Acórdão nº 927/17.0YRLSB-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelIL
Data da Resolução11 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: N... AG, vem, perante o Tribunal da Relação de Lisboa, ao abrigo do disposto nos artigos 3º nº 8 da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro e 46º nº 3 alínea a), ii) e v) e 59º nº 1 alínea e), estes da Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro (LAV), intentar acção contra Z... K.S., pedindo que seja anulado o acórdão do Tribunal Arbitral de 13 de Março de 2017.

Em síntese, alegou que, por carta endereçada à requerida em 22.10.2015, iniciou contra a ré uma arbitragem nos termos da Lei 62/2011, para dirimir um litígio cujo objecto era o exercício dos direitos da requerente emergentes da Patente Europeia nº 2322174 (EP 174), de que é titular, em relação a medicamentos genéricos.

Em 23.05.2016 apresentou petição inicial, a qual termina com o seguinte pedido principal: “Nestes termos, a presente acção deve ser julgada procedente e, consequentemente, a demandada deve ser condenada a abster-se, no território português, ou com vista à comercialização nesse território, de importar, fabricar, armazenar, introduzir no mercado, vender ou oferecer os medicamentos objecto dos pedidos de AM identificados no artigo 40 da Petição inicial ou, sob estas ou quaisquer outras designações ou marcas comerciais, quaisquer composições farmacêuticas combinadas para utilização no tratamento ou prevenção da hipertensão que compreenda Valsartan e Amlopidina, ou, quando apropriado, os sais farmacêuticamente aceitáveis, em que a composição é uma forma de dose unitária combinada numa combinação fixa, enquanto os direitos de propriedade industrial da N... permanecerem em vigor, ou seja, até 09 de Julho de 2019”.

Em 23.06.2016 a Z... contestou, invocando a caducidade do direito de acção da N..., pois que esta havia iniciado o procedimento arbitral depois de ultrapassado o prazo de 30 dias previsto no artigo 3º nº 1 da Lei nº 62/2011, tendo-se tal prazo iniciado com a publicação do pedido de AIM requerido pela Z..., o que teve lugar a 01.02.2015. O prazo de 30 dias terminou em 01 de Março de 2015 e a arbitragem só foi iniciada em 22 de Outubro de 2015.

A requerente N... respondeu à contestação, dizendo, em síntese, que os artigos 2º e 3º nº 1 da Lei 62/2011 devem ser interpretados como impondo que o prazo de 30 dias, quando a patente seja concedida depois de expirado esse prazo, apenas comece a correr com a concessão da patente, sendo que a patente dos autos apenas foi concedida depois de ultrapassados 30 dias sobre a data da publicação mencionada no artigo 3º nº 1 da Lei 62/2011. O prazo previsto nos artigos 2º e 3º nº 1 da Lei 62/2011 é inconstitucional per se, independentemente da data em que o direito de propriedade industrial invocado tenha nascido. Da inconstitucionalidade daqueles preceitos não deriva a necessidade jurídica de fixar um prazo de 90 dias para a propositura da acção como pretendia a Z....

Em 13 de Março de 2017 foi proferido acórdão arbitral absolvendo a requerida dos pedidos formulados pela requerente, por considerar que caducou o direito de acção da N....

Mais alegou que o acórdão do Tribunal Arbitral sofre de vícios pelos quais deve ser anulado. O primeiro desses vícios respeita à violação do princípio do contraditório.

O acórdão do Tribunal Arbitral de 13 de Março de 2017 concluiu pela verificação da caducidade do direito de acção da requerente, baseado em argumentos de facto e de direito não alegados por nenhuma das partes, pelo que o enquadramento fáctico-jurídico em que assenta a caducidade invocada pela Z... é manifestamente diferente daquele em que se fundou a declaração de caducidade proferida no acórdão impugnado. Em suma, o Tribunal Arbitral proferiu uma decisão-surpresa, violando o princípio do contraditório na sua dimensão expressa no artigo 3º nº 3 do Código de Processo Civil, consagrado também no artigo 30º nº 1 alínea c) da LAV. O Tribunal Arbitral não deu à requerente a oportunidade de se pronunciar sobre o enquadramento fáctico-jurídico inovatório cm base no qual resolveu considerar caduco o seu direito de acção.

A consequência de tal violação consiste na anulação da sentença arbitral nos termos do artigo 46º nº 3 alínea a) ii), conjugado com o artigo 30º nº 1 alínea c) da LAV.

O segundo vício consiste no excesso de pronúncia. O Tribunal Arbitral conheceu de uma questão de que não poderia tomar conhecimento, qual seja, a da caducidade do direito de acção por falta de propositura de acção arbitral no prazo do artigo 3º nº 1 da Lei 62/2011, com invocação da suposta protecção provisória e das também supostas consequências dessa omissão no que respeita à perda do direito à propositura desta acção.

O excesso de pronúncia resulta de duas circunstâncias: (i) da não audição prévia das partes e (ii) da impossibilidade de conhecimento oficioso da caducidade.

Existe fundamento para a anulação da sentença arbitral nos termos do artigo 46º nº 3 alínea a) v) da LAV.

Do Acórdão Arbitral foi interposto recurso pelo Ministério Público para o Tribunal Constitucional e a requerente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa em 24.04.2017.

No final da petição inicial a requerente pede que o recurso interposto em 24.04.2017 seja apensado aos presentes autos, nos termos do artigo 267º do CPC.

A requerida Z... K.S. apresentou oposição, por excepção e por impugnação.

Por excepção, alegou, em síntese, que ocorreu a nulidade da sua citação, pelo facto de a citação não ter sido acompanhada do formulário previsto no artigo 8º nº 1 do Regulamento (CE) nº 1393/2007 do Conselho de 13 de Novembro de 2007, no qual se informa a entidade requerida de que pode recusar a recepção do acto de citação quando ele não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução numa língua que o destinatário compreenda ou na língua oficial do Estado-Membro requerido. A citação da ré não foi adequadamente efectuada, padecendo de nulidade nos termos do artigo 191º nº 1 do Código de Processo Civil, por violação do artigo 239º nº 1 do mesmo código e do procedimento previsto no Regulamento (CE) nº 1393/2007 de 13 de Novembro de 2007.

Alega ainda a excepção de litispendência, em virtude de existir a repetição de uma causa (a presente acção de anulação), estando a anterior ainda em curso (o recurso interposto).

Refere que, nos termos do artigo 581º nºs 2, 3, e 4 do CPC, existe identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.

As partes do presente pedido de anulação e do recurso interposto pela requerente no dia 24.04.2017 são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, pelo que há identidade de sujeitos.

Há identidade de pedidos formulados no recurso de apelação interposto pela requerente em 24.04.2017 e nos presentes autos.

Finalmente, verifica-se igualmente a identidade de causas de pedir. A causa de pedir no referido recurso interposto pela requerente em 24.04.2017 é o Acórdão Arbitral de 13 de Março de 2017. A causa de pedir do presente pedido de anulação daquele acórdão é também o mesmo acórdão, o “acórdão impugnado”.

Alega a requerida, ainda em sede de excepção, que existe erro na forma de processo, na medida em que a Lei nº 62/2011, apenas prevê no seu artigo 3º nº 7 que da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, com efeito meramente devolutivo.

Ao admitir-se o recurso da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, estar-se-ia a contrariar, abertamente, o procedimento célere e expedito criado pela Lei 62/2011.

O único meio processual adequado para a requerente impugnar o acórdão arbitral era, tal como foi, o recurso de apelação do mesmo para o Tribunal da Relação, de acordo com o disposto no nº 7 do artigo 3º da Lei 62/2011 e não o presente pedido de anulação, ao abrigo do artigo 46º da Lei 63/2011, de 14 de Dezembro (LAV).

Por impugnação, no que respeita à violação do princípio do contraditório alegada na petição inicial, refere a requerida que a publicitação, através da página electrónica do Infarmed (artigo 15º-A do DL 176/2006, de 30 de Agosto, aditado pela Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro), fixa o termo inicial (dies a quo) do prazo para a instauração da arbitragem necessária pelo interessado que pretenda invocar o direito de propriedade industrial relacionado com medicamentos genéricos, devendo tal publicação concretizar-se num espaço curto de 5 dias e conter determinados elementos, que podem já ser disponibilizados, para terceiro poder fazer valer os seus direitos de propriedade industrial.

Sobressai deste regime legal uma intenção clara de consagrar um procedimento célere e expedito, de modo a garantir que, uma vez autorizada ou registada a introdução no mercado de medicamentos de uso humano, possa estar acessível ao público interessado, com vantagens, nomeadamente quanto ao seu uso e custo.

A caducidade do direito de acção da requerente decretada pelo Acórdão Arbitral de 13 de Março de 2017, na sua fundamentação de facto e de...

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