Acórdão nº 3091/17.1T8BRR.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelCELINA N
Data da Resolução21 de Março de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: AAA, Lda, com sede na Rua (…), inconformada com a decisão proferida pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) que lhe aplicou a coima no valor de € 3.672,00 pela prática de uma contra-ordenação muito grave prevista no ponto i) da al.a) do nº 7 do artigo 15º do Regulamento (CEE) n.º 3821/85, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Regulamento (CE) nº 561/2006 e na al.a) do nº 1 do artigo 25º da Lei nº 27/2010, de 30.08 e punível nos termos da al.a) do nº 4 e do nº 6 do artigo 14º da referida Lei, veio impugnar judicialmente tal decisão nos termos e com os fundamentos constantes de fls.88 a 108 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido e pedindo, a final, que a impugnação seja julgada provada e procedente e, em consequência: – Seja declarada a nulidade do auto de notícia por falta de fundamentação e consequente limitação do direito de defesa da Arguida, nos termos dos artigos 153º, nº 2 e 163º do CPA, 374º, nº 2 e 379º nº 1 al.a) do CPP; – Seja declarada a nulidade da decisão administrativa por falta de fundamentação e consequente limitação do direito de defesa da Arguida, nos termos dos artigos 153º, nº 2 e 163º do CPA, 374º nº 2 e 379º nº 1 al.a) do CPP.

– Seja a AAA Lda, absolvida da infracção que lhe é imputada no auto de contra-ordenação, por ausência de censura do facto alegadamente praticado, atento os factos que descreve.

A ACT apresentou alegações invocando, em resumo, a intempestividade do recurso, a inexistência da arguida nulidade da decisão administrativa e que não existe nos autos nenhum indício objectivo que revele que, no momento da autuação, o condutor estava na posse de um cartão tacográfico e que o tivesse apresentado aos agentes de fiscalização e que, ainda assim, o cartão justificava, ou não, os 28 dias anteriores ao dia da fiscalização.

O recurso foi admitido.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento tendo, de seguida, sido proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, o Tribunal decide: 1.

– Manter a condenação da «AAA LDA..» pela prática de uma contra-ordenação muito grave prevista e punível pelos artigos 25º, n.º 1, alínea a), e 14º, n.º 4, alínea a), da Lei n.º 27/2010 de 30/08, e com efeito, a pagar uma coima de € 2.856,00.

  1. – Absolver « AAA LDA...» da reincidência.

  2. – Condenar « AAA LDA...» no pagamento das custas do processo, na proporção do decaimento, que se fixa em 2/3, cuja taxa de justiça fixa em 3 Uc´s.

  3. – Após trânsito, comunique com cópia.” Inconformada, a arguida recorreu e apresentou as seguintes conclusões: “1.

    – Foi a arguida condenada nos presentes autos, “pela prática de uma contra-ordenação muito grave prevista e punível pelos artigos 25º, nº 1, alínea a), e 14º, n.º 4, alínea a), da Lei n.º 27/2010 de 30/08, e com efeito, a pagar uma coima de € 2865,00.

  4. – Todavia sem fundamento, nem fáctico, nem jurídico, como infra se tentará explanar.

  5. – Não fora bastante o Tribunal a-quo aplicar lei já revogada (Lei 27/2010), a sentença recorrida nem, sequer, fundamenta a culpa da arguida.

  6. – Não analisa o elemento subjectivo da culpa, elemento essencial para a determinação concreta da coima a aplicar.

  7. – Pelo que, considera a Recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece tanto de vício por inaplicabilidade do regime legal aplicado à Recorrente, como de vício de falta de fundamentação, nos termos dos artigos 374.º, n.º 2 do CPP, bem como, por violação objectiva do Regulamento (UE) 165/2014 do Parlamento Europeu de 4 de Fevereiro de 2014, bem como é nula nos termos da al. c) do nº 1 do art. 279º do CPP.

    I– Das “irregularidades” ocorridas na sessão de julgamento: 6.

    – Conforme melhor consta da sentença recorrida, o Tribunal a-quo decidiu, sem qualquer hipótese de contraditório ou, sequer de audição da arguida, de inverter a ordem de produção de prova.

  8. – Determina o artigo 341º do Código de Processo Penal (aplicável por remissão do artigo 60 da Lei n.º 107/2009, para o artigo 41º do Decreto-lei 433/82) que a produção de prova deve respeitar a ordem seguinte: apresentação dos meios de provas indicados pelo Ministério Público [alínea b)]e após apresentação dos meios de prova indicados pelo arguido.

  9. – Esta imposição legal vem ao encontro de toda a estrutura do nosso processo penal, nos termos do qual o objecto do processo é delimitado pela acusação deduzida no mesmo e, com uma base acusatória, ou seja, incumbe, tratando-se de crime público ou semi- público, e no caso concreto, em processo contra-ordenacional, nos termos das normas supra descritas, ao Ministério Público provar os factos inseridos na acusação e consequentemente de forma inequívoca abalar o principio constitucionalmente consagrado do in dubio pro reu, isto vale por dizer que não incumbe por qualquer forma ao arguido o ónus de provar a sua inocência.- 9.

    – Como tal e considerando a normal legal supra referida em que o legislador utiliza a expressão "A produção de prova deve..." decorre a saciedade que o Tribunal deve por todos os meios fazer/esgotar numa primeira linha a prova de acusação e só após passar à prova da defesa.

  10. – O que não foi feito no caso concreto.

  11. – Ora, com este comportamento, o Tribunal a-quo violou, quer o artigo 341º do CPP quer o princípio do in dúbio pro reo previsto no artigo 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP.

  12. – É que, a inversão da produção de prova, da forma como o foi, impediu a arguida, naquele momento, de prosseguir a sua estratégia de defesa que, poderia, no limite, basear-se em “ficar quieta”, esperando que o Ministério Público fizesse prova dos factos constantes da acusação - art. 47 da Lei 107/2009.

  13. – Mais! A inversão da produção de prova foi feita sem qualquer despacho prévio, sem qualquer requerimento, nem da defesa nem da acusação, sendo, portanto, NULA por falta de fundamentação, sendo que influiu, naturalmente, na decisão do mérito da causa, deitando por terra toda a estratégia da defesa.

  14. – A inversão da produção de prova, sem prévio despacho sujeito a contraditório, é nula e terá que apreciada por esse Venerando Tribunal, anulando-se, portanto, todos os actos praticados posteriormente aos mesmo.

  15. – Pois que, praticou acto que a Lei não prevê, violando, como se disse, os direitos de defesa da Arguida e, consequentemente, violando disposições constitucionais, sem qualquer tipo de fundamentação (nem o caso concreto o exigia, note-se).

  16. – Deverá, pois, anular-se todo o processado posteriormente.

    II– DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONUNCIA/FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO 17.

    – Nos ternos da al. c) do nº 1 do art. 279º do CPP, é nula a sentença “c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

  17. – O Tribunal a quo não se pronunciou sobre as nulidades invocadas no recurso da decisão administrativa, limitando-se a tecer uma consideração vaga e genérica sobre as mesmas "porquanto não se verifica nenhuma das nulidades invocadas”, mas não diz porquê.

  18. – Ou seja, o Tribunal de primeira instância, efectivamente, não apreciou nenhuma das nulidades invocadas, o que, naturalmente, origina a nulidade da sentença ora em crise.

  19. – A arguida invocou (I) a NULIDADE DO AUTO DE NOTICIA, e a (II) NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.

  20. – Na sentença ora recorrida não há uma só linha sobre a apreciação destas nulidades.

  21. – Nem a fundamentação para a sua procedência ou improcedência.

  22. – O Auto de noticia é, desde logo, nulo porque o agente autuante nem fez constar as provas que colheu no momento da fiscalização! 24.

    – Não existindo a concreta indicação dos dias em que supostamente estavam em falta os discos do tacógrafo, nem a identificação dos dias de descanso semanal regular (para os quais não é necessário apresentar formulário) não pode a Arguida defender-se adequadamente, nem tão pouco, se pode concluir que houve a prática da alegada infracção.

  23. – Esta falta de indicação, que originou a nulidade do auto, não foi apreciada pelo Tribunal de primeira instância, que nada disse sobre este assunto.

  24. – Portanto, a nulidade do auto originou que, a arguida se não pudesse defender convenientemente no processo administrativo.

  25. – Pelo que, a sentença será, necessariamente nula por falta de fundamentação.

  26. – O mesmo quanto à segunda nulidade invocada.

  27. – Ou seja, a decisão administrativa era, como é, nula por falta de fundamentação.

  28. – Nulidade que o tribunal a-quo nada disse.

  29. – A decisão administrativa é nula, porquanto, é insuficiente graças à sua falta de fundamentação e falta de indicação de prova.

  30. – A decisão administrativa viola o disposto no artigo 374.º, n.º 2 do CPP, ao não incluir, nos factos imputados à Arguida, a narração das circunstâncias objetivas e subjectivas da sua actuação; ao não contextualizar, com factos concretos, o comportamento imputado à Arguida e ao não identificar os meios de prova em que assenta as suas conclusões, assim criando, dificuldades ao exercício da cabal defesa da Arguida.

  31. – O mesmo exactamente, quanto à sentença recorrida.

  32. – Que é nula pelos mesmos motivos, por não ter apreciado a nulidade invocada da decisão administrativa.

  33. – Ao agir como agiu o Tribunal a quo vou o disposto no art. al. c) do nº 1 do art. 279º do CPP.

    III– DA INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DADA COMO PROVADA (CULPA) / FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO 36.

    – A sentença recorrida também não tem uma única linha sobre o lamento subjectivo da culpa.

  34. –Afinal, a arguida foi condenada porquê? Teve um comportamento negligente porquê? Que outro comportamento lhe era exigível? 38.

    – O Tribunal a quo condenou a Recorrente na prática negligente dia infracção sem sequer indicar um facto provado que corroborasse a existência de culpa na forma negligente.

  35. – A Recorrente logrou afastar a sua culpa nos termos dos artigos 13.º, n.º 2 da Lei 27/2010 (se aplicável, mas já lá vamos).

  36. – Pois, como por diversas vezes...

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