Acórdão nº 26980/15.3T8LSB.L1.-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA ALBUQUERQUE
Data da Resolução22 de Setembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: I–...–Actividades Imobiliárias, Sociedade Unipessoal, Lda., veio, ao abrigo do disposto no artigo 140º e seguintes do Código do Registo Predial, interpor recurso das decisões da Exma. Sra. Conservadora do Registo Predial de Lisboa que recusaram o cancelamento dos registos de hipoteca e de penhoras que havia requerido, fazendo-o com fundamento em falta de título.

Alegou, em síntese, nessa impugnação, que é proprietária de uma determinada fracção autónoma, adquirida em 17/03/2014, por compra, ao anterior proprietário, aquisição que registou em 18/3/2014, mas que tinha já a posse efectiva da mesma anteriormente a essa aquisição, a qual lhe adveio da celebração, em 3/01/2012, de contrato-promessa (bilateral) com eficácia real, levado ao registo em 10/02/2012, sucedendo que em 3/01/2012 incidiam apenas duas hipotecas sobre o imóvel, e que desde a referida data do registo da promessa de alienação – 10/10/2012- até à data do registo da aquisição a seu favor – 18/3/2014 - vieram a recair sobre o imóvel uma hipoteca e quatro penhoras. Refere que no contrato de promessa celebrado, o promitente vendedor obrigara-se perante ela, promitente compradora, a não onerar por qualquer forma ou dar de garantia o imóvel objecto do contrato.

Os referidos ónus/encargos são incompatíveis com o registo a favor da impugnante do contrato-promessa celebrado com eficácia real e têm de se ter por caducados ou, em qualquer causa, cancelados, por força do disposto no artigo 6º/1 do CRP, entendendo que a recusa do cancelamento a que reage esvazia de conteúdo a função que tem a promessa real de aquisição registada antes do registo de ónus/encargos cujo cancelamento se pretendeu. Conclui, pela revogação de todas as decisões de recusa impugnadas, peticionando que se ordene o cancelamento das referidas penhoras e hipoteca. Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 146º/1 do C.Reg.Predial.

O Ministério Público emitiu parecer nos termos e com os fundamentos de fls. 116, que aqui se reproduzem na parte referente ao objecto do presente recurso: «Quanto à suficiência do título, cumpre distinguir duas situações: um beneficiário de um registo provisório de aquisição, ao converter o registo em definitivo, verá os efeitos desse registo definitivo retroagirem à data do registo provisório, uma vez que o facto sujeito a registo é a aquisição propriamente dita e as regras do registo predial ditam que a conversão do registo implica essa mesma retroactividade dos efeitos. Porém, no caso da promessa com eficácia real, tal não sucede. Com efeito, neste último caso, o que é objecto de registo é a própria promessa. E, após a outorga da respectiva escritura pública de compra e venda, o registo de aquisição não tem quais quer efeitos retroactivos. Vale isto por dizer, que no caso dos autos, o contrato promessa que a ... (…) celebrou, apesar de dotado d eficácia real, quanto a nós não será idóneo para se exigir com este documento o cancelamento da hipoteca legal e penhoras, ainda que estas ocorram após a celebração do contrato promessa com eficácia real».

Foi proferida sentença que julgou improcedente o recurso e, consequentemente, manteve as decisões de recusa proferidas pela Exma. Sra. Conservadora do Registo Predial que indeferiram o cancelamento das penhoras e da hipoteca registadas em momento posterior à promessa real de alienação sobre o imóvel de que a recorrente é proprietária.

II–Do assim decidido apelou a recorrente, tendo concluído as respectivas alegações nos seguintes termos: I.Vem a Recorrente interpor recurso da sentença proferida aos 20.10.2015, por, com a mesma, não concordar; II.Tal sentença, passível de ser sindicada, deve ser revogada de modo a considerar-se totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrente; III.A sentença de que ora se recorre é nula já que, da mesma, não consta a enunciação dos factos provados, imposto pelo artigo 607º, n.º 3, do CPC, nulidade essa determinada pelo artigo 615º, n.º 1, alínea b), do CPC; IV.A teorização esplanada pelo Tribunal a quo na sentença levaria à decisão contrária, ou seja, ao cancelamento dos ónus identificados na impugnação judicial; V.O entendimento do Tribunal a quo, tal como o entendimento na base destes autos, esvazia de conteúdo a função que tem a promessa real de aquisição registada a favor da Recorrente do registo de todos os ónus/encargos cujo cancelamento se pretendeu; VI.A ser como defende o Tribunal a quo, a Recorrente nenhuma protecção teria, sobretudo quando se precaveu com o registo do contrato-promessa com eficácia real; VII.Nada tendo contribuído para isso, a Recorrente vê-se na contingência de ter que suportar uma pesadíssima oneração sobre o imóvel que lhe pertence por direito, algo a que o Direito não pode ser indiferente; VIII.Os efeitos da compra e venda celebrada entre a Recorrente e António J.S.L.R... têm que retroagir à data da promessa com eficácia real registada em 10.02.2012, tornando as identificadas hipoteca e penhoras juridicamente incompatíveis com o direito registado a favor da Recorrente em 10.02.2012, que prevalece sobre todas elas; IX.Estando o contrato-promessa com eficácia real dotado de eficácia “erga omnes”, o direito do promitente-comprador é oponível a todos os credores e titulares de quaisquer direitos com ele incompatíveis ainda que registados ulteriormente na vigência e eficácia do antecedente registo daquela promessa, conferindo ao promitente-comprador o direito de seguimento; X.Do registo do contrato-promessa com eficácia real emerge um direito real de aquisição, revestido de eficácia absoluta; XI.Assim todos os ónus/encargos registados sobre o imóvel depois de 10.02.2012 são e eram incompatíveis com a promessa com eficácia real registada, nessa data, a favor da Recorrente, XII.Devendo deixar de subsistir porque comprometem, irremediavelmente, o direito a favor da Recorrente registado em 10.02.2012, coarctando os direitos que à mesma assistem enquanto possuidora e legítima proprietária do imóvel; XXIII.Finalmente, nos termos do artigo 831º do CPC, caso não tivesse existido outorga da compra e venda, a venda em processo executivo deveria ser feita directamente à ora impugnante “nas condições fixadas no contrato”, significando essa expressão o cumprimento pontual do que vem acordado no contrato-promessa celebrado, sem ónus nem encargos, ou seja, sem os concretos ónus e encargos - que se pretendem cancelar; XIV.Submete-se pois o presente recurso à douta apreciação de V. Exas. em ordem a alcançar-se, na verdade, aquilo que é de elementar justiça, XV.O que passa por fazer proceder o constante da impugnação judicial deduzida.

O Ministério Público apresentou contra alegações nelas defendendo o decidido, nelas reproduzindo, no essencial, o respectivo parecer acima já referido.

III–São os seguintes os factos provados que a 1ª instância teve como relevantes: 1–Em 3/1/2012, António J.S.L.R..., na qualidade de promitente vendedor, celebrou com ..., Actividades Imobiliárias Sociedade Unipessoal, Lda., na qualidade de promitente compradora, um contrato-promessa de compra e venda da fracção autónoma designada pelas letras “FF”, correspondente ao décimo primeiro andar, destinado a habitação, com duas arrecadações e terraço, do prédio urbano, localizado na Av. F..., números 3, 3 A, 3 B, 3 C, 3 D e 3 E e Av. S..., números 2, 2 A, 2 B e 2 C, freguesia de São S.P., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n. ... e inscrito na respectiva matriz sob o n.º ..., através do qual o primeiro prometeu vender à segunda e esta comprar, a referida fracção, pelo preço prometido de € 754.000,00, com a subscrição do documento cuja cópia se mostra inserta a fls. 101 a 112, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

2–Consta da cláusula 3ª desse contrato-promessa: “A segunda contraente declara conhecer que, sobre o imóvel objecto do presente contrato incidem os seguintes ónus: duas Hipotecas Voluntárias registadas a favor do Banco Comercial Português, SA. (…).

-A liquidação e expurgação dos referidos ónus são da exclusiva responsabilidade do primeiro contraente, sendo que o identificado prédio urbano será vendido livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades de cariz hipotecário ou pignoratício. -O primeiro contraente obriga-se a, até à data da celebração da escritura de compra e venda, não onerar, por qualquer forma, ou dar de garantia o imóvel objecto do presente contrato.

-A constituição de qualquer ónus, para além dos identificados em 1 da presente Cláusula ou a ausência de expurgação de qualquer outro não reconhecido no presente contrato, consubstanciará um incumprimento definitivo do presente contrato por parte do primeiro contraente, com as legais consequências, nomeadamente e sem exclusão, a restituição do sinal em dobro, determinando ainda o dever deste de indemnizar a segunda contraente por todas as despesas suportadas com o imóvel, incluindo obras ou quaisquer outras...

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