-se que tal parecer é favorável à intenção de recusa.

  5. - Caso não haja um parecer válido da CITE, a presente ação tornar-se-á inútil e deixará de ser necessário apreciar o seu objeto, pois deverá considerar-se que o parecer daquela comissão foi favorável à intenção de recusa da Autora, nos termos da parte final do n.º 6 do artigo 57.º do CT.

  6. - Em suma, a apreciação da validade do parecer da CITE constitui uma questão prejudicial relativamente ao objeto da ação, na medida em que a apreciação deste pedido pressupõe um parecer da CITE desfavorável à Autora, contanto que seja válido, eficaz e tempestivo.

  7. - Neste sentido, num caso relativamente semelhante dos presentes autos, decidiu o Tribunal da Relação do Porto, no seu douto Acórdão de 17.11.2014, que: «A acção encontra, pois, o seu fundamento no disposto no n.º 7 do artigo 57.º do Código do Trabalho, tendo a A. peticionado ao tribunal que declarasse que o horário de trabalho solicitado pela recorrida não é um horário de trabalho flexível, na acepção do artigo 56.º do Código do Trabalho e, subsidiariamente, que fosse reconhecida a existência de exigências imperiosas que legitimam a recusa do horário de trabalho solicitado e fosse declarado que mantém o direito de determinar o horário de trabalho da R. sua trabalhadora.

    (…) Ora, da conjugação dos n.ºs 6 e 7 do artigo 57.º do CT resulta que o empregador só terá de propor uma acção judicial para reconhecimento da existência de motivo justificativo para a recusa de horário flexível se tiver sido notificado, no prazo de 30 dias, de um parecer desfavorável da CITE.

    Torna-se, assim, imprescindível para aferir da utilidade da prossecução da acção saber se o parecer n.º 85/CITE/2013 padece de nulidade.

    Caso não haja um acto administrativo válido emitido pela CITE, deverá considerar-se que o parecer daquela comissão é favorável à intenção de recusa da Recorrente, nos termos da parte final do n.º 6 do artigo 57.º do Código do Trabalho e esta passa a poder recusar o pedido de alteração de horário sem necessidade de uma decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo.

    Em suma, na medida em que o conhecimento do objecto da acção pressupõe um parecer da CITE desfavorável à recorrente, emitido em 30 dias e apto a produzir os efeitos a que tende, a apreciação da validade do parecer da CITE constitui uma questão prejudicial relativamente ao objecto da acção.» (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.11.2014, processo nº 609/13.2TTPRT-A.P1, acessível em www.dgsi.pt).

  8. - É certo que a validade e a eficácia do parecer da CITE é uma questão do foro administrativo, mas, contudo, pode ser apreciada por um Tribunal comum se for levantada a título incidental, como questão prejudicial ao objeto da ação, nos termos do art. 92.º do C.P.C.

  9. - Neste sentido, já decidiu o Tribunal da Relação do Porto, no referido Acórdão de 17.11.2014, que: «Os tribunais comuns têm competência para apreciar a questão da nulidade do acto administrativo em que se consubstancia o parecer da CITE emitido sobre a pretensão de horário flexível formulada pelo trabalhador com responsabilidades familiares, quando a mesma se apresenta como questão prejudicial do litígio.» 11.º- Com efeito, o art. 92.º nº 2 do C.P.C (aqui aplicável por remissão do art. 1.º do C.P.T.) permite aos Tribunais judiciais apreciarem questões do foro administrativo que sejam prejudiciais ao objeto do litigio, sendo certo que nestes casos a decisão produz apenas efeitos inter partes, como aliás decorre da referida norma.

    EM FACE DO EXPOSTO: II–A NULIDADE E A INEFICÁCIA DO PARECER N.º 320/CITE/2014 12.º- A CITE foi notificada por este Tribunal, a requerimento da Autora, para juntar aos autos o processo administrativo no âmbito do qual foi proferido o Parecer n.º 320/CITE/2014.

  10. - Na sequência dessa notificação, a CITE juntou aos autos cópia do processo administrativo solicitado, que correu termos sob o n.º 922/FH/2014.

  11. - Após análise do conteúdo do referido processo administrativo, a Autora constata que o Parecer n.º 320/CITE/2014 é um ato administrativo nulo e ineficaz.

    Vejamos: 15.º- Na presente data (16.03.2015), o Código de Procedimento Administrativo que ainda...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT