Acórdão nº 7382/16.0T8LSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DE DEUS CORREIA
Data da Resolução22 de Março de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO AF, residente na Rua X, em Leiria, instaurou ação declarativa, com processo comum, contra: 1.º; Novo Banco, S.A., com o NIPC 513204016, na Avenida da Liberdade, 195, 1250-142 Lisboa e 2.º. MS, com domicílio profissional na agência de Leiria do Novo Banco, S.A., na Av. Marquês de Pombal, nº 33-37, 2410-152 Leiria.

O autor peticiona a condenação solidária dos réus no pagamento dos danos patrimoniais no valor de cem mil euros, acrescido de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde 20.12.2013 até efetivo e integral pagamento, e dos danos morais sofridos, que computa em 50.000,00 €, acrescido dos respetivos juros, desde a citação, até efetivo e integral pagamento.

Fundamenta tal pedido na subscrição do papel comercial «Rio Forte, Inv. SA.» (PTR34AJM0990), no montante de € 100.000,00, adquirido na Agência de Leiria do BES, por pressão do gestor de conta, segundo réu, sem qualquer explicação sobre o produto e bem sabendo que este não pretendia produtos de risco, sendo cliente de perfil conservador, e agindo na convicção de que estava a fazer uma aplicação em investimento com capital e juro garantido na maturidade, equivalente a um depósito a prazo.

O autor atribui responsabilidade civil ao BES por violação dos seus deveres enquanto banqueiro e de intermediação financeira, tendo-se transferido esta responsabilidade para o NOVO BANCO, por força da medida de resolução aplicada ao BES e criação do banco de transição. Por sua vez, o segundo réu, na qualidade de funcionário bancário e de gestor de conta, incorre em idêntica responsabilidade por ter prestado informação errónea quanto à natureza do produto, à ausência de risco e às garantias associadas, ocultando toda a informação relativamente às reais características do produto, da entidade emitente e do processo de venda. Por último, o autor responsabiliza ainda o primeiro réu por quebra injustificada da confiança na medida em que afirmou, em privado e publicamente, que o reembolso do capital investido estava assegurado, por violação do dever de lealdade ao assumir compromissos explícitos e públicos de reembolso do papel comercial detido por clientes de retalho, e por via do instituto do levantamento/desconsideração da responsabilidade jurídica, na dupla hipótese de atentado a terceiros e abuso de direito, assente no princípio geral da boa-fé e na situação de concreta confiança gerada pelo primeiro réu.

Os réus contestaram, arguindo a excepção peremptória da não transferência da (pretensa responsabilidade), pois por via da medida de resolução do Banco de Portugal, de 3 de Agosto de 2014, o crédito aqui reclamado não se transferiu para o NOVO BANCO, mas manteve-se na esfera do BES, conforme aliás deliberação retificativa de 11/08/2014, e tendo o âmbito desta deliberação de resolução sido objeto de duas novas deliberações, denominadas «Deliberação Perímetro» e «Deliberação Contingências», em 29/12/2015, mediante as quais veio o Banco de Portugal clarificar que não haviam sido objeto de transferência para o NOVO BANCO os créditos decorrentes de quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo Espírito Santo. Consequentemente, os réus devem ser absolvidos do pedido.

No exercício do contraditório, veio o Autor pugnar pela improcedência da excepção, com o fundamento de que no Relatório & Contas Consolidado do BES é feita uma referência expressa à constituição de uma provisão de 588,6 milhões para «fazer face aos compromissos assumidos de reembolso de instrumentos de dívida emitidos por entidades do GES (em particular, a ESI e Rioforte) colocados junto de clientes de retalho do grupo» (cfr. Nota 40, pág.172 e Nota 46, págs. 183-187), sendo expressamente referida na Deliberação do Banco de Portugal de 14.08.2014 a «provisão já constituída», e que se a responsabilidade pelo pagamento do denominado papel comercial da ESI e Rioforte não tivesse transitado para o réu NOVO BANCO, este não teria apresentado uma proposta de «pagamento» Findos os articulados, foi dispensada a realização da audiência prévia e logo no despacho saneador, por se entender que “os autos contêm todos os elementos necessários para a apreciação da exceção perentória da ilegitimidade substantiva”, foi proferida decisão que julgou verificada a ilegitimidade substantiva passiva e absolveu os réus do pedido.

Inconformado com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: 1. A presente ação tem por fundamento “factos anteriores” à Medida de Resolução aplicada ao BES (03.08.2014) e “factos novos” ocorridos posteriormente .

  1. Relativamente aos “factos anteriores” o Recorrente sustenta que foram praticados factos ilícitos e que o Novo Banco deve ser condenado, com os seguintes argumentos: a. O Recorrente entende que à luz da Deliberação do Banco de Portugal (subalínea (vii) da alínea (b) com a alínea (g) do n.º 1. do referido Anexo 2 da Medida de Resolução do BES), a responsabilidade em causa foi transferida para o Réu Novo Banco; b. O Recorrente entende igualmente que o 2.º Réu é solidariamente responsável pela violação dos deveres de intermediação, em particular o dever de informação e lealdade. 3. Relativamente aos “factos novos” o Recorrente sustenta o seu crédito indemnizatório com base em dois fundamentos: a. Responsabilidade pela confiança gerada pela conduta pessoal do Novo Banco, através de vários comunicados públicos e pessoalmente ao balcão, assegurando que o reembolso estava garantido na maturidade, que havia provisões e garantias para o efeito, que à luz da Deliberação do Banco de Portugal caberia ao Novo Banco efetuar o pagamento na maturidade; b. Violação do dever de informação/lealdade pelos Réus, que não informaram que o Recorrente poderia ter exigido o reembolso antecipado; com isso, o Recorrente perdeu oportunidade de exigir o reembolso antecipado; além disso, se admitíssemos, por hipótese, que a responsabilidade pelo reembolso que havia sido assumida pelo BES não se tinha transferido para o Novo Banco, então este atuou de má-fé e com dolo intenso (de forma desleal) quando disseram, por várias formas que ele próprio tinha assegurado o reembolso e que este iria mesmo acontecer na maturidade pois havia provisões para o efeito que tinha transitado do BES para si. 4. Isto posto, a haver algum motivo para conhecer desde já o mérito da causa só pode ser para condenar o Novo Banco por se considerar que à luz da Deliberação do Banco de Portugal tal responsabilidade (referente aos “factos anteriores) transitou para aquele; ou então por se considerar que existe matéria probatória para condenar o Réu Novo Banco pela quebra do dever de lealdade e da situação de confiança. 5. É seguro que os “factos novos” foram praticados pessoalmente pelo Novo Banco e não pelo BES, pelo que não foram (nem podiam ter sido) objeto de resolução pelo Banco de Portugal; não existe na lei nenhuma norma que isente de responsabilidade civil o Réu Novo Banco dos factos que este pessoalmente praticou ou que o qualifique como pessoa “inimputável”. 6. Por conseguinte, relativamente aos “factos novos” não se coloca qualquer questão sobre o “perímetro de transferência” porque estes factos foram constituídos ex novo após a aplicação da medida de resolução e, por conseguinte, só podem ser os Réus a responder por eles.

  2. Verifica-se, portanto, que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que devia forçosamente apreciar: 8. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a matéria da responsabilidade pela violação dos deveres de lealdade e de informação, nem se pronunciou, como deveria, sobre a hipótese de responsabilidade pela confiança, hipóteses que não ficam prejudicadas pela questão do âmbito da medida de resolução pois dizem respeito a factos posteriores que estão excluídos da medida de resolução. 9. I que, salvo melhor opinião, consubstancia uma causa de nulidade (art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC). 10. Sem prescindir, verifica-se, como dissemos, que a segunda parte da subalínea (vii), da alínea (b), do n.º 1 do Anexo 2 da Deliberação de 3 de agosto de 2014, na redação dada pela Deliberação de 29.12.2015, admite expressamente que o crédito dos titulares de papel comercial da ESI e Rio forte (onde insere o crédito do Recorrente) transitou para o Novo Banco. 11. Além, disso sempre se concluiria que se verificam os pressupostos da responsabilidade pela confiança.

  3. Na verdade, o poder e retransmissão exercido pelo Banco de Portugal na Deliberação de 29.12.2015 refere-se a quaisquer responsabilidades contingentes e desconhecidas ou incertas do BES à data de 3 de agosto que à luz da medida de resolução devessem ter permanecido no BES.

  4. Assim, os “novos factos” não estão abrangidos pela referida retransmissão. 14. Como se disse, a circunstância de o Novo Banco ser um “banco de transição” não afeta em nada a sua natureza de banco, e capacidade e competências para o exercício normal da atividade bancária, mas apenas acrescenta-lhe a administração temporária dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos transferidos do BES, como resulta do disposto no artigo 145.o-G, n.o 1, 3, 6 do RGICSF 15. Donde resulta que nunca o Tribunal a quo poderia ter absolvido o Novo Banco, muito menos o 2.º Réu com base na sua (incorreta) interpretação da medida de resolução bancaria aplicada ao BES. 16. Nessa medida, julgou mal o Tribunal a quo ao considerar que a pretensão do Recorrente é excluída da esfera de responsabilidade do Novo Banco ao abrigo do Anexo 2 à deliberação do Banco de Portugal, em particular da subalínea (vii), e da Deliberação de 29.12.2015 designada “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências”.

    Nestes termos e nos demais de direito aplicável, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa...

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