Acórdão nº 16196/16.7T8LSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DE DEUS CORREIA
Data da Resolução15 de Março de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO FB e LB intentaram acção declarativa de condenação contra: Banco Espírito Santo Novo Banco e EC, todos melhor identificados nos autos.

Pedem a condenação dos Réus a pagar-lhes a quantia de €75.000,00, acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento.

Para tanto alegam, em síntese, que foram convencidos a investir todas as suas poupanças num produto apresentado pelo BES, SA, como isento de risco, com garantia de capital e respectiva remuneração. Sucede que, no final do prazo de tal aplicação, ao contrário daquilo que lhes foi garantido pelo Banco, os Autores não foram reembolsados do montante aplicado e, pelo contrário, estão desembolsados de todo o valor investido que afinal se destinou à compra de acções preferenciais, o que os Autores desconheciam, sentindo-se enganados.

Os Réus contestaram defendendo-se por excepção e impugnação.

Foi julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, relativamente ao Banco Espírito Santo.

Os Autores desistiram da instância em relação ao Réu S. da C..

O Réu Novo Banco foi absolvido do pedido com fundamento na sua ilegitimidade passiva, nos termos do disposto no art.º 576 nº1 e 3 do C.P.C.

Inconformados com esta decisão, os Autores interpuseram recurso de apelação, quer da decisão que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente ao Banco Espírito Santo, quer da decisão que absolveu do pedido o Novo Banco, com fundamento na sua ilegitimidade substantiva.

Quanto ao primeiro recurso, formulou as seguintes conclusões: «1.Como no processo de insolvência se vai liquidar o património do devedor insolvente e repartir o produto obtido pelos credores, é necessário que estes sejam contemplados e graduados nesse processo, sob pena de nada poderem vir a receber depois de excutido o património.

2. Para os créditos serem contemplados no processo de insolvência têm naturalmente de ser reclamados (art.º 128.º), não sendo necessário uma sentença com trânsito em julgado.

3. Mesmo o credor que tenha o crédito reconhecido por sentença transitada em julgado não está dispensado de reclamar o seu crédito (artº. 128/3 CIRE), porque só no processo de insolvência esse crédito pode ser executado, por se tratar de um processo de liquidação universal.

4. A declaração de insolvência determina a apensação das acções de natureza exclusivamente patrimonial em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, bem como a suspensão e extinção das acções executivas.

5. Mas, este regime, moldado nos princípios do processo de insolvência, não é extensível às demais acções declarativas.

6. Se essa fosse a intenção do legislador, tê-lo-ia expressado, sem limitações, como, aliás, fez em relação às acções executivas (art.º 88.º).

7. Se o credor, com uma acção declarativa de condenação a correr, não reclamar o seu crédito no processo de insolvência, pode ver extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (art.º 277.º al. e) do CPC), uma vez que deixa de poder ver os seus direitos de crédito satisfeitos relativamente ao devedor insolvente.

8. A natureza célere e urgente do processo de insolvência é incompatível com a tramitação e a necessária ponderação de direitos litigiosos complexos ou especializados.

9. Sendo o processo de insolvência um processo de execução universal, é natural que as acções executivas a correr se suspendam ou se extingam.

10. Naturalmente que, se na acção declarativa, houver outros Réus, a extinção da instância opera apenas quanto ao Réu devedor insolvente, prosseguindo os seus termos contra os demais Réus, como, aliás, está consignado expressamente para as acções executivas (art.º 85.º, n.º 1 in fine e n.º 2).

11. Se o credor reclamar o seu crédito no processo de insolvência, não há lugar a qualquer apensação, suspensão ou extinção da instância das acções declarativas de condenação a correr contra o devedor insolvente.

12. Devendo, nesse caso, o seu crédito ser contemplado e devidamente acautelado no processo de insolvência, nomeadamente como crédito sujeito a condição suspensiva.

13. Nesta conformidade, o art.º 181º n. 1 do CIRE dispõe que “Os créditos sob condição suspensiva são atendidos pelo seu valor nominal nos rateios parciais, devendo continuar, porém, depositadas as quantias que por estes lhes sejam atribuídas, na pendência da condição”.

14. Com a nova redacção do n.º 1 do art.º 50.º, o legislador tomou posição clara, considerando expressamente as decisões judiciais como condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da decisão, pelo que o Acórdão Uniformizador, no domínio do actual quadro legislativo, salvo o devido respeito, perdeu actualidade e validade.

15. Como resulta da nova redacção do preceito, a condição suspensiva não pode ser o crédito objecto do processo judicial, mas a própria decisão judicial, tanto mais que o legislador coloca em alternativa a condição suspensiva dependente de “(…) decisão judicial ou de negócio jurídico”.

16. No actual quadro legislativo, só na falta da reclamação do crédito, se poderá entender que o credor perdeu o seu interesse na acção declarativa e consequentemente decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 287.º al. e) do CPC.

17. Os Autores reclamaram o seu crédito, subjacente à presente acção declarativa, no processo de insolvência do R. BES, Banco Espírito Santo, S.A. - em Liquidação, como é do conhecimento deste R..

18. Não existe qualquer violação do princípio da igualdade dos credores.

19. A douta decisão recorrida fez uma errada interpretação dos art.s 50º e 90º do CIRE e uma errada aplicação do art.º 277º al. e) do CPC.

20. As causas de liquidação do BES são da sua responsabilidade.

21. Pelo que, nos termos da parte final do art.º 536º do CPC, deverá ser o BES, ou, melhor, a massa insolvente, a suportar as custas da extinção da instância.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas, Meritíssimos Desembargadores, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-se por outra que: a) julgue improcedente a excepção de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, quanto ao R. Banco Espírito Santo, S.A. - em liquidação; b) mande prosseguir a acção contra ambos os RR. Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!» Quanto ao segundo recurso, concluiu do seguinte modo: 1.O BES, ao vender aos seus clientes, os ora AA., as acções preferenciais da SPV Euroaforro, actuou simultaneamente como banqueiro e como intermediário financeiro.

2. Pelo que ficou sujeito às correspondentes obrigações e responsabilidades , nos termos do RGIF e do CVM 3. O BES, ao efectuar as operações de compra e revenda das referidas acções preferenciais, celebrou contratos de intermediação financeira, nos termos do art.º 321.º, n.º 1 do CVM.

4. O art.º 74.º/RGIF estabelece que os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.

5. Devendo a diligência ser apreciada de acordo como elevados padrões técnicos e comportamentais, tendo em conta o interesse dos Clientes, os riscos e a segurança das aplicações (art.º 75.º/RGIF).

6. Em particular, as instituições de crédito devem informar os Clientes com clareza, na fase pré-contratual, fornecendo toda a informação e os elementos caracterizados dos produtos propostos (art.º 77.º e 77.º-A/RGIF).

7. A informação respeitante a instrumentos financeiros deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art.º 7º/CVM) 8. Existem três deveres distintos: o dever de recolha de informação e caracterização do investidor; o dever de avaliação de adequação e o dever de informação sobre a inadequação ou sobre a falta de informação obtida.

9. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente e ser apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio e, designadamente, não dar ênfase a quaisquer benefícios potenciais de uma actividade de intermediação financeira ou de um instrumento financeiro, sem dar igualmente uma indicação correcta e clara de quaisquer riscos relevantes e ser apresentada de modo a não ocultar ou subestimar elementos, declarações ou avisos importantes (art.ºs 312. nº 2 e 312.º-A, nº 1 als. b), c) e d) do CVM).

10. Existe uma proibição de intermediação excessiva (art.º 310º do CVM): se a operação não é adequada ao cliente - consequência de uma avaliação negativa - o intermediário financeiro não deve prestar o serviço (art.314-A nº 3 do CVM).

11. Por força do art.º 321.º, n.º 3 do CVM, “Aos contratos de intermediação financeira é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, sendo para esse efeito os investidores não qualificados equiparados a consumidores.” 12. Nos termos dos artºs. 5.º e 6.º da Lei da CCG, incumbe à instituição de crédito o dever de comunicação e informação do conteúdo dos contratos ao Cliente, para que “tendo em conta a importância do contracto e a extensão e complexidade das Cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência”.

13. Conforme prescreve o art.º 5.º, n.º 3/CCG. “O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”.

14. Havendo conflito de interesses, o intermediário financeiro deve prestar informação escrita ao Cliente quanto à origem e natureza de qualquer interesse que possa ter nessa operação, para efeitos de este tomar uma decisão esclarecida e fundamentada (art.º 312, n.º 1, als. c) e n.º 2 do CVM).

15. Os AA eram clientes do BES, pelo menos, desde 2002 e confiavam plenamente nos seus...

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