Acórdão nº 45521/14.3YIPRT.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução15 de Março de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: A requereu injunção, em 31 de Março de 2014, contra B e C pedindo a condenação dos Réus no pagamento do montante de € 8.139,79, a título de capital, acrescido dos juros de mora vencidos no valor de € 229,25 e vincendos até integral pagamento, por falta de pagamento dos honorários devidos pelo mandato exercido pelo Autor a favor daqueles.

A Ré apresentou oposição, invocando a ineptidão do requerimento de injunção. Mais suscita o pagamento dos serviços em questão e propugna a não solidariedade das dívidas em análise. Assinala que o co-Réu se encontra insolvente. Impugna parte da matéria factual vertida pelo Autor e conclui pela improcedência do peticionado.

Após audiência de julgamento foi proferida sentença na qual se julgou extinta a instância relativamente ao réu, por inutilidade superveniente da lide, e procedente a excepção de prescrição presuntiva, com absolvição da ré do pedido.

Inconformado, interpôs o autor competente recurso cuja minuta concluiu da seguinte forma: 1.ª– A douta sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, nos termos da primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por não ter conhecido da questão da solidariedade de mandantes entre os dois Réus, devidamente, nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 1169.º do Código Civil, (artigo 60.º da P.I., e prova documental e testemunhal comprovativos dessa solidariedade), incorrendo o Tribunal a quo em violação do n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil; a resposta a essa questão não está prejudicada pela resposta dada a outras questões suscitadas pelo Autor ou mesmo pela Ré. Tal nulidade afectou toda a parte subsequente da sentença, inclusive quanto à apreciação da matéria de facto (cfr. intróito dos “Factos provados”, onde é expressamente declarado, nomeadamente, que são “expurgados aqueles [factos] com natureza meramente conclusiva ou de direito ou referentes ao Réu, quando irrelevantes, atenta a extinção da instância acima consignada”).

  1. – A douta sentença é ainda nula por excesso de pronúncia, nos termos da segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615 do mesmo Código de Processo Civil , por ter conhecido de questão cujo conhecimento lhe estava vedado, pois o mesmo só pode considerar os factos alegados pelas partes ou os previstos nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, sendo que, no caso da alínea b) não podem ser considerados sem que à parte seja dada oportunidade de sobre essa modificação se pronunciar, sendo que no caso a douta sentença recorrida, considerou provados os factos referidos nos n.ºs 2 a 8 e 23 a 36, modificados relativamente ao que consta dos artigos 3.º, 9.º, 12.º e 53.º da P.I. aperfeiçoada, sem que sobre tal modificação o Autor haja sido ouvido previamente.

  2. – Devem, por conseguinte, ser declaradas as duas invocadas nulidades e ordenada a baixa dos autos à 1.ª instância, a fim de ser prolatada nova sentença, atenta quanto à primeira delas, a precedência lógica da questão da solidariedade dos mandantes relativamente às demais questões conhecidas pela sentença. 4.ª– A douta sentença recorrida julgou a lide supervenientemente inútil quanto ao réu e condenou o Autor nas custas do incidente, pelo facto de ter sido junta aos autos certidão de sentença que julgou o Réu insolvente, transitada em 2013., estribando-se em doutrina e jurisprudência que não são transponíveis para o caso vertente, na medida em que os dados de facto são distintos, designadamente por não ter havido reclamação de créditos no processo de insolvência, pelo que violou a alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil e, ao condenar o Autor nas custas nestas circunstâncias, violou o n.º 3 do artigo 536.º do mesmo Código.

  3. – Acresce, sem conceder, que a procedência da inutilidade superveniente quanto ao Réu, não prejudicaria a solidariedade de mandantes, ficando a Ré integralmente responsável pela totalidade dos débitos perante o Autor.

  4. – A sentença em crise modificou os factos alegados pelo Autor, expurgando-os das referências ao Réu, sendo que não poderia tê-lo feito sem dar àquele a oportunidade de sobre essa modificação se pronunciar [parte final da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil], pelo que socorreu-se de factos não alegados pelas partes. São exemplos disto o facto provado sob o n.º 2 vs o artigo 3.º da P.I. aperfeiçoada; o facto provado sob o n.º 3 vs o artigo 9.º do referido articulado; os factos provados sob os n.ºs 4 a 8 vs o artigo 42.º da referida peça processual; os factos provados sob os n.ºs 23 a 36 vs o artigo 53.º da P.I. aperfeiçoada.

  5. – O Tribunal a quo não considerou assente matéria de facto relevante, por ter ignorado a questão da solidariedade entre mandantes e ter ilegalmente considerado supervenientemente inútil a lide contra o Réu, quando deveria ter considerado total ou parcialmente provados os factos alegados nos artigos 3.º a 12.º e 41.º a 51.º da P.I. aperfeiçoada, pois foi produzida prova documental e testemunhal que impunham que tal matéria fosse considerada provada. A sentença é ainda contraditória com o que ela própria considerou provado sob o n.º 9.

  6. – A sentença recorrida deveria ter considerado que o mandato exercido pelo Autor nos processos em que o Réu ou as sociedades figuravam como parte foi também exercido em favor da Ré, pois ambos os réus contactaram o Autor para o efeito, em comunhão de esforços, vontades e interesses, sendo certo que o facto de a procuração ter sido emitida apenas pelo Réu ou pela Ré como gerente de uma sociedade em que é a sócia maioritária, não significa que o mandato não haja sido exercido também no interesse desse signatário, enquanto pessoa individual.

  7. – No caso dos autos, esse interesse está bem patente, como o próprio Tribunal admite, ao referir que “a Ré sabia dos negócios do co-Réu e vice-versa, porquanto viviam em união de facto”. Não se compreende, por isso, que a sentença não reconheça que o desfecho de qualquer dos processos e os eventuais prejuízos deles advenientes afectariam o casal e não apenas o demandado. Aliás, no que respeita às sociedades, houve entradas dos estabelecimentos pertencentes ao Réu para o respectivo capital e, posteriormente, a passagem desse capital da titularidade do Réu para a titularidade da Ré, pelo que se encontra bem patente o evidente interesse de ambos em ocultar património relativamente aos credores, pois nem sequer se encontra provado pelos réus que essas transacções tiveram contrapartidas pecuniárias de sinal contrário.

  8. – A prova do interesse da Ré nos processos do réu resulta do facto de os vários adiantamentos para os vários processos – de ambos os Réus e das sociedades – terem sido maioritariamente feitos com cheques da Ré, embora os recibos tenham sido emitidos em nome do Réu e de uma das sociedades, factos que resultam da prova testemunhal produzida em audiência.

  9. – A sentença recorrida devia ter entendido que o mandato exercido pelo autor nos actos societários, de aumento de capital , etc., foi exercido em favor da ré, e considerado provados os factos alegados nos artigos 41.º a 48.º da PI aperfeiçoada, pois os actos de aquisição de quotas ou de aumentos de capital são actos praticados exclusivamente em favor dos sócios que adquirem essas quotas ou as vêem aumentadas por força do aumento de capital, porquanto os patrimónios desses sócios adquirentes são os únicos beneficiários desses negócios; o mesmo se diga do contrato-promessa de cessão de quotas em que ambos os Réus intervêm.

  10. – Como ficou documentalmente provado, existem alguns actos que, embora relacionados com as sociedades, foram titulados em nome próprio pelos Réus, como acontece com os contratos que constituem os Documentos n.ºs 87, 88, 89, 93, fls.2, e 93., fls. 3, 96, fls. 1, e 96, fls. 4, 99 e 100, onde facilmente se percebe que quem neles é parte são os réus e não as sociedades, pelo que, nos termos do artigo 838.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 939.º do mesmo Código, os custos da aquisição das quotas e dos aumentos de capital sempre correriam por conta dos adquirentes, entre os quais a Ré, na medida em que não foi alegada nem provada pela Ré qualquer convenção em contrário, o mesmo se devendo dizer dos contratos em que as sociedades não são partes mas sim os ora Réus.

    13.º– Pelo exposto, o Tribunal a quo deveria ter considerado provados o interesse da Ré e os factos alegados nos artigos 41.º a 48.º da P.I. aperfeiçoada.

  11. – A sentença recorrida merece censura ainda pelo facto de ter presumido e considero provado o pagamento pela ré dos serviços prestados pelo Autor, nos termos dos artigos 312.º e 317.º, c), do Código Civil, quando é certo que os serviços e despesas considerados provados sob os n.ºs 9 a 22 totalizam € 7.173,28, e os adiantamentos por conta de honorários e despesas considerados provados pela mesma sentença nos n.ºs 23 a 36 apenas atingem € 6.532,26, pelo que, ao menos, sempre estaria provado o débito de € 641,02, ficando afastada a referida presunção de pagamento.

  12. – Mas a mencionada presunção, prevista nos artigos 312.º e 317.º, c), do Código Civil, ficou também afastada pelo facto de a ré ter tomado nos autos posição incompatível com a prescrição presuntiva, como sucede com o alegado nos artigos 36.º, 37 e 40.º da contestação, onde aquela discute os valores dos honorários, confessando tacitamente que os não pagou.

  13. – Acresce que ainda que não tinha decorrido o prazo de dois anos para que a prescrição presuntiva pudesse operar, desde logo, porque não foi alegado nem provado pela ré, como lhe competia nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, o dies a quo – a data da extinção do mandato – sendo certo que a referida extinção só ocorre nos casos previstos na lei.

  14. – A sentença recorrida presumiu erradamente ter-se verificado a extinção do mandato no momento da apresentação das notas de honorários aos mandantes...

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