Acórdão nº 210/17.1YUSTR.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução10 de Abril de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I.

Relatório: 1. Em processo de contra-ordenação, a arguida A., S.A. (adiante identificada apenas por A.

) impugnou judicialmente a decisão administrativa da Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM), que a havia condenado na coima única de € 26 000,00 (vinte e seis mil euros), pela prática de onze (11) contra-ordenações, por violação ao disposto no n.º 6 do Regulamento n.º 169/2013, de 15/05/2013.

Realizado o julgamento no 1.º Juízo do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, foi proferida sentença Publicada e depositada em 3/07/2017 que julgou parcialmente procedente a impugnação, condenando aquela arguida nos seguintes termos (transcrição do respectivo dispositivo): «Em face de todo o exposto, considero parcialmente procedente o recurso nos seguintes termos: I) Julgo improcedentes as questões prévias invocadas pela recorrente; II) Condeno a recorrente: a. Pela prática de uma contraordenação prevista e punida pelo artigo 113.°, n.° 2, alínea h) da LCE, na redação vigente à data dos factos, em conjugação com o artigo 37.°, n.° 1, alínea a), do mesmo diploma legal, e artigo 6.° alínea b), do Regulamento n.° 169/2013, de 15.05.2013, a título negligente, numa coima no montante de doze mil euros (€12.000) (quanto à prestação de informações erradas na área do seu website destinada a contactos para os clientes empresariais); b. Pela prática de uma contraordenação prevista e punida pelo artigo 113.°, n.° 2, alínea h) da LCE, na redação vigente à data dos factos, em conjugação com o artigo 37.°, n.° 1, alínea a), do mesmo diploma legal, e artigo 6.° alínea b), do Regulamento n.° 169/2013, de 15.05.2013, a título negligente, numa coima no montante de cinco mil euros (€ 5.000) (quanto à prestação de informações erradas na área de serviços do seu website); c. Operando o cúmulo jurídico destas coimas, na coima única de catorze mil euros (€ 14.000,00).

d. Pela prática de nove contraordenações previstas e punidas pelo artigo 113.°, n.° 2, alínea h) da LCE, na redação vigente à data dos factos, em conjugação com o artigo 37.°, n.° 1, alínea a), do mesmo diploma legal, e artigo 6.° alínea b), do Regulamento n.° 169/2013, de 15.05.2013, a título negligente, em sanções de admoestação (quanto à prestação de informações erradas/incompletas pelos seus operadores).

* Custas pela arguida, fixando-se a taxa de justiça em quatro (4) unidades de conta - cfr. arts. 8.º/7, e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais e arts. 93.º/3 e 94.º/3, ambos do RGCO.» *** 2. Inconformada, a arguida A.

recorreu para este Tribunal da Relação de Lisboa, formulando as seguintes conclusões (transcrição): A. As alegadas violações apontadas à A. não dizem respeito às normas constantes do mencionado artigo 37° da Lei das Comunicações Electrónicas (violações, essas sim, puníveis nos termos do disposto na alínea h) do n° 2 do artigo 113° da mesma Lei).

B. Na realidade, as alegadas infracções imputadas à A. correspondem a normas constantes, apenas e tão só, do Regulamento n° 169/2013, de 15.05.2013, aprovado pelo ICP-ANACOM no âmbito do artigo 37° da Lei das Comunicações Electrónicas acima transcrito.

C. Ou seja, nenhuma das alegadas práticas de que a A. ora vem acusada se encontra prevista, no que ao seu tipo legal diz respeito, no mencionado artigo 37° da Lei das Comunicações Electrónicas.

D. E não se diga - conforme referido na sentença recorrida - que "Contudo, a matéria do Regulamento esta compreendida no âmbito de aplicação do artigo 37° da LCE, sendo nessa medida possível estabelecer a conexão entre a norma de conduta e a norma que prevê a sanção".

E. De facto, a sentença recorrida reconhece que os elementos do tipo objectivo da infracção em causa estão apenas e tão só previstas no Regulamento n° 169/2013, de 15.05.2013. No entanto, encara essa circunstância com normalidade, atenta a remissão feita no artigo 37° da LCE para uma eventual fonte regulamentar.

F. Este tipo de remissão genérica, não cumpre, com todo o devido respeito, a exigência imposta constitucionalmente de que se traduz o princípio da legalidade.

G. Não pode a A. aceitar o entendimento constante do acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional n° 41/2004 citado na sentença recorrida, pois se é admissível que não exista "o mesmo grau de controlo parlamentar que atribui aos crimes" e mesmo que se aceite uma maior "flexibilidade quanto às fontes" dos ilícitos contraordenacionais, não deixa de ser igualmente certo que tal "flexibilidade" não pode eliminar o disposto no artigo 2° do Regime Geral das Contraordenações que estabelece clara e inequivocamente uma identidade ao nível do princípio da legalidade previsto no artigo 29° da Constituição da República Portuguesa.

H. Não obstante as oscilações doutrinárias quanto à diferenciação material (ou qualitativa) entre o ilícito contraordenacional e o ilícito penal, a verdade é que tem sido reconhecido, praticamente unanimemente, e desde os textos fundadores de BELEZA DOS SANTOS e EDUARDO CORREIA que, se o direito das contraordenações se pode libertar de algumas das garantias e dos corolários do direito penal, é certo que de outras e outros não pode, sendo hoje inquestionável, e unanimemente reconhecida pela doutrina, a proximidade e analogia estrutural do direito das contraordenações em relação ao direito penal e processual penal, que têm, na formulação de JOSÉ LOBO MOUTINHO, "a abóbada de fecho [relativamente às contraordenações] no seu papel de direito subsidiário".

I. Importa não descurar que, no caso sub judice, a A. foi condenada da prática de alegadas infracções apenas previstas, no referido Regulamento n° 169/2013, de 15.05.2013.

J. Ou seja, na realidade, os factos em causa apenas se encontram descritos num regulamento, sendo alegadamente passíveis de coima, apenas e tão só, em virtude de remissão geral e indirecta para uma norma constante da Lei das Comunicações Electrónicas.

K. Assim, resulta evidente que, nem o facto, nem a punibilidade desse mesmo facto, se encontra previsto por Lei.

L. E não se diga - tal como o pretende fazer o Tribunal a quo na sentença recorrida - que tal flagrante violação do princípio da legalidade é sanada pela circunstância de a Lei conceder ao poder administrativo, in casu, ao ICP-ANACOM a legitimidade para regulamentar a matéria em apreço.

M. A ser assim - o que apenas se concebe por cautela de patrocínio, sem conceder - o princípio da legalidade (basilar no nosso sistema penal e contraordenacional, directamente decorrente da Constituição da República Portuguesa) seria facilmente contornável, passando a permitir a criação de tipos contraordenacionais com base em regulamentos e regulamentações do poder administrativo.

N. Bastaria uma mera remissão para disposições que viessem a ser aprovadas por entidades reguladoras para considerar que todas elas passavam a estar abrangidas pela égide da Lei no sentido da possibilidade de se substituírem à Lei na definição dos concretos tipos criminais ou contraordenacionais.

O. Resulta clara a existência, no caso sub judice, de uma violação do princípio basilar da legalidade, violação essa que, atenta a dignidade constitucional do mesmo, determina a inconstitucionalidade da aplicação conjunta dos artigos 113° n° 2 alínea hl) e artigo 37°, ambos da Lei das Comunicações Electrónicas e do n° 6 do Regulamento n° 169/2013, de 15.05.2013, o que determina a obrigatoriedade de procedência da presente impugnação e consequente arquivamento do presente processo.

P. Os ilícitos contraordenacionais em causa são puníveis, mesmo quando praticados com negligência e por pessoa colectiva, com coima entre € 5.000,00 e € 500.000,00 de acordo com o disposto na alínea e) do n° 6 do mencionado artigo 113° da Lei das Comunicações Electrónicas e artigo 4° da Lei n° 99/2009, de 4 de Setembro.

Q. Tal como já alegado em sede de defesa escrita e na impugnação judicial apresentada, a norma em apreço é inconstitucional, por sancionar como contraordenação um comportamento sem dignidade para-penal ou contraordenacional, violando por isso o artigo 18.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa, que estabelece o Principio da Proporcionalidade da sanção penal.

R. Com efeito, os comportamentos em causa não são suficientemente censuráveis para que a A. possa sofrer um juízo antijurídico na dimensão contraordenacional.

S. Assim, resulta evidente que as normas em apreço estabelecem uma sanção mínima demasiado elevada para o tipo de comportamento sob censura, em violação do n.° 2 do artigo 18.°, da Constituição da República Portuguesa.

T. Da mesma forma, as referidas normas estabelecem um limite máximo para a coima aplicável completamente desproporcionado face ao comportamento sob censura.

U. Por outro lado, verifica-se a inconstitucionalidade da norma em apreço, por violação do princípio da legalidade previsto no artigo 29.°, n,° 3, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que se estabelece uma moldura penal demasiado abrangente.

V. Com efeito, a moldura aplicável aos casos sub judice, para além de manifestamente desproporcionada face à censurabilidade dos comportamentos, abrange valores completamente discrepantes e sujeitos a elevada discricionariedade.

W. Nenhum dos factos em causa no presente procedimento contraordenacional foi praticado com a consciência de qualquer ilicitude e, muito menos, com qualquer intenção de causar aos clientes qualquer tipo de dano, dano esse que, aliás, não se verificou, X. Importa ainda não esquecer que, num mercado já de si altamente concorrencial, a A. tem todo o interesse em respeitar e melhorar os procedimentos e serviços que presta, estando perfeitamente consciente dos prejuízos que para si adviriam caso assim não entendesse.

Y. Todos estes elementos acima referidos devem, sob pena de violação princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado, ser tidos em consideração no julgamento a ser realizado sobre...

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